Banco do Sul causa nervosismo ao FMI

09 de março 2007 - 0:00
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Em fins de Fevereiro, os presidentes da Argentina, Nestor Kirchner, e da Venezuela, Hugo Chávez, decidiram criar o Banco do Sul, que deverá ter o seu plano de acção pronto em 120 dias. Outros países, como a Bolívia e o Equador, já mostraram interesse em juntar-se ao processo, que causou grande nervosismo na sede do FMI. Esta instituição está a enfrentar dificuldades financeiras a curto prazo, com um défice de 105 milhões de dólares acima do previsto neste ano fiscal, uma coisa que não acontecia desde 1985.



 



Temores no FMI e no Banco Mundial



por Hedelberto López Blanch, Rebelión



 



O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) estão nervosos porque na América Latina está a ser criada uma entidade financeira que pode aumentar os problemas que essas duas organizações mundiais estão a sofrer.



Em fins de Fevereiro, durante uma visita que realizou o presidente argentino Nestor Kirchner a Caracas, o seu homólogo venezuelano, Hugo Chávez, anunciou que esses dois governos estabeleceram um prazo de 120 dias para a construção do Banco do Sul



Chávez explicou que no final do prazo deverá existir já um plano de acção, "com vistas à criação dos estatutos, assim como o plano de execução para um quinquénio, o programa de captação de recursos e a estimativa de capital inicial".



O governo venezuelano está pronto para mobilizar pelo menos 10% das suas reservas para este fim e o seu presidente exortou a que outros países façam o mesmo para criar um banco, que começará modesto; mas em poucos anos "já não serão precisos o FMI ou o BM, e não será mais necessário andar a mendigar pelo mundo".



Durante a reunião Kirchner-Chávez, ficou a saber-se que o documento-base para a criação do Banco do Sul possui todo um fundamento do ponto de vista ético, económico, político e social, e que a sede principal ficará em Caracas e em Buenos Aires. As directivas do projecto oferecem facilidades para que os demais governos possam juntar-se à iniciativa a qualquer momento das suas fases, o que permitirá uma maior integração latino-americana. O ministro equatoriano da Economia, Ricardo Patiño, assegurou que o Banco do Sul será uma realidade em poucos meses e que o seu país, assim como a Bolívia, vai aderir a esse organismo que funcionará com recursos das nações integrantes.



É inegável que o Banco do Sul constitui uma perspectiva financeira regional emancipadora, contraposta às actividades do FMI e do BM.



É prática corrente que os governos coloquem as suas poupanças nos bancos do Norte, que pagam uma taxa de juros de 1% ou 2%, para imediatamente emprestar esse mesmo dinheiro com taxas de 6% a 12%.



Na actualidade, existe uma conjuntura favorável a que os países em desenvolvimento (PED) sigam uma política independente em relação às nações capitalistas mais industrializadas, pois nos últimos anos os PED elevaram consideravelmente as suas reservas internacionais.



Calcula-se que só as reservas da Venezuela, da Argentina e do Brasil, em conjunto, cheguem a cem mil milhões de dólares.



A decisão de fundar o Banco, como é lógico, já é um motivo de preocupação para os organismos financeiros internacionais e para os países industrializados, pois, na prática, os mais pobres e numerosos emprestam dinheiro aos poderosos.



O Banco Mundial reconheceu esta realidade ao assinalar nos seus relatórios anuais, e especificamente os de 2003, 2005 e 2006, intitulados Global Development Finance, que "Os países em desenvolvimento, tomados no seu conjunto, são prestamistas brutos em relação aos desenvolvidos" e que os primeiros "exportam capitais para o resto do mundo, em particular para os Estados Unidos".



Eric Toussaint, presidente do Comité para a Anulação da Dívida Externa do Terceiro Mundo, num estudo sobre o tema, explica que a maior parte dos PED compra títulos do Tesouro dos EUA, com o argumento de que estes têm muita liquidez e podem ser vendidos facilmente. Os países em desenvolvimento contribuem assim para sustentar a potência do império americano.



"Os PED põem nas mãos do amo o garrote que este usa para espoliá-los, pois os Estados Unidos têm uma necessidade vital de financiamento externo para cobrir os seus enormes défices e manter o seu poderio militar, comercial e financeiro. Se se vissem privados de uma parte significativa destes empréstimos, os seu predomínio ficaria enfraquecido", diz Toussaint.



Vale a pena lembrar que a cotação do dólar evolui em baixa há vários anos e os títulos são remunerados com moeda desvalorizada, e portanto haveria mais benefícios em investi-lo no desenvolvimento social desses povos



O FMI está enfrentar dificuldades financeiras a curto prazo, com um défice de 105 milhões de dólares acima do previsto neste ano fiscal, uma coisa que não acontecia desde 1985, quando vários países declararam uma moratória do pagamento das dívidas.



O motivo agora é muito diferente e deve-se a pagamentos adiantados que realizaram alguns países-membros, com o objectivo de ir reduzindo as suas dívidas, e para o qual utilizaram parte das suas reservas internacionais.



Esta situação não é nova, pois começou durante a crise asiática de finais da década de 90, quando os afectados decidiram cumprir as suas obrigações creditícias em troca de um menor controlo por parte do FMI.



O FMI, o BM e outras instituições financeiras mundiais dominadas pelos países desenvolvidos concedem empréstimos sob a condição de que sejam cumpridas estritamente as recomendações de política económica sugeridas por essas instituições, as quais sempre vão em detrimento das estratégias sociais a favor das populações endividadas.



Brasil, Argentina e Uruguai efectuaram pagamentos adiantados de 25 mil milhões de dólares (para evitar os enormes juros). O mesmo fizeram a Sérvia e a Indonésia e outros, como a Colômbia, o Chile, o México, o Peru e a Venezuela, obtiveram linhas de crédito mas não as utilizaram. Desde a fundação do FMI e do BM em 1944, estes organismos foram instrumentos de dominação das nações poderosas, que impuseram na região políticas neocoloniais, neoliberais e de livre comércio, em detrimento das grandes maiorias.



Diante desta indesmentível realidade, surge o projecto de criação do Banco do Sul que, com uma vocação multilateral, aponta para a necessária integração latino-americana.



Durante a sua visita a Caracas, o presidente argentino Néstor Kirchner disse que esta instituição deverá ser uma entidade financeira com características e filosofias diferentes à das sedes bancárias internacionais, que também nasceram com o objectivo de promover investimento e que no decorrer dos anos se converteram "num verdadeiro castigo para os povos".



O Banco do Sul, junto à alternativa Bolivariana para as Américas (ALBA) é outro despertar emancipador para as nações da América Latina.



 



6/3/2007

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