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"O fundamento para o chamado fator de sustentabilidade deixou de existir | Bloco de Esquerda

“O fundamento para o fator de sustentabilidade deixou de existir”

Nesta entrevista, José Soeiro explica as propostas do Bloco para acabar com o corte nas pensões por causa do fator de sustentabilidade e revela que o Governo, além de não ter aceitado discuti-las, nem sequer quis fazer as contas ao seu impacto no próximo Orçamento.

Duas das nove propostas que o Bloco apresentou nas negociações para o Orçamento do Estado para 2022 dizem respeito às pensões de reforma. O objetivo era continuar o trabalho iniciado nos últimos anos para acabar com a injustiças criadas pela aplicação do fator de sustentabilidade no cálculo das pensões. Mas o PS e o Governo recusaram-se a discutir o assunto ou mesmo a fazer contas sobre o seu impacto orçamental. O deputado bloquista José Soeiro explica nesta entrevista o que está em causa e diz que corrigir esta injustiça que afeta um numero muito limitado de pessoas seria perfeitamente possível de acomodar no Orçamento.


Porque falamos do “fator de sustentabilidade”?

O fator de sustentabilidade atualmente aplica-se a muito poucas pensões das que são requeridas a partir de agora. Mas aplicou-se a milhares de pensões em condições que hoje já não existiriam. Ou seja, pessoas que hoje não teriam esse corte mas que ficaram com corte significativo na sua pensão. Por exemplo, numa pensão de 500 euros é um corte de 77 euros por mês. Faz muita diferença na vida das pessoas. Além disso, esta discrepância de regras cria injustiças relativas que indignam muito as pessoas. Por exemplo, alguém que aos 63 anos tem 43 anos de carreira contributiva, hoje não tem o corte do chamado factor de sustentabilidade. Mas alguém que se reforma aos 65 anos, portanto mais tarde, e com 44 anos de carreira contributiva, portanto com mais carreira contributiva, tem o corte do fator de sustentabilidade - 15,5% de corte na sua pensão. E são estas injustiças que importa corrigir.

O que é o “fator de sustentabilidade”?

O fator de sustentabilidade foi criado em 2008, pelo ministro Vieira da Silva, na altura num governo do Partido Socialista, como contrapartida da idade legal de reforma ser fixa. Ou seja, a idade legal de reforma era 65 anos, era sempre a mesma idade, e o fator de sustentabilidade pretendia introduzir o impacto do aumento da esperança média de vida no sistema. Como é que funcionava: havia um pequeno corte de 0,56% se as pessoas se reformassem aos 65 anos, corte esse que as pessoas podiam anular se trabalhassem mais uns meses para além dos 65 anos. Isto mudou tudo em 2014, porque 2014 a direita fez com que idade legal de reforma deixasse de ser fixa, ou seja, ela passou a aumentar todos os anos em função do aumento da esperança média de vida. Quer dizer que o fundamento para o chamado fator de sustentabilidade deixou de existir, porque essa sustentabilidade por via da vinculação à esperança média de vida passou a ser feita pelo aumento anual da idade legal de reforma. E nessa altura deixou de ter fundamento, mas a direita manteve o fator sustentabilidade não para as pensões em geral, apenas para as pensões antecipadas e, pior do que isso, mais que triplicou o seu valor - ele passou a ter desde essa altura um valor, a significar um corte de mais de 12% nas pensões antecipadas que eram requeridas desde então.

A quem se aplica?

Hoje em dia, o fator sustentabilidade aplica-se a muito poucas pessoas. O problema é que ele continua a aplicar-se às pessoas que pediram a pensão antes destas regras. Ou seja, pessoas que se hoje pedissem a pensão já não teriam o corte do fator sustentabilidade, mas que, uma vez que quando pediram as regras eram outras, vão ter esse corte até o fim da sua vida - vão ter esse corte toda a vida. E, portanto, ele continua a aplicar-se injustamente a dezenas de milhares de pessoas que hoje não teriam o corte do fator de sustentabilidade mas que tiveram quando requereram a sua pensão e ficaram com esse corte para sempre.

O que já foi feito nos últimos anos?

Nós começámos a acabar com o fator de sustentabilidade em 2017, em outubro de 2017 acabámos para quem tinha muito longas carreiras contributivas - carreiras contributivas de 48 anos aos 60 de idade. Depois em 2018, alargámos para quem tinha 46 anos de descontos; em 2019, o fator de sustentabilidade deixou de se aplicar a quem tinha aos 60 anos de idade pelo menos 40 anos de carreira contributiva e a partir de 2020 e ele deixou de aplicar também as chamadas pensões por desgaste rápido - os regimes especiais de desgaste rápido - deixou de aplicar com retroativos a janeiro de 2019. E portanto, o fator de sustentabilidade foi acabando porque ele hoje não tem fundamento na arquitetura do nosso próprio sistema, pelo facto da idade legal de reforma ter deixado de ser fixa. E, portanto, ficou um pequeno grupo a quem ele continua aplicar-se e cria as injustiças de que já falei: alguém com 44 anos de carreira contributiva que se reforma aos 65 anos tem hoje esse fator de sustentabilidade, se tiver 43 anos descontos aos 63 de idade não tem. Continua a aplicar-se a essas pessoas e continua a constar todos os meses nas pessoas que tiveram o azar de pedir a reforma no momento em que estas regras que nós fizemos em 2017, 2018 e 2019 ainda não estavam em vigor. E é isso que nós achamos que é prioritário corrigir.

Quais são as propostas do Bloco?

Para este Orçamento de Estado nós propusemos algumas medidas para corrigir estas injustiças relativas. Primeiro, fazer com que todas as pessoas que têm 40 anos de descontos não tenham esse corte do fator de sustentabilidade, até porque já têm outro corte - o chamado fator de redução, que é o corte pelo tempo que lhes falta até a sua idade pessoal de reforma. E propomos também uma medida de justiça que é recalcular as pensões das pessoas que tiveram esses cortes sobretudo durante aqueles anos em que o fator de sustentabilidade passou a aplicar-se às pensões antecipadas com valores muito pesados. Estamos a falar entre 2014 e 2018, sobretudo nesses anos, nota-se esse impacto do fator de sustentabilidade. E, portanto, nós propomos recalcular as pensões de todas as pessoas que hoje com as regras de hoje já não teriam o fator de sustentabilidade, mas porque tiveram o azar de pedir a reforma num outro momento ficaram com esse corte para toda a vida. E portanto, quem tem longas carreiras contributivas, hoje já não teria o corte. Nós entendemos que essas reformas devem ser recalculadas. Além disso propusemos também uma idade pessoal de reforma que tivesse em conta, não apenas a longevidade da carreira contributiva, mas também se as pessoas fizeram trabalho em condições penosas, seja por, por exemplo, terem trabalhado por turnos, terem feito trabalho noturno, ou por terem tido muitos anos de carreira com incapacidade, pensando sobretudo nas pessoas com deficiência. E portanto, adaptar também esse conceito da idade pessoal de reforma, valorizando quem tem carreiras acima dos 40 anos de idade, quem trabalhou por turnos, quem trabalhou com incapacidade.

Como foi a negociação com o Governo?

Nenhuma destas propostas o Partido Socialista - o Governo, neste caso - aceitou sequer discutir. Ou seja, não houve nenhuma contraproposta, nem sequer estiveram disponíveis para nos dar os dados exatos do impacto destas propostas. Nós temos uma noção, uma estimativa: sabemos que entre 2014 e 2018 foram cerca de 60 mil pessoas que foram altamente penalizadas. Sabemos que hoje o fator de sustentabilidade se aplica a poucas pessoas. Mas mesmo que seja um universo relativamente limitado, é uma enorme injustiça que continua a fazer-se e faz muita diferença na vida das pessoas. As propostas que o Bloco apresentou não põem de modo algum em causa a sustentabilidade da Segurança Social, não são impossíveis de acomodar no Orçamento e portanto o facto do Partido Socialista não ter sequer aceitado discuti-las, não ter feito nenhuma contraproposta, parece-nos que revela uma grande intransigência e uma ausência de vontade de chegar a um acordo para este Orçamento. Nós insistimos com as propostas que apresentamos e estas eram duas das nove propostas que nós apresentámos, era perfeitamente possível que pudessem ser ainda incorporadas no orçamento. O Partido Socialista, no entanto, o Governo não respondeu positivamente a nenhuma delas e estas duas, em particular, nem sequer esteve disponível para as discutir.