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Viver com as malas à porta

Quem procura casa para a arrendar já se confrontou com este problema: contratos de um ano que, cada vez mais, vêm com a cláusula de “não renovável”. A proposta da esquerda era retornar ao prazo mínimo de 5 anos de contrato de arrendamento. O PS rejeitou esta proposta.

Há medidas que, apesar de simples, têm o condão de melhorar a vida das pessoas. Por norma, são medidas que não têm a capacidade de mudar estruturalmente um problema, mas trazem alguma decência à vida das pessoas.

Nestes dias de intenso debate político, em que o Partido Socialista não diz os motivos que justificam a sua recusa em aceitar o que quer que viesse da esquerda, tenho-me recordado de uma daquelas propostas simples que o Partido Socialista recusou em matéria de habitação: aumentar o prazo mínimo dos contratos de arrendamento.

Quem procura casa para a arrendar já se confrontou com este problema: contratos de um ano que, cada vez mais, vêm com a cláusula de “não renovável”. Ou seja, contratos muito curtos para que quem já tem uma posição de superioridade negocial – o proprietário – fique ainda com mais argumentos para especular à vontade com o preços. Claro que para quem arrenda, esta é uma situação infernal, mal conseguiu juntar algum dinheiro para pagar a caução e o mês (ou meses) de avanço, mal entrou na sua nova casa, já está com o contrato a acabar. É possível viver assim?

A proposta da esquerda era clara e simples, tornar estes contratos um pouco mais seguros, um pouco mais decentes, retornar ao prazo mínimo de 5 anos de contrato de arrendamento. Permitir que quem arrenda uma casa, saiba que o faz com a promessa de alguma estabilidade na sua vida. O PS rejeitou esta proposta, assim como a direita.

Quem ouvisse a deputada do Partido Socialista falar, elencando ponto por ponto um qualquer panfleto da juventude socialista, falando até, sem se rir, de uma “revolução na habitação” que este Governo estaria a levar a cabo, pensaria que a aprovação seria uma consequência lógica do seu discurso. Mas, também na habitação, as votações não acompanham a retórica do PS. Fala-se muito, arranjam-se umas tiradas grandiloquentes, mas, na hora de mudar a lei, na hora de decidir em matérias de direitos fundamentais, vota-se com a especulação e com a direita.

Num país como Portugal, que não tem habitação pública relevante, que se incentivou o setor privado como nenhum outro, ter leis do arrendamento que equilibrem os pratos da balança entre inquilinos e senhorios é vital. Por que motivo uma jovem que estude em Lisboa tem de ser chantageada todos os anos com o fim do contrato; por que motivo um jovem casal não pode ter a estabilidade no arrendamento que permita planear a vida a médio prazo?.

Há uma diferença entre a agressividade da direita, que tratou de despejar idosos e de tornar a habitação num fator de empobrecimento e de exclusão social, e a indiferença do PS a estes problemas. O problema é que nem a violência social da direita, nem a indiferença do PS servem quem vive sob chantagem.

Quem não está disposto ao mínimo, não pode prometer o máximo, sobretudo quando esse máximo já foi sempre prometido, e sempre adiado. As pessoas estão a viver com as malas à porta de casa, e continuamos sem saber por que motivo o PS acha esta situação admissível.

Sobre o/a autor(a)

Deputado Municipal do Bloco em Lisboa. Advogado. Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico–Criminais
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