8 de Março: “Sair às ruas para colocar os Cuidados no centro da agenda política”

07 de março 2024 - 20:26

Na véspera do 8 de Março, Mafalda Brilhante, Merita Fortes, Ana Brito Jorge, Deolinda Martin falam-nos sobre a importância de lutar por uma sociedade que assume os cuidados como um trabalho formal e valorizado.

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Foto Esquerda.net

A campanha “Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos” nasceu de um conjunto de coletivos e associações que lançaram uma Iniciativa Legislativa Cidadã com o objetivo de pressionar os e as deputadas na Assembleia da República a agir sobre os problemas existentes consequentes da inexistência de uma política de cuidados, e a urgência que temos enquanto sociedade de esta ser uma das prioridades de quem nos governa.

O modelo de cuidados imposto pelos vários governos até hoje, assente na família (especialmente nas mulheres) e na transferência desta responsabilidade para o setor social, levou-nos à terrível situação atual:

  • Um milhão de pessoas, maioritariamente mulheres, são cuidadoras informais praticamente sem direitos, pessoas que nunca puderam exercer uma profissão ou que tiveram de largar os seus trabalhos para assegurarem os cuidados aos seus familiares, ou amigos, fruto da inexistência de serviços públicos.

  • Um país envelhecido, mas onde envelhecer é demasiadas vezes sinónimo de solidão e abandono, fruto da falta de respostas públicas a um problema que é de todas e de todos.

  • Um país onde a taxa de natalidade é baixa, mas onde os governos continuam a recusar criar a tão necessária rede pública de creches, única resposta que garante a todas as crianças este direito.

  • Um país onde os trabalhos mais essenciais à manutenção da vida coletiva, tantas vezes realizados por mulheres, são dos mais precários, informais, e mal pagos.

Neste 8 de março, saímos às ruas por uma sociedade que coloque a vida no centro das políticas públicas e que garanta o direito ao cuidado a todas as pessoas ao longo de toda a vida.

Lutamos por um envelhecimento emancipatório e digno, com soluções alternativas à institucionalização, à solidão e à total dependência, por uma sociedade onde os cuidados não são a extensão do lar, reservados às mulheres, mas sim um trabalho formal e valorizado. 

Mafalda Brilhante, Dirigente da Associação de Combate à Precariedade - Precário Inflexíveis, coletivo integrante da Campanha "Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos"

“O serviço doméstico não é trabalho sem direitos”

Mulher como todas nós. A empregada doméstica tem valor. O seu trabalho é tudo aquilo que queremos que respeitem.

Ela lava, limpa, passa a ferro, cozinha, toma conta de crianças, adolescentes, idosos, cuida!! Merece um salário digno e os mesmos direitos!

Merita Fortes, Solidariedade Imigrante - Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes, coletivo integrante da Campanha "Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos"

Pelo respeito da mulher cuidadora, pelo direito social aos cuidados”

Para quem sente a idade a avançar, nenhum bem é maior que a certeza de poder vir a receber os cuidados de que precise, adequados, respeitadores da sua condição, verdadeiros suportes de uma vida digna e com o máximo de fruição até ao fim.

Neste 8 de março, mais uma vez, cada mulher juntará à reclamação dos seus direitos a exigência de que esse peso de cuidadora “por inerência” que a sociedade lhe atribui seja enquadrado num serviço público em que o Estado consagre as compensações justas a quem cuida e disponibilize os cuidados a quem deles necessite.

Numa associação de pessoas mais velhas, em grande parte mulheres, como é a APRe!, há a plena consciência deste imperativo nacional e, por isso, é, desde a primeira hora, apoiante da campanha pela Iniciativa Legislativa Cidadã “Direito ao cuidado. Cuidado com direitos”.

Ana Brito Jorge - APRe! - Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados, coletivo integrante da Campanha "Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos"

“Este país tem de se tornar amigo dos idosos!”

Sou sexagenária, fui descobrindo a pouco e pouco o avançar da idade, através de vários códigos sociais considerados “normais” para os padrões da comunidade em que vivo: um dia ao comprar um bilhete de autocarro percebi que iria pagar muito menos do que o habitual, a insistência em algumas amigas minhas em assumirem os seus cabelos brancos, a falta de paciência de outros cidadãos para comigo em momentos em que me demore mais em fazer determinada tarefa, quando participei em ações de rua e me apercebi de que ao meu lado desfilavam um conjunto de camaradas de avançada idade e que não achavam piada nenhuma a “espontaneidades” que poderiam quebrar a seriedade da reivindicação…e continuaria a descrever um sem número de registos que me gritam à saciedade: pronto, já és quota!! Aceita que dói menos!

Não, não aceito… continuo a ser mulher, a gostar de viver, de ser amada, desejada, se não na plenitude da juventude de outrora, agora na ternura de quem sabe o que quer, em liberdade e por inteiro! Ser idosa não pode representar um rótulo de caducidade no prazo de validade, tem de significar maturidade, não o fim do direito a sonhar, a ter esperança, a ter projetos.

Mas, interrogo-me, inquieto-me, porque também me apercebi da ausência de adequação nas políticas sociais implementadas para esta faixa etária que nos abram espaços de participação cidadã, que nos assegurem autonomia plena. Eu aposentei-me depois de uma vida cheia de experiências e vivências que certamente foram diferentes das de gerações anteriores, mas constato que apesar da evolução verificada em tantos campos, essas respostas de hoje são muito idênticas ao que era feito há décadas. Nós trabalhadoras só temos valor enquanto estamos no ativo, a trabalhar, como fatores de produção, porque uma vez reformadas parece que passamos a imprestáveis, arranjam-nos uma prateleira onde deveremos ficar o resto dos nossos dias e, a agravar, muitas vezes, debaixo de um garrote absoluto que é a pensão de miséria de baixo valor pecuniário mensal. Acabamos os nossos dias apagadas do que fomos um dia, entretidas em centros de dia ou internadas em lares de vão de escada…sim, porque os que são bons, custam muito dinheiro… Até nesta fase da vida, a desigualdade nos aperta!

Mas, tem de ser assim? Não claro que não!

No Bloco de Esquerda a luta anticapitalista assume que há muito a fazer para alterarmos este quadro de fatalidade e, por isso, organizámo-nos no que chamamos Grupo +60, onde refletimos toda esta realidade, construímos campos de intervenção, definimos prioridades reivindicativas, procuramos estar em todos os espaços onde estes temas assumem particular relevância, influenciando, pressionando para que se mudem mentalidades, se procurem soluções alternativas e acima de tudo, construirmos em coletivo o direito a uma vida boa, sim, temos direito a uma vida boa também na velhice! Para isso, as cidades teriam de ser pensadas para serem vividas por todas as faixas etárias, a resposta do SNS teria de mudar de paradigma e adaptar-se aos problemas novos que são levantados por uma maior longevidade.

Um dos caminhos que pensamos fundamental, é haver um “Serviço Nacional de Cuidados” que responda aos problemas e especificidades dos idosos. O cuidado nunca foi assumido como prioridade porque esteve sempre assegurado pelas mulheres, que abdicando de terem vida própria, com muito sacrifício, tratavam dos familiares que delas necessitavam. O país nunca reconheceu com dignidade e justiça este esforço invisível feito no silêncio, mas que tem respondido a áreas em que o apoio social é deficitário. Exige-se que com urgência se aprove legislação que garanta o Direito ao Cuidado, com apoios, com políticas e proteções para quem dele precisa, mas também para quem o garante.

Neste ano em que se festejam os 50 anos do 25 de Abril, símbolo maior de liberdade, temos enquanto povo que exigir o garante dos direitos mais elementares, o direito a uma velhice digna e feliz, combatendo de forma inequívoca as desigualdades atualmente existentes nas políticas para os idosos! Vamos a isso?

Deolinda Martin, grupo +60 do Bloco de Esquerda