Egoísmos

porMarisa Matias

08 de janeiro 2012 - 0:03
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Os ‘conselhos comportamentais’ de um dos membros da família Soares dos Santos são por demais conhecidos: os portugueses devem “fazer pelo seu país”. O que é certo é que quando lhe toca a si, o assunto já é outro.

Escreveu Oscar Wilde que “egoísmo não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam como nós queremos”. Esta frase veio-me à memória a partir da badalada decisão da família Soares dos Santos, aquela que decidiu que a empresa que detém o Pingo Doce irá pagar impostos na Holanda e não em Portugal. Os ‘conselhos comportamentais’ de um dos membros desta família são por demais conhecidos: os portugueses devem “fazer pelo seu país”. O que é certo é que quando lhe toca a si, o assunto já é outro. Os salários que paga aos trabalhadores continuam a ser portugueses, a riqueza que acumula continua a ser gerada pelas compras dos portugueses, mas “presenteá-los” com algum retorno já é dar-lhes confiança a mais. Dá muito jeito viver num país de gentes bem comportadas e aguçar-lhes o sentimento de portugalidade com anúncios hospitaleiros, ao mesmo tempo que se garante que os seus interesses não saem beliscados. Isto tem um nome simples: chama-se egoísmo.

Numa altura em que a Europa se divide entre os “virtuosos” do norte e os “preguiçosos” do sul, como se usa dizer também em terras holandesas, parece que a distinção vai muito além dos povos. O fisco holandês parece ser também ele mais “virtuoso”. E porquê? Nas palavras de Soares dos Santos, porque é um país que “dá mais garantias à iniciativa privada”. Porque ‘é mais fácil financiar-se na banca holandesa do que na portuguesa’. Mas não nos iludamos, ao contrário do que para aí se anda a dizer, não foram os impostos que mais pesaram na decisão. Ele garante que foram os benefícios fiscais futuros. São exatamente comportamentos como este que prolongam também para o futuro outros egoísmos: os sociais e éticos que atravessam atualmente a União.

Um dirigente do CDS/PP disse que esta ação era “legítima”: do mesmo modo que as empresas portuguesas decidem pagar impostos em outro país, também os consumidores podem decidir comprar os alimentos e outros bens onde entenderem. “Legítima” até pode ser, mas de leal nada tem. É que, no fim de contas, é com os “preguiçosos” do sul que Soares dos Santos constrói o seu “pé-de-meia”, diga-se o segundo maior de Portugal. Não estamos certamente a ver o Pingo Doce passar a fazer a sua publicidade aludindo à receita de erwtensoep (sopa de ervilha) ou mostrando batatas fritas com maionese. Sabemos que a culinária não é o forte holandês, mas isso pouco interessa para aqui. É que os cozinhados são outros…

Artigo publicado no jornal “As Beiras” em 7 de janeiro de 2012

Marisa Matias
Sobre o/a autor(a)

Marisa Matias

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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