Neto de Moura pensa como um agressor

porMariana Mortágua

06 de março 2019 - 11:49
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503 mortes em 15 anos que carregam o peso da realidade de milhares de mulheres, agredidas diariamente dentro das suas casas, em silêncio e terror.

São as nossas vizinhas, as nossas amigas, as nossas familiares. As mulheres que nos aparecem de noite à porta, com um nariz partido e um filho pela mão, para no dia seguinte voltarem a casa porque o que lhes sobra em medo falta em segurança e recursos. Tantas a quem foi dito que a culpa era delas, por não se comportarem, por não obedecerem, por serem putas.

Em 2010 uma mulher e a sua filha foram agredidas pelo marido. Um juiz atenuou a pena: "não podem ser ignoradas as referências a uma relação extraconjugal da ofendida".

Em 2013 uma mulher foi insultada e agredida com o filho bebé ao colo. Um juiz atenuou: "uma simples ofensa à integridade física, que está longe de poder considerar-se uma conduta maltratante suscetível de configurar violência doméstica".

Em 2016 uma mulher foi espancada com uma moca com pregos pelo marido e pelo amante. Um juiz atenuou: "o adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher".

Em 2016 um homem furou o tímpano da mulher ao soco. Ameaçou matá-la e ao filho. Um juiz atenuou: "este caso de maus-tratos está longe de ser o mais grave que vimos nos tribunais".

Este juiz, que é Neto de Moura, entende que adultério é causa atendível para espancar uma mulher, que um murro no nariz é uma "simples ofensa", que dar "simples estalos" é atenuante, que pontapear a filha pode ser considerado um exercício de correção.

Este juiz não pode julgar agressores de violência doméstica porque pensa como eles: acredita que as mulheres merecem apanhar e que os homens têm justificações para as agredir.

Este juiz ameaça a segurança das mulheres que confiaram na justiça para as proteger.

Este juiz dá mau nome à magistratura.

Sei que, se escreve estas bestialidades, é porque tem a complacência do machismo que ainda habita em parte significativa da nossa justiça. É neste contexto que o Conselho Superior da Magistratura deve atuar. Tem poderes para o fazer. E o Parlamento tem também essa responsabilidade na discussão do Estatuto do Magistrado que está a fazer.

Nós, mulheres, vamos sair à rua do dia 8. Não queremos flores, queremos justiça, e queremos Neto de Moura fora dela. Que nos processe a todas. Talvez aí fique claro que isto não é sobre liberdade de expressão, é sobre as mulheres assassinadas e agredidas e sobre o seu direito à segurança.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 5 de março de 2019

Mariana Mortágua
Sobre o/a autor(a)

Mariana Mortágua

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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