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Em cada três minutos, um trabalhador europeu morre por causa do seu trabalho

No momento em que os planos de austeridade se multiplicam, em que o desemprego parcial se banaliza, em que o tempo de vida no trabalho aumenta um pouco por todo o lado, qual é o estado de saúde dos assalariados europeus? Entrevista com Laurent Vogel do Instituto sindical europeu. Por Ivan du Roy
Foto de Laurent Guizard retirada do site bastamag.net

As desigualdades sociais na saúde no trabalho permanecem fortes. Para esperar viver até velho, mais vale ser quadro que operário e operário que jovem precário.

Basta!: Como estão os trabalhadores europeus?

Laurent Vogel1: Assistimos a uma deterioração da saúde no trabalho a longo prazo. O problema é menos o impacto imediato das condições trabalho na saúde que a acumulação de danos na saúde ao longo do tempo. No quadro do inquérito europeu sobre as condições de trabalho2, quando se pergunta aos trabalhadores se eles se sentem capazes de trabalhar até à idade de 60 anos, as respostas negativas são importantes. Manifesta-se um efeito de desgaste: só 44% dos operários não qualificados pensam poder aguentar até aos 60 anos e apenas metade dos operários qualificados. As diferenças são grandes segundo o lugar na hierarquia social, porque a proporção daqueles que pensam poder aguentar sobe até 71% para os empregados mais qualificados. Existe assim um fosso entre os operários menos qualificados e as pessoas que têm qualificações elevadas. Em França, os operários morrem seis anos e meio mais cedo que os quadros superiores. Na Estónia, a diferença da esperança de vida de um homem de 25 anos licenciado e de um homem da mesma idade que possua um nível de educação mais baixo sobe para 13 anos. A situação das mulheres é mais favorável que a dos homens em setores em que as consequências imediatas do trabalho são menos percetíveis. Mas a longo prazo, as mulheres perdem a vantagem. Elas são confrontadas ao longo da sua vida com uma organização mais disciplinada do trabalho.

Num contexto em que o tempo de vida no trabalho se prolonga...

Tudo isto é efetivamente inquietante quando em muitos países europeus a idade da reforma e a duração do tempo de trabalho ao longo da vida se prolongam. Esta lógica simplista que visa afirmar que aumentando a esperança de vida o tempo de trabalho ao longo da vida deve igualmente aumentar arrisca-se a ter efeitos perniciosos. As condições de trabalho atuais tornam esse objetivo impossível para uma grande parte da população.

460 pessoas morrem em cada dia na Europa devido a acidentes e doenças ligadas ao trabalho (168.000 por ano segundo a Comissão dos assuntos sociais do Parlamento Europeu). As mortes ligadas ao trabalho têm tendência a diminuir?

É, na minha opinião, uma estimativa muito baixa. Ela tem em conta os acidentes de trabalho mas também as patologias mortais provocadas pelo trabalho, principalmente o cancro. Os acidentes de trabalho mortais constituem uma pequena parte destas mortes: cerca de 6.000 por ano. Têm tendência a diminuir. Em primeiro lugar, porque os setores económicos mudam: há menos empregos na siderurgia ou nas minas, setores mais expostos aos acidentes. Depois, graças a uma melhoria das condições de trabalho e da prevenção da segurança. Observamos entretanto um claro aumento dos cancros com origem profissional. Isto explica-se provavelmente por um melhor conhecimento dos diferentes tipos de cancro – estamos em melhores condições de dizer que um determinado cancro é provocado por determinada atividade. Mas vivemos também num modelo económico muito dependente das substâncias químicas. Um ponto suplementar do PIB equivale a um aumento de 1% das substâncias químicas perigosas produzidas pela indústria. Segundo certas estimativas, cerca de 28% dos trabalhadores estão expostos a substâncias cancerígenas3. Os operários estão muito mais expostos que os empregados e os quadros superiores são os que estão melhor. No caso das doenças mentais e dos suicídios, que podem estar ligados, não dispomos de dados de conjunto credíveis. Mas o fenómeno existe por toda a Europa, não só em França como o mostrou o drama dos suicídios na France Télécom.

Em matéria de prevenção dos riscos no trabalho, qual é a amplitude das desigualdades na Europa?

Isso depende dos setores e dos tipos de prevenção. Na Alemanha, por exemplo, se as práticas de prevenção são mais avançadas em matéria de acidentes de trabalho, não o são de forma alguma no que diz respeito aos cancros profissionais. Isto explica-se pelo peso da indústria química. Em geral, quanto mais fortes são as desigualdades na sociedade, mais importantes são as desigualdades resultantes do trabalho. O nível de prevenção depende também das capacidades de mobilização coletiva neste ou naquele setor. Em França, o ponto positivo, comparado com outros países europeus, é a relativa visibilidade desta questão desde a revelação do escândalo do amianto. As condições de trabalho estão presentes no debate público. É uma base para encontrar respostas eficazes. Outra questão: o lugar do trabalho e das condições de trabalho na estratégia global dos sindicatos. Em Espanha, por exemplo, no setor da construção, a saúde no trabalho foi colocada no centro das reivindicações sindicais. E as coisas mexem. Em França, os sindicatos são menos fortes do que noutros países da Europa, mas o lugar que eles dão às condições de trabalho situam-se numa média alta. Com um obstáculo: quanto mais precário é o emprego, menos possíveis são as mobilizações.

A esse respeito, a Comissão dos assuntos sociais do Parlamento Europeu nota “a proliferação das formas de emprego atípicas (trabalho temporário, sazonal, dominical, a tempo parcial, teletrabalho)”. Estes empregos precários têm impacto na saúde dos trabalhadores?

As jovens gerações estão principalmente preocupadas pela multiplicação destas formas de emprego. Entre os jovens que têm entre 20 e 30 anos, os fatores de precariedade jurídicos são dois ou mesmo três vezes mais importantes que entre os mais velhos. E isto em toda a Europa. Qual será o seu estado de saúde daqui a duas ou três décadas? Se cada um sofrer cinco anos de precariedade antes de encontrar uma forma de emprego estável, isso não será muito pesado. O problema é que a duração destes empregos precários prolonga-se. Para certas categorias, estes empregos atípicos tendem a tornar-se a regra! Na Holanda, três quartos das mulheres trabalham a tempo parcial. Esta proporção é de um terço para o conjunto da União Europeia. Os dados fornecidos pela Cáritas, e que estão disponíveis também no resto da Europa, mostram a correlação entre a precariedade em termos de emprego e o aumento das tentativas de suicídio. Existe também uma precariedade que se pode descrever e quantificar – o número de contratos a prazo, contratos de trabalho temporário, sazonal... - e uma precariedade de facto, mais difícil de medir estatisticamente. Ela está ligada às situações de sub-contratação: pessoas com contrato a prazo indeterminado são contudo precários porque o seu emprego pode ser posto em causa em qualquer momento, pelo facto, por exemplo, de um diretor decidir que vai mudar de sub-contratado por razões de menores custos. São situações correntes no setor da limpeza, onde a forma do contrato não tem, ao fim e ao cabo, qualquer incidência no nível de precariedade.

François Hollande4 propõe que se aplique “um dispositivo de classificação social que obrigue as empresas com mais de 500 trabalhadores a certificarem anualmente a gestão dos seus recursos humanos em critérios da qualidade do emprego e das condições de trabalho”. Pensa que isto pode ser útil?

Delegar em peritos externos à empresa a elaboração de critérios não é, segundo penso, uma prioridade. Todos os tipos de empresas de consultoria estão prontos a dar qualquer tipo de certificado, com este ou aquele “rótulo social”. Mas muitos dos aspetos das condições de trabalho nunca irão entrar nas suas grelhas de avaliação. A Saint-Gobain no Brasil, por exemplo, tinha obtido todas as certificações possíveis e inimagináveis... mas a empresa usava o amianto. As avaliações externas estudam os procedimentos: existe uma comissão para a igualdade salarial? Há um médico do trabalho na empresa? As formações são implementadas? O problema é que os próprios procedimentos não dão forçosamente resultados eficazes. O respeito deste ou daquele procedimento não dá qualquer garantia sobre as condições de trabalho.

Qual deve ser então a prioridade?

O ponto importante seria reforçar o controlo coletivo: a possibilidade dos trabalhadores estarem representados, com direitos associados a essa representação. É a questão da democratização do trabalho: pôr o que se passa em debate com os trabalhadores da empresa. Depois, este debate não deve limitar-se aos trabalhadores da empresa. Atores de fora da empresa devem poder intervir. A população afetada por uma atividade – consumidores, residentes... - deve também ter uma palavra a dizer.

Pensa que a saúde dos trabalhadores vem depois da dos consumidores5?

Existe efetivamente uma mudança. É mais fácil mobilizar para a proteção do ambiente do que sobre as desigualdades sociais, que passam muitas vezes para segundo plano. As regras e legislações respeitantes à proteção da população, dos residentes, dos consumidores são frequentemente mais eficazes que as respeitantes à prevenção da saúde dos trabalhadores. O caso do Bisfenol A é um episódio revelador. Tanto mais que esta molécula perigosa é proibida nos biberões. O problema é que se esquece de interrogar os trabalhadores que manipulam produtos que contêm bisfenol. É lógico: falar da saúde das crianças provoca uma reação mais rápida que se evocar a situação das trabalhadoras das empresas de limpeza. Isto alimenta o debate sobre o que deve ser uma ecologia política que integre a questão das desigualdades sociais.

Em França, em casos como o das próteses PIP ou em alguns acidentes industriais, quase não se ouve o ponto de vista das pessoas que trabalham nessas empresas. Como explica essa “omertà”?

Quando os trabalhadores fabricam produtos que contêm substâncias perigosas, eles próprios podem não saber disso forçosamente. Em França, o assunto Adisseo, uma empresa que conheceu um grande número de casos de cancro entre os seus empregados6, é emblemático destas situações. No caso das próteses PIP, parece que é semelhante. É em primeiro lugar da responsabilidade dos industriais. É preciso impor-lhes uma avaliação prévia dos riscos, antes de um produto ser lançado e que seja obrigado a ser reavaliado dez anos mais tarde por causa da sua perigosidade. Outro elemento: a chantagem do emprego. Não são os trabalhadores que decidem a composição de um produto! Por outro lado, a produção inicial pode não ser o risco mais perigoso, mas sim a sua dispersão. Fabricar um produto de limpeza, por exemplo, pode não ser muito perigoso, mas utilizá-lo poderá desencadear graves prejuízos à saúde. Sem esquecer o que se passa com a sua reciclagem... Isto põe a questão da solidariedade interprofissional.

Entrevista conduzida por Ivan du Roy, publicada em basta!a 7 de fevereiro de 2012

Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

1Diretor do departamento Condições de trabalho, saúde e segurança do Instituto sindical europeu (Etui, European Trade Union Institute), o centro independente de ninvestigação e formação da Confederação Europeia dos Sindicatos (CES).

2 Realizado junto de 44.000 trabalhadores, a consultar aqui (em francês).

3 Segundo as estimativas do projeto Carex, Carcinogen Exposure database, respeitante aos 15 Estados membros em 1995, mais a República Checa e os países bálticos. Este projeto não foi alargado aos outros países membros.

4 Candidato presidencial do PS francês.

5 Ler a este respeito a tribuna de Dominique Huez, médico do trabalho.

6 Em 2007, houve 25 casos de cancros do rim, dos quais 9 morreram, numa análise que viu cerca de 82 pessoas. Ler aqui.

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