SNS: taxas não podem ser fonte de financiamento

15 de junho 2011 - 10:35

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde alerta para o perigo de as taxas moderadoras terem passado a ser consideradas como "fonte de financiamento" do Sistema Nacional de Saúde. O relatório anual, apresentado esta quarta-feira, em Lisboa, lembra ainda que os portugueses já são dos que mais pagam pela sua saúde.

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No final do ano passado, esperavam por uma consulta da especialidade, referenciados pelo médico de família, quase 1,4 milhões doentes.

O Observatório Português dos Sistemas de Saúde publica esta quarta-feria um relatório no qual alerta para “a necessidade de proteger populações mais vulneráveis”, temendo que medidas como as impostas pela troika, nomeadamente o aumento das taxas moderadoras, até Setembro, sobretudo das urgências e das consultas de especialidade, dificultem o acesso ao Sistema Nacional de Saúde (SNS).

Quando se assume que as taxas moderadoras são fonte de financiamento, há um risco escondido, defende Ana Escoval, uma das autoras do relatório e professora da Escola Nacional de Saúde Pública: "Até onde é que se vai subir?", cita o jornal Público.

"Quando se fala de as taxas moderadoras serem fonte de financiamento não se está a pensar subir até 1,08 por cento [do orçamento em saúde]", nota. A troika prevê ainda a diminuição das categorias de doentes isentos do seu pagamento, mediante aferição de capacidade económica. As taxas moderadoras não foram criadas para pagar os actos de saúde, uma vez que a Constituição prevê um sistema de saúde "tendencialmente gratuito", mas sim para moderar o consumo, explica Ana Escoval.

O Observatório, que todos os anos produz um relatório onde avalia os resultados das políticas de saúde, nota que, ao categorizar as taxas como "co-pagamentos", a troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) poderá estar a subverter o princípio constitucional. "Pode estar a ser sancionada a mudança sem haver discussão na Assembleia da República", diz Ana Escoval.

Além disto, defende Ana Escoval, existe o risco de se criarem mais dificuldades no acesso. Olhando-se para os valores das taxas moderadoras de 2011, em que uma ida a uma consulta do médico de família custa 2,25 euros, uma consulta de especialidade num hospital central 4,60, uma ida a uma urgência 9,60 euros, os valores parecem "irrisórios, mas paga-se muito em várias coisas", nomeadamente nos medicamentos, explica.

O somatório de todas as despesas faz com os portugueses já sejam, ainda antes das mudanças impostas pela troika, dos que mais pagam directamente pelos seus cuidados de saúde em despesas privadas: cerca de 20 a 23 por cento sai directamente dos bolsos dos cidadãos, enquanto para a maioria dos países da União Europeia a 15 esta média é de menos de 17 por cento. A Organização Mundial de Saúde aconselha um máximo de 15 por cento de despesas dos cidadãos.

O observatório sublinha ainda o facto de no memorando nada ser referido "em relação à necessidade de proteger urgentemente as populações mais vulneráveis e assegurar que a aplicação das medidas não agrava as iniquidades que afectam o sistema de saúde". No que diz respeito à proposta da troika de redução dos gastos com os transportes de doentes, o relatório nota que é ignorado o facto de "a questão das acessibilidades ser uma questão social mais ampla, cuja responsabilidade não deveria ser atribuída ao Ministério da Saúde [com excepção dos transportes de emergência medicalizados]".

Doentes graves têm de esperar 362 dias por 1 consulta

Segundo o Observatório dos Sistemas de Saúde, as consultas de especialidade chegam a demorar 600 dias para doentes muito prioritários. Há esperas de 1218 dias em urologia e 1321 em ginecologia.

É nas consultas hospitalares da especialidade consideradas muito prioritárias (que deveriam ocorrer em 30 dias) que mais há incumprimento nos tempos de espera máximos previstos na legislação (150 dias). Contas feitas, no universo geral dos doentes inscritos até 31 de Dezembro de 2010, o período máximo de resposta dos vários níveis de prioridade é excedido em 45 por cento dos casos.

Falta de médicos, saídas para a reforma e demasiada concentração dos cuidados de saúde nos hospitais são algumas das razões apontadas para uma resposta ineficaz dos serviços.

No final do ano passado, esperavam por uma consulta da especialidade, referenciados pelo médico de família, quase 1,4 milhões doentes. 

No geral, os hospitais da Administração Regional do Alentejo apresentaram o melhor desempenho, registando 54 por cento no cumprimento de tempos máximos, enquanto nos hospitais do Norte e do Algarve esse valor era bastante mais baixo, apenas de 17 por cento de conformidade. 

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