Viagem de táxi barata? Não deve conhecer o verdadeiro custo da Uber!

27 de maio 2016 - 1:18

O plano da Uber é simples: quer baixar de tal modo as tarifas de modo a aumentar a procura – atraindo alguns clientes que doutra forma teriam usado o seu próprio carro ou um transporte público. E ao fazer isto, está disposta a queimar muito dinheiro. Artigo de Evgeny Morozov do The Guardian.

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Para compreender por que vemos tão poucas alternativas genuínas aos gigantes tecnológicos dos Estados Unidos, vale a pena comparar o destino duma companhia como a Uber – avaliada em mais de 62.5 mil milhões de dólares – e o da Kutsuplus uma inovadora empresa finlandesa obrigada a fechar no final do último ano.

O desejo da Kutsuplus era ser a Uber do transporte público: operava uma rede de mini-autocarros que apanhavam e deixavam passageiros em qualquer sítio de Helsínquia com smartphones, algoritmos implantados através de uma nuvem para maximizar eficiência, baixar custos e fornecer um interessante serviço público.

Sendo subsidiáriade uma universidade local que operava com um orçamento muito limitado, a Kutsuplus não tinha o apoio de investidores ricos. Isto foi talvez aquilo que contribuiu para a sua morte: a autoridade transportadora local considerou-a demasiado cara, apesar do impressionante crescimento de 60% face ao ano anterior.

Por outro lado, “caro” é tudo o que a Uber não é. Embora se possa ser tentado a atribuir o baixo custo do serviço à sua criatividade e à sua escala global – é o Walmart do transporte? – a sua acessibilidade tem uma proveniência mais banal: sentada em toneladas de dinheiro de investidores, a Uber pode dar-se ao luxo de queimar milhares de milhões de modo a derrubar quaisquer concorrentes, quer sejam antigas empresas de táxis ou empresas como a Kutsuplus.

Um recente artigo no The Information, um site de notícias tecnológicas, sugere que durante os três primeiros trimestres de 2015 a Uber perdeu $1.7 milhares de milhões enquanto contabilizou $1.2 milhares de milhões em receitas. A companhia tem tanto dinheiro que, pelo menos em alguns locais da América do Norte, tem oferecido viagens a preços tão baixos que nem mesmo cobrem o custo combinado do combustível e desgaste do veículo.

O plano da Uber é simples: quer baixar de tal modo as tarifas de modo a aumentar a procura – atraindo alguns clientes que doutra forma teriam usado o seu próprio carro ou um transporte público. E ao fazer isto, está disposta a queimar muito dinheiro, enquanto rapidamente se expande para indústrias adjacentes, da distribuição alimentar à embalagem.

Uma pergunta óbvia, mas que raramente se faz: que dinheiro é que a Uber está a queimar? Com investidores como a Google, Jeff Bezos da Amazon e a Goldman Sachs, a Uber é um exemplo perfeito de companhia cuja expansão global tem sido facilitada pela inabilidade dos governos de taxar os lucros dos gigantes das empresas de alta tecnologia e da finança.

Pondo de forma frontal: o motivo por que a Uber tem tanto dinheiro é porque os governos deixaram de fazer o seu trabalho. Em vez disso, este dinheiro é metido em contas offshore de empresas da Silicon Valley e Wall Street. Veja-se a Apple que anunciou recentemente que tem $200 milhares de milhões potencialmente taxáveis no estrangeiro, ou o Facebook que acaba de anunciar lucros recorde de $3.69 milhares de milhões para 2015.

Algumas destas empresas escolhem partilhar a sua generosidade com os governos – quer a Apple quer a Google concordaram pagar deduções fiscais muito abaixo do que deviam na Itália e no Reino Unido, respetivamente – mas isso serve para legitimarem os questionáveis regimes fiscais em vez de pagarem o que seria justo.

Compare-se isto com o terrível estado dos negócios em que se encontram hoje a maior parte dos governos e administrações das cidades. Desprovidos de receitas fiscais, tornam frequentemente as coisas piores comprometendo-se com as piores políticas de austeridade, encolhendo os orçamentos dedicados às infraestruturas, à inovação, ou criando alternativas ao ganancioso capitalismo (“platform capitalism”) de Silicon Valley.

Nestas condições, não admira que serviços prometedores como a Kutsuplus tenham que fechar portas: se lhe tivesse sido cortado o fornecimento sem fim de dinheiro da Google ou da Goldman Sachs, a Uber também teria ido abaixo. Talvez não seja coincidência que a Finlândia seja um dos mais acérrimos defensores da austeridade na Europa; tendo perdido a Nokia, o país perdeu agora outra oportunidade.

Não sejamos ingénuos: Wall Street e Silicon Valley não vão subsidiar o transporte para sempre. Embora a perspetiva de fazer publicidade para garantir os custos de uma viagem pela Uber ainda seja muito remota, a única forma de estas empresas recuperarem os seus investimentos é forçar ainda mais a produtividade dos condutores Uber ou, finalmente, quando todos os seus concorrentes estiverem fora, subir os custos da viagem.

Qualquer destas opções anuncia problemas. A Uber já está a tirar percentagens mais altas das tarifas dos seus condutores (passou de 20% para 30%), ao mesmo tempo que tenta acrescentar mais custos relacionados com a verificação de antecedentes e educação para a segurança aos seus condutores (através da chamada taxa de viagem segura).

A única escolha aqui é entre mais precariedade para os condutores e mais precariedade para os passageiros que terão de aceitar taxas mais elevadas com ou sem práticas controversas como aumento de preços (os preços sobem quando a procura é alta).

Além disso, a empresa está a tentar ativamente solidificar a sua posição como plataforma de transporte em caso de incumprimento. Durante as recentes lutas em França – em que os taxistas se têm amotinado para que o governo reconheça a sua luta – a Uber ofereceu-se para abrir as suas plataformas a quaisquer taxistas profissionais que quisessem um segundo emprego.

Não vale a pena dizer que tais plataformas – devidamente administradas, com salários, reputação e sistemas de tarifas transparentes – já deviam ter sido estabelecidas há muito tempo pelas cidades. Isto com o encorajamento e apoio a empresas como a Kutsuplus, teria sido a resposta regulatória certa à Uber.

Infelizmente, há muito pouca política inovadora nesta área e até agora a principal resposta à Uber tem vindo de outras companhias como a Uber descontentes com o seu domínio. Assim, a Ola na Índia, a Didi Kuaidi na China, a Lyft nos EUA e a Grab Taxi na Malásia formaram uma aliança, que permite aos clientes reservar táxis a partir das aplicações uns dos outros nos países onde funcionam. Mas substituir a Uber pela Lyft não vai resolver o problema, na medida em que segue o mesmo modelo agressivo.

Aqui o ensinamento mais geral é que a política tecnológica de um país está diretamente dependente da sua política económica; uma não pode florescer sem o apoio ativo da outra. Décadas de uma atitude bastante laxista relativamente à tributação aliada a uma adesão rigorosa à agenda austeritária consumiram os recursos públicos para experimentar modos diferentes de fornecer serviços como os transportes.

Isto deixou as empresas que pagam baixos impostos e os investidores de capital de risco - que veem a vida como um terreno propício ao empreendedorismo predatório – como as únicas fontes de apoio viáveis para tais projetos. Não é de admirar que tantas comecem como a Kutsuplus só para acabar como a Uber: estes são os constrangimetos estruturais de trabalhar com investidores que esperam lucros exorbitantes dos seus investimentos.

Encontrar e financiar projetos que não tivessem tais constrangimentos não seria por si só tão difícil; o que será difícil, sobretudo face ao atual clima económico, é encontrar o dinheiro para investir neles.

Taxar parece ser a única saída, mas muitos governos não têm coragem para pedir o que lhes é devido; o compromisso entre a Google e o Tesouro de Sua Magestade é exemplo disso.

Tradução de Almerinda Bento para esquerda.net