Gaza e os candidatos presidenciais nos EUA

08 de fevereiro 2008 - 0:00
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No momento em que as notícias sobre Gaza tomam as manchetes internacionais, a Democracy Now! foi ver que posições assumem os candidatos presidenciais republicanos e democratas acerca do conflito israelo-palestiniano e falou com Ali Abunimah, co-fundador do site Electronic Intifada em 24 de Janeiro.



Entrevista de Amy Goodman, da Democracy Now!



Amy Goodman: Bem vindo ao Democracy Now!, Ali Abunimah. Que diz da situação de Gaza, vista aqui dos Estados Unidos?



Ali Abunimah: O sofrimento em Gaza tem sido persistente e horrível, e vai continuar. Mas acho que temos de reconhecer e comemorar a resistência e o poder do povo de Gaza. E temos de reconhecer que houve um bloqueio deliberado executado por Israel, uma decisão tomada por líderes de Israel para condenar à fome e fazer sofrer um milhão e meio de pessoas. O governo do Egipto foi cúmplice disto. Poderiam ter aberto as fronteiras há meses. Israel impõe um cerco a Gaza há quase dois anos. O Egipto não tinha de esperar até que os palestinianos tomassem a questão nas suas mãos e se libertassem deste bárbaro cerco. Os Estados Unidos também são cúmplices. (...)



Queria perguntar-lhe sobre os candidatos nos Estados Unidos. Está a falar de Chicago, por isso vamos começar com Barack Obama.



Sempre que lhes perguntaram sobre este assunto, os candidatos expressaram total apoio à acção de Israel. Barack Obama não se distinguiu dos outros, excepto por ter ido mais longe na tentativa de apaziguar a AIPAC [o lóbi americano pró-Israel] e os movimentos pró-Israel.



Conheci Barack Obama por muitos anos por ser o meu senador - numa época em que ele sempre costumava participar de eventos da comunidade palestiniana em Chicago. Lembro-me de tê-lo apresentado pessoalmente no palco em 1999, quando realizámos uma campanha de recolha de fundos para o centro comunitário do campo de refugiados de Deheisha, na Cisjordânia ocupada. E esse é apenas um exemplo de como Barack Obama costumava sentir-se muito confortável a falar a favor e a associar-se aos direitos palestinianos e a opor-se à ocupação israelita. Mas ontem ele enviou uma carta a Zalmay Khalilzad, o embaixador dos EUA na ONU , instando-o a não permitir a aprovação de qualquer resolução que criticasse Israel e afirmando que Israel foi forçado a impor este cerco medieval em Gaza.



Nenhum dos outros principais candidatos falou pelos direitos palestinianos. Os únicos que defenderam posições opostas à actual estratégia dos EUA foram Dennis Kucinich, do lado democrata, e Ron Paul do republicano. O mainstream está perfeitamente confortável com os crimes de guerra que Israel está a cometer, por muito que falem dos direitos humanos noutros lados.



Qual a posição de Hillary Clinton, especificamente sobre o que está a acontecer em Gaza?



Também nesse caso vimos como Hillary Clinton mudou de posição quando as suas ambições políticas aumentaram. Deve lembrar-se quando ela falou nos anos 90 a favor do Estado palestiniano. Desde então, ela tornou-se um dos maiores falcões anti-palestinianos. Por exemplo, há dois anos, ela aproveitou uma oportunidade de tirar uma fotografia numa colónia israelita junto ao muro do apartheid, e defendeu a necessidade do muro. Este muro, que foi condenado como ilegal pelo Tribunal Internacional de Justiça, que ordenou a Israel que o demolisse. Hillary Clinton ficou diante dele e deu-lhe o seu apoio.



John Edwards é o mesmo, irredutível pró-Israel. Do lado republicano, há o John McCain, que fala como um dissidente noutras questões mas que nesta dá apoio total a Israel. Há o Huckabee, que é da direita cristã evangélica, que historicamente não é muito amigável em relação ao povo judeu, mas é fortemente pró-Israel devido a profecias bíblicas. E Huckabee, de acordo com um relato do Jerusalem Post, defendeu a criação de um Estado palestiniano no Egipto e na Arábia Saudita, o que quer dizer que defendeu a transferência forçada de palestinianos e a limpeza étnica dos palestinianos como solução. Esse, infelizmente, é o nível do discurso.



E talvez por haver um tal consenso no mainstream sobre o apoio incondicional a Israel, não importa quão ilegais sejam as suas acções ou quão prejudiciais sejam para os Estados Unidos, talvez por haver tal consenso, não haja debate.



E o governador Romney?



Não ouvi as suas palavras específicas do governador Romney, excepto que tem sido particularmente insistente em dizer que a militância islâmica, de que ele afirma que os palestinianos são parte, é a maior ameaça aos Estados Unidos. E o que vimos é que este debate está a ocorrer, esta discussão está a acontecer num contexto mais amplo, Amy, onde muitos candidatos, não apenas do lado republicano, quer digam estar a concorrer contra Bush ou pelo menos afastados de Bush, na verdade absorveram alguns dos pilares básicos da visão de mundo de Bush, que vê os EUA e o Ocidente envolvidos numa luta contra o Islão. É uma ideia muito perigosa e falsa.



E muitos muçulmanos sentem-se hoje alvos de uma histeria que é semelhante ou mesmo pior do que a histeria anticomunista dos anos 50, onde a militância islâmica é uma ameaça que está debaixo da cama de cada americano, e onde qualquer forma de resistência ao imperialismo dos EUA, à colonização e ocupação de Israel, é definida como extremismo. E não se pode sequer ir ao Egipto para comprar comida para a família que está a passar fome, sem se ser chamado de extremista, sem se ser acusado de militância ou terrorismo. A esse ponto chegámos. Nenhuma resistência é permitida.





Carta de Barack Obama ao embaixador dos EUA na ONU



Caro embaixador Khalilzad,



Soube que o Conselho de Segurança da ONU reuniu-se hoje para abordar a situação em Gaza, e que poderia estar para ser publicada em breve uma resolução ou declaração do Conselho.



Recomendo que garanta que o Conselho de Segurança não faça uma declaração ou aprove uma resolução que não condene completamente o ataque com rockets que o Hamas tem vindo a realizar contra civis no Sul de Israel.



Estamos todos preocupados com o impacto que o encerramento das fronteiras tem nas famílias palestinianas. Contudo, temos de compreender por que Israel é forçado a fazê-lo. Israel tem o direito de reagir, ao mesmo tempo que procura minimizar qualquer impacto sobre civis.



O Conselho de Segurança deveria clara e inequivocamente condenar os ataques com rockets. Se o Conselho não puder afirmar estas questões de senso comum, recomendo que garanta que o Conselho não diga nada.



Sinceramente,



Barack Obama



Senador dos Estados Unidos



Veja o fac-símile da carta em formato PDF 

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