Recibos verdes: o que esperar do OE2018

porRicardo Moreira

25 de outubro 2017 - 9:50
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O Governo fez mal em publicar a proposta de orçamento com medidas que afetavam os trabalhadores independentes sem as explicar e dar conta dos impactos previstos.

Nas primeiras horas após a divulgação do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) verificou-se uma grande agitação em torno das mudanças para os trabalhadores independentes que teriam sido deixados para trás pelo Governo.

É natural que todas as alterações que afetam os recibos verdes tenham um enorme impacto na sociedade portuguesa. Afinal há mais de um milhão de pessoas com atividade aberta e este grupo foi especialmente maltratado no período da troika, nomeadamente pelos erros do ex-ministro Pedro Mota Soares que posicionou as pessoas em escalões errados várias vezes e ameaçou de penhora e de prisão quem tinha dívidas à segurança social, mesmo quando não eram da responsabilidade dos trabalhadores.

O Governo fez mal em publicar a proposta de orçamento com medidas que afetavam os trabalhadores independentes sem as explicar e dar conta dos impactos previstos.

Há diferentes situações de trabalho dentro dos recibos verdes. Há profissões liberais a tempo inteiro, há pessoas que complementam o salário com mais uma atividade, há pessoas que deviam ter um contrato de trabalho mas que estão a falsos recibos verdes, há pessoas que têm rendimentos altos, a maioria tem rendimentos baixos.

Por isso, tentei agregar a informação que se conhece em 4 pontos para que os trabalhadores independentes possam saber o que está em cima da mesa.

1) Fim da dedução automática no IRS

Este é o ponto mais polémico. De acordo com a proposta do OE2018 a dedução automática de 25% no IRS para os recibos verdes desaparece, o que faria com que os recibos verdes tivessem de declarar despesas até ao valor máximo de 25% do rendimento para ter a mesma dedução no IRS.

No entanto, esta regra só se aplica aos rendimentos acima de 16.416 euros por ano. Ou seja, para todos os rendimentos abaixo de 1.368 euros por mês mantém-se a dedução automática dos 25% e só para o rendimento restante é que se tem de apresentar faturas. Ou seja, quem tenha rendimentos de 2.000 euros mensais tem de apresentar faturas para os 632 euros de diferença.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais esclareceu na passada semana que pode ser usado um “leque amplo de despesas”, nomeadamente, “despesas de supermercado”. Para além disso, o Governo esclareceu que 90% dos trabalhadores independentes (cerca de 929 mil) não serão afetados, mantendo-se tudo como está. E, finalmente, todos os trabalhadores a recibos verdes vão ter um desagravamento do IRS por via da introdução dos novos escalões e vão, pela primeira vez, estar incluídos no mínimo de existência, o que irá isentar totalmente de pagamento de IRS cerca de 54 mil pessoas.

Ainda assim, torna-se óbvio que o limiar dos 1.368 euros por mês é muito baixo, pelo que seria justo que a alteração não penalizasse quem tem rendimentos médios. Para além disso, os trabalhadores a falsos recibos verdes podem não ter forma de apresentar faturas e poderão ser, de facto, penalizados.

2) A taxa de retenção na fonte de 25% não é alterada

É a grande ausência das alterações ao IRS dos trabalhadores independentes. A taxa de retenção na fonte do IRS dos recibos verdes é de 25%, o que pesa muito sobre todas estas pessoas.

Antes da troika e do governo PSD/CDS a taxa de retenção era de 21,5%. Não se compreende que o Governo que quer tornar mais simples e clara a tributação dos trabalhadores independentes não acabe com esta retenção exagerada que funciona como um empréstimo ao Estado por parte dos trabalhadores a recibos verdes.

A taxa de retenção tem de descer dos 25% para 21,5% durante o debate na especialidade no orçamento, pois isso traria um pouco mais de justiça fiscal a mais de um milhão de trabalhadores.

3) O IVA afinal não muda

Foi anunciado ainda antes da entrega da proposta de OE2018 ao Parlamento o aumento da isenção do IVA dos 10 mil para os 20 mil euros anuais. Era uma medida que favorecia os trabalhadores independentes que podiam baixar o preço dos seus serviços e, por isso, era positiva. Refira-se, no entanto, que no caso dos trabalhadores a falsos recibos verdes este aumento da isenção era uma folga para os seus empregadores que assim ainda beneficiavam mais da situação ilegal dos seus trabalhadores.

Infelizmente, o Governo tornou pública uma medida que não queria realizar, criando mais ruído, entropia e desconfiança em quem trabalha a recibos verdes.

4) O que tem de mudar nas contribuições para a Segurança Social

Esta questão não tem que ver com o OE2018, mas é uma promessa que tem sido arrastada. Estando plasmado nos acordos entre o PS e o Bloco de Esquerda para a formação do Governo em 2015, e reafirmado nos orçamentos do Estado de 2016 e 2017, não tem havido avanços visíveis por parte do Governo nesta matéria. Na lei do orçamento de 2017 foi inscrita uma autorização legislativa para o Governo resolver o problema das contribuições para a segurança social dos trabalhadores independentes e faltam apenas três meses para o fim do ano.

Seria muito difícil compreender que o Governo não encontrasse um regime de contribuições simples, transparente e justo para os recibos verdes, que oferecesse proteção social real, nomeadamente no desemprego, e que estabelecesse uma ligação verdadeira entre os rendimentos de cada mês e as contribuições pagas.

Estes quatro pontos têm de ser resolvidos no debate do OE2018 e até ao fim do ano, até porque os trabalhadores independentes merecem respeito e tranquilidade.

Artigo publicado em Jornal Económico a 23 de outubro de 2017

Ricardo Moreira
Sobre o/a autor(a)

Ricardo Moreira

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
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