A chamada do dever: Veteranos de guerra juntam-se aos 99 por cento

porAmy Goodman

15 de novembro 2011 - 0:37
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Pensem nas palavras que um veterano escreveu num cartaz que sustentava no alto da Praça da Liberdade: “É a segunda vez que luto pelo meu país e a primeira em que conheço o inimigo”.

O 11/11/11 não é uma nova versão do tão divulgado plano fiscal do pré-candidato presidencial republicano Herman Cain, 09/09/09, mas sim a data do Dia dos Veteranos de Guerra neste ano. É uma data de especial importância, já que os Estados Unidos acabam de entrar na segunda década de guerra no Afeganistão, o combate mais longo na história do país, e os veteranos norte-americanos do Iraque e do Afeganistão estão cada vez mais presentes na frente de batalha do movimento de protesto inspirado pelo Occupy Wall Street.

Um vídeo da marcha do Occupy Oakland realizada na quarta-feira, 25 de Outubro, realmente parece e soa como um campo de batalha. O barulho dos disparos é quase permanente no vídeo. A polícia lançava gases lacrimogéneos contra a multidão, quando de repente surge alguém a gritar “Um médico!”. Os civis correm para um manifestante deitado de costas na rua. A poucos passos, um grande número de polícias de negro, vestidos com uniformes anti-motim, aponta as suas armas contra os manifestantes que tentam prestar os primeiros-socorros ao ferido.

A vítima, Scott Olsen, é um ex-oficial da marinha dos Estados Unidos que já serviu duas vezes no Iraque. O vídeo, que é de domínio público, mostra Olsen parado tranquilamente junto ao veterano das forças armadas Joshua Sheperd, empunhando uma bandeira dos Veteranos pela Paz. Pedi a Sheperd que descrevesse a cena: “Estava de pé, usando o meu uniforme, e Scott estava parado ombro a ombro junto de mim numa atitude pacífica. Flamejava a bandeira dos Veteranos pela Paz e, de repente, veio o caos. Nunca estive numa batalha, mas o que aconteceu ali foi muito similar a uma guerra ou a uma zona de guerra”.

Olsen vestia uma jaqueta camuflada, um gorro com viseira e uma camiseta do movimento Veteranos do Iraque Contra a Guerra (IVAW, sigla do nome original em inglês). O impacto do projétil policial foi todo na cabeça, provavelmente o cartucho de um gás lacrimogéneo, que lhe fracturou o crânio. Enquanto um pequeno grupo de pessoas se aproximava para ajudá-lo, um polícia lançou uma granada de mão na sua direcção. A granada explodiu imediatamente.

Quatro ou cinco pessoas alçaram Olsen e o afastaram rapidamente do cordão policial. No hospital de Oakland, induziram-no em coma para diminuir a inflamação cerebral. Agora está consciente, mas não pode falar. Comunica por meio de um caderno.

Entrevistei um amigo de Olsen, Aaron Hinde, também veterano de guerra no Iraque. Hinde participava nos protestos de Occupy San Francisco quando começou a receber uma série de mensagens no Twitter sobre um veterano ferido em Oakland. Correu em direcção ao hospital para ver o seu amigo. Depois falou-me de Scott: “Ele veio a São Francisco há três meses. Antes esteve em Wisconsin, onde de facto participou da ocupação do Capitólio estatal. Scott é provavelmente um dos sujeitos mais amáveis e bondosos que conheço. É do tipo que está sempre com um sorriso no rosto e nunca tem um comentário negativo... Creio nesse movimento de protesto porque o que está a acontecer neste país é claro, principalmente para nós, os veteranos de guerra. Abrimos os olhos após ter ido à guerra lá fora. Por isso, há um pequeno grupo nosso aqui e estamos todos muito motivados e comprometidos com a causa”.

Enquanto cobria uma das manifestações doOccupy Wall Street na Times Square em 15 de Outubro, encontrei o Sargento Shamar Thomas visivelmente irritado. A polícia montada avançou sobre os manifestantes. A única coisa que os deteve foi um cavalo que caiu de joelhos. Outros polícias conseguiram levantar as barricadas de metal e acossavam uma multidão assustada contra os canos de aquecimento. Thomas vestiu o seu uniforme camuflado. Tinha várias medalhas da sua comissão de combate no Iraque presas ao pescoço. Gritou para a polícia, denunciando o tratamento violento destinado aos manifestantes. O veterano depois escreveu sobre o incidente: “Há um problema claro neste país. As pessoas pacíficas deveriam poder protestar sem que houvesse brutalidade. Estive numa situação de distúrbio em Rutbah, no Iraque, em 2004 e não tratámos os cidadãos iraquianos como estão a tratar os civis desarmados no nosso próprio país”.

Há pouco foi criado um grupo que se auto-denomina “Veteranos dos 99 por cento”, que, juntamente com a secção de Nova York do IVAW, fixou o dia 02 de novembro como o dia da marcha até a Praça da Liberdade para se juntar formalmente ao movimento e apoiá-lo de maneira directa. A sua convocatória diz: “Veteranos dos 99 por cento chamam a atenção sobre a forma como os veteranos de guerra são afectados pelos problemas económicos e sociais combatidos pelo movimento Occupy Wall Street. Esperamos contribuir com a participação dos veteranos e membros do exército ‘em actividade’ para que este movimento seja mais visível e completo”.

José Vásquez é um dos manifestantes que participou da marcha. Ele é director-executivo do IVAW. “Convocamos todos os veteranos e o pessoal do exército em actividade para que apresentem na sua sede local do Occupy e tornem público que são veteranos de guerra. Queremos que todos conheçam a nossa voz. O 1% usa a polícia e as forças armadas para conservar o que têm. Estou aqui para dizer-lhes que nós, as forças armadas e os veteranos de guerra, estamos enojados pela forma como as pessoas estão a ser tratadas”.

Quando passei pelo Occupy Louisville, em Kentucky, no fim de semana passado, as duas primeiras pessoas que conheci ali foram veteranos. Um deles, Gary James Johnson, disse-me: “Servi no Iraque durante um ano e meio. Uni-me às forças armadas porque pensei que era minha obrigação ajudar a proteger este país... Neste momento, há outra forma possível de contribuir e ajudar a população”.

Os analistas prevêem que o frio vai enfraquecer o movimento de protesto que ocorre em todo o país. Perguntem a qualquer veterano que esteve no Iraque e no Afeganistão sobre sobreviver à intempérie em temperaturas extremas. E pensem nas palavras que outro veterano escreveu num cartaz que sustentava no alto da Praça da Liberdade: “É a segunda vez que luto pelo meu país e a primeira em que conheço o inimigo”.

Artigo publicado em "Democracy Now" em 2 de Novembro de 2011. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para o português por Estratégia & Análise. Revisto para português de Portugal por Carlos Santos

Amy Goodman
Sobre o/a autor(a)

Amy Goodman

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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