Para o Chega, a igualdade é um alvo

porSandra Cunha

22 de janeiro 2024 - 16:53
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Não aceitamos a naturalização de sermos espancadas, violadas ou assassinadas no recato dos lares, não aceitamos que ridicularizem as conquistas nem a luta pela igualdade de género e muito menos que nivelem o debate por baixo, nas malhas da ignorância, da desonestidade ou das fake news.

Quem vota Chega não vai ao engano. Os alvos do Chega são a igualdade de género e as casas de banho e isso ficou claro no Congresso do passado fim de semana.

O Congresso do Chega, para além de nos ter presenteado com um número infindável de pérolas, esclarece ao que vem, sem papas na língua, para que ninguém possa dizer que não tinha percebido bem.

André Ventura garante que, com ele ao leme do país, não haverá nem mais um tostão para as “associações da ideologia e igualdade de género”: "Eu garanto-vos uma coisa, aquele dinheiro todo que damos para as ideologias de género e para promover a igualdade de género [...], vou pegar nesses milhões todos e vou dizer às associações: `esqueçam, não vão receber um tostão’".

Perante isto, é difícil saber por onde começar.

Podia ser por perguntar o que é, afinal, “a ideologia de género”. Seria bom que algum jornalista o perguntasse a André Ventura. É que eu trabalho, faço ativismo e estudo estas questões de género já há alguns anos e não consigo lá chegar. Será que o presidente do Chega se refere à defesa da igualdade salarial entre mulheres e homens? À defesa da paridade de género na participação e na representação política? Ao combate à violência contra as mulheres e à prevenção dos femicídios? À promoção da igualdade na partilha das tarefas domésticas e dos cuidados com os filhos? É que isto é nem mais nem menos do que a defesa e a promoção da igualdade entre mulheres e homens. A ideia será desistir de qualquer medida que promova a igualdade? E a seguir, é para acabar com o direito ao aborto? E com o direito de voto para as mulheres? Vão voltar a ser proibidas de viajar sozinhas? Vão recambiadas para os tachos e as panelas das cozinhas?

Depois podia perguntar-se que associações, afinal, é que recebem, e como e quando, esses milhões chorudos. São as associações que gerem as casas-abrigo para mulheres e crianças vítimas de violência doméstica? São as associações que prestam serviços de apoio jurídico e psicológico, de encaminhamento, formação e integração profissional a vítimas de crimes sexuais, de violação e de todo o tipo de violência? São as associações que fazem campanhas de sensibilização e dão formação para a igualdade entre todas as pessoas? São estas as associações lesivas aos interesses do país e que, por isso, têm de acabar? E que se faz com as vítimas? Desiste-se delas?

André Ventura diz que o Estado esbanja 426 milhões com estas associações “da igualdade de género”.

Vejamos então, afinal, de que se trata.

Efetivamente, há 426 milhões orçamentados a que correspondem 564 medidas que, de forma direta ou indireta, pretendem contribuir para a concretização dos objetivos da promoção da igualdade de género. Muitas nem são exclusivamente dedicadas à promoção da igualdade de género. Mas dentro deste bolo de que André Ventura fala estão, entre outras, medidas de incremento do abono de família para crianças, do passe sub-23 para os estudantes ou do alargamento da gratuitidade das creches.

Perante isto, se descartarmos a possibilidade de ignorância ou incompetência, resta aquilo a que André Ventura e o Chega realmente vêm: acabar com os passes para estudantes, com o abono para as crianças, com a gratuitidade das creches, com as medidas de formação e integração profissional, com as casas-abrigo, com o apoio a vítimas de violação, com a prevenção e o combate à violência doméstica.

Ventura é claro nos seus propósitos. A oposição a esta ideologia bacoca e ultraconservadora também. Não aceitamos voltar ao passado nem à invisibilidade. Não aceitamos voltar às cozinhas, ao papel de parideiras ou criadas dos maridos, não aceitamos a naturalização de sermos espancadas, violadas ou assassinadas no recato dos lares, não aceitamos que ridicularizem as conquistas nem a luta pela igualdade de género e muito menos que nivelem o debate por baixo, nas malhas da ignorância, da desonestidade ou das fake news.

Perante isto, só responderemos com factos, com a verdade e com a firme convicção de que mais igualdade é condição imperativa da liberdade, do progresso e da justiça.

Sandra Cunha
Sobre o/a autor(a)

Sandra Cunha

Feminista e ativista. Socióloga.
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