Adeus ao Bom Pai de Família

porAliyah Bhikha e Francisco de Jesus

25 de abril 2024 - 11:56
PARTILHAR

A dignidade das mulheres só se garante com a igualdade, plena, na lei e na sociedade, e a lei não pode continuar a ser um veículo legitimador de ideias retrógradas e papéis de género. Está na hora de dizer adeus ao ‘’bom pai de família’’.

Livro "Identidade e Família"
Livro "Identidade e Família"

Vimos, com o lançamento do livro “Identidade e Família”, o ressurgimento na comunicação social do discurso conservador da “família tradicional” e do papel da “mulher dona de casa”. É sabido que, volta e meia, a direita conservadora cria e traz ao de cima estes movimentos patriarcais conservadores, na tentativa de retroceder a nível social e especificamente, a nível das conquistas da esquerda nos direitos das mulheres.

Não nos interessa voltar atrás. Queremos ir em frente, e para o fazer, não podemos deixar perpetuar o machismo em nenhum âmbito da vida em sociedade.

O direito é a principal ordem normativa que regula a vida em sociedade, sendo fundamental para as nossas interações diárias. Não obstante, e apesar do direito moldar a vida em sociedade, deve também evoluir consoante a sociedade. Assim sendo, não se compreende a perpetuação de expressões veementemente machistas e patriarcais, sendo a mais aparente e descarada o conceito de “bom pai de família”.

O conceito de “bom pai de família’’, surge no Código Civil de 1966, por inspiração no Direito Romano e com o conceito de bonus pater familia. Existe assim, de modo a estabelecer um critério para um comportamento razoável e exigível da atuação de alguém.

Este critério considerava apenas as pessoas cidadãs, e como sabemos, durante muito tempo as mulheres não eram nem sequer consideradas cidadãs, não tinham acesso às escolas ou universidades, não trabalhavam nas instituições públicas ou no foro privado. Ainda assim, sabemos que contribuem e contribuíram de muitas formas, mas foram sempre deixadas à invisibilidade, umas vezes fruto das leis machistas, mas sempre marcado pelo patriarcado.

Surge assim de um contexto próprio, e que em nada se assemelha ao de hoje, nem na forma como são constituídas as famílias, nem na forma como as mulheres ocupam a sua posição na sociedade, de forma livre, igual e justa. Vivemos tempos em que os protagonistas do conservadorismo tentam voltar a empacotar todas as liberdades que foram consagradas tanto na lei como na vida.

Muitas mulheres lutaram para ver a igualdade uma realidade plena: pelo direito de poderem estudar, trabalhar, existir e resistir, combateram maridos, pais e sistemas que não as deixavam ir mais além, condicionando-as sempre com amarras que limitavam todo o seu alcance. Tanto é o medo que estes homens tinham da libertação da mulher. Tanto é o medo que estes homens têm da liberdade da mulher. Mas ela cá está, e para ficar, não voltam a ter submissas.

Da lei à sociedade, queremos tudo a que temos direito. A alteração do termo “bom pai de família’’ consagrado no Código Civil para “pessoa média’’, em nada compromete as normas do Código Civil, uma vez que desde o seu início foram pensadas para aferir um comportamento comum e expectável – a intenção do legislador foi sempre esta - pelo que a sua alteração removeria apenas o teor machista do seu texto, não alterando o seu sentido.

Em 1977, fez-se uma revisão ao Código Civil, que introduziu amplas alterações no regime jurídico que regulava o direito privado, sobretudo no domínio da família e relativo aos direitos das mulheres, daí iniciou-se um ciclo de progresso, marcado pelo princípio fundamental da igualdade de género.

Antes desta revisão, as mulheres viviam numa condição de desigualdade jurídica, que se repercutiram em desigualdades na família, nas relações pessoais, nos direitos políticos, sociais, laborais e culturais. Com ela estabeleceram-se vários alargamentos dos direitos, nomeadamente ao divórcio e consagrou-se a valorização da mulher como ser independente e livre.

No entanto e como se pode ver, este progresso ainda não acabou, precisamos de ir mais além e rever mais um vez o Código Civil, de modo que fique em concordância com a constituição, no seu artigo 13º, que estabelece a igualdade para todas as pessoas, independentemente do seu género, sexualidade ou pertença étnico-racial.

A dignidade das mulheres só se garante com a igualdade, plena, na lei e na sociedade, e a lei não pode continuar a ser um veículo legitimador de ideias retrógradas e papéis de género. A revolução passa pelo combate contra o conservadorismo, esta deve ser constante e tem várias frentes. Está na hora de dizer adeus ao ‘’bom pai de família’’.

Sobre o/a autor(a)

Aliyah Bhikha e Francisco de Jesus

Aliyah Bhikha, estudante da Licenciatura em Direito da Universidade Nova de Lisboa, Dirigente estudantil, Ativista Feminista e Antirracista; Francisco de Jesus, estudante da Licenciatura em Direito da Universidade Nova de Lisboa, Diretor-Adjunto do Jornal Académico Jur.nal
Termos relacionados: