27 de Maio: Lembrar para não esquecer

Depoimento de José Reis, autor de "Memórias de um sobrevivente" na audição pública organizada pelo Bloco de Esquerda sobre os acontecimentos do 27 de Maio em Angola e a repressão que se seguiu.

25 de May 2017 - 11:14
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Depois do testemunho que acabamos de ouvir, seria arrogância falar de mim. Os meus camaradas, Sita Valles, Admar Valles e Rui Coelho, têm quem os não esqueça e com enorme coragem estão aqui, hoje, 40 anos depois, os seus irmãos, a prestar, mais do que um testemunho, uma verdadeira homenagem.

Vou, como disse, pronunciar-me, não de mim mas sim deles. Deles, os que nos convenceram da sua opção socialista, e que afinal não passou de um embuste para nos inventariarem, rotularem e, chegado o momento, nos calarem.

Cumprido o programa mínimo do MPLA, com a conquista da independência, a 11 de Novembro de 1975, abriu-se o debate sobre o conteúdo do Programa Maior. O MPLA movimento, a frente aonde cabiam todos os patriotas e nacionalistas que se opuseram ao colonialismo, tinha que se adaptar aos novos tempos, "empenhar-se na reconstrução nacional de maneira a criar as bases para o socialismo e criar o seu dinamizador lógico, o partido da classe operária", diz-nos Agostinho Neto no discurso de encerramento da 3ª Reunião Plenária do C.C., que ocorreu de 23 e 29 de Setembro de 1976. Porém, a heterogeneidade das forças de libertação nacional engendraram o aparecimento de várias tendências ideológicas. Do MPLA movimento, ou seja, dessa frente, já pouco havia a esperar. Urgia a entrada em cena de uma outra força, de uma vanguarda que dirigisse a luta anti-imperialista e anti-capitalista. Ou o MPLA se transformava ou surgia a nova entidade. Foi ganhadora a primeira opção. Na citada 3ª Reunião Plenária, as moções apresentadas por Nito Alves ganharam a dianteira e as conclusões apontaram na transformação da Frente em Partido da Classe Operária.

Surpreendentemente, ou talvez não, os autores das teses que acabavam de se impor, com o apoio do presidente, sublinhe-se, há muito se sentiam acossados pelos seus inimigos de classe. Já estava em marcha a investida reaccionária do Jornal de Angola, da polícia política (DISA), os militantes de esquerda eram perseguidos, culminando na sua expulsão da organização, tendo-se atingido o cúmulo da provocação com a prisão de camaradas.

Na mesma 3ª reunião, onde vingaram as suas teses, levantaram-se vozes críticas acusando Nito Alves e José Van Dunen da prática fraccionista. Este último propõe então que se crie uma comissão de inquérito para apuramento de responsabilidades. A comissão é presidida por José Eduardo dos Santos mas não trabalhou.

Nito Alves resolve então defender-se, contra-atacando. Para tal redigiu um documento de cerca de 160 páginas, as 13 teses em minha defesa,  que endereça, entre outros, ao Presidente, propondo que seja feita a distribuição interna do referido documento porque, se assim não for, ele próprio se encarregará da sua divulgação.

Entretanto ficou agendada a realização do congresso, (10 de Dezembro de 1977) aquele que vai transformar o movimento em partido. Nito continua a ser o alvo dos ataques das forças que se opõem ao progresso, ao mesmo tempo que a sua popularidade cresce nos bairros, onde se experimenta a implantação do Poder Popular no seio da juventude e nas forças armadas.

Está visto que vai ser ele e a tendência política que lhe está próxima, inclusivé o próprio presidente Agostinho Neto, pensávamos nós, quem vai ganhar o congresso. Mas as forças contrárias não baixam os braços e, muito pelo contrário, tudo fazem para que estes presumiveis vencedores não cheguem ao conclave. Apertam o cerco, os meios de comunicação social, controlados pelo poder, acirram as massas, as prisões continuam a acontecer, as rusgas sucedem-se nos musseques, a provocação sobe de tom e os membros do C.C., Nito e José VD, acabam, à revelia das conclusões da citada "comissão de Inquérito", por serem expulsos daquele órgão superior. Estava ao rubro a provocação que só esperava contar com a reação contrária para, com o apoio das tropas cubanas, desbaratar a insurreição popular, que foi o 27 de Maio. Prenderam e mataram os comunistas, aproveitaram ainda para ajustar as contas dos desentendimentos passados e aclamaram "sob o olhar silencioso de Lénine", como proclamou Agostinho Neto, o partido dos trabalhadores, com os comunistas nessa hora a cevarem as valas comuns as celas das cadeias e os campos, eufemisticamente chamados, "de reeducação".

É esta, em breves palavras, a trama do 27 de Maio. O que daqui para a frente aconteceu já foi profusamente contado. Mas, mesmo assim, não é demais repetir e lembrar para não esquecer.

 


Ouça aqui na íntegra a audição promovida pelo Bloco de Esquerda sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977 em Angola,

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