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Vitórias e derrotas

Enquanto militantes da esquerda anti-troika, estas eleições deixaram claro que a luta ainda tem muito caminho a percorrer.

No último domingo realizaram-se as eleições autárquicas, as primeiras eleições pós-troika e de governo PSD-CDS. Isso significou um eleitorado fustigado por medidas de austeridade até à exaustão (que ainda não acabaram!). Por outro lado, houve uma certa bipolaridade nas forças políticas: por um lado, as forças políticas da troika, que se esperava terem uma grande derrota; por outro lado, as forças políticas anti-troika, que se esperava subirem bastante nas suas votações.

Facto: o PSD foi castigado até certo ponto pelas suas políticas troikistas. Perdeu mais eleitos do que podia ter imaginado, mas para tal também ajudou a lei da limitação dos mandatos. Facto: o PS, embora força política do eixo da troika, conseguiu capitalizar muito do descontentamento. Facto: a esquerda anti-troika ficou aquém das expectativas.

Ou seja, enquanto militantes da esquerda anti-troika, estas eleições deixaram claro que a luta ainda tem muito caminho a percorrer, embora se tenham alcançado resultados positivos em alguns concelhos específicos. Há dificuldade em a esquerda se afirmar de uma maneira forte, mas isso também não é exclusivo destas eleições autárquicas; o caminho tem sido percorrido ao longo de mais de dois anos, mas ainda falta muito por percorrer.

E outra prova disso foi a “vitória” sonante da abstenção. Números nunca antes vistos de abstenção, votos brancos e nulos; este facto deve merecer-nos uma reflexão construtiva sobre o eleitorado, sobre o papel das eleições e de como são percecionadas pelos cidadãos, sobre o nosso próprio papel enquanto militantes e ativistas de esquerda.

O panorama geral, muito resumidamente e de forma mais pragmática foi este. Mas a reflexão que nos interessa será a que toca ao próprio Bloco de Esquerda. Devemos valorizar todo o trabalho feito de norte a sul do país que, em alguns locais, significaram aumentos de votações e, mais importante, de uma voz que defenda as populações contra o austeritarismo de forma forte, incisiva e determinada.

No entanto, o que fica no ar das discussões em televisões e jornais é a derrota que houve e já se discute o fim de um partido sem nunca nele ter participado. Mortes anunciadas não existem, nem o povo do Bloco está preparado para a abraçar. Apesar da força emotiva que uma derrota pode ter (e tem) na maioria dos ativistas e militantes, o sentimento geral é de continuar o trabalho feito, tentar ao máximo dar continuidade às dinâmicas criadas com os processos de campanha e feitura de listas, que aproximam sempre mais algumas pessoas.

A importância do trabalho local é cada vez maior, e estas eleições também o provaram. Provaram que o enraizamento de um partido política em dinâmicas políticas locais é fundamental quando saímos para a rua com propostas concretas. Um processo de feitura de uma lista, da construção de um programa político local (qualquer que seja a sua escala), da construção de ideias para uma campanha apelativa e de confronto político é um processo que não acontece em 6 meses ou mesmo um ano, mas deve ser, em si, um resultado de vários anos de trabalho local.

É, porventura, o tipo de política com mais especificidades e, por vezes, mais complicado de se fazer (práticas como o clientelismo ainda são muito comuns e dificultam novas formas de fazer política à escala local). É difícil começar do zero uma dinâmica política alternativa à esquerda numa freguesia do interior do país, por exemplo. Mas também o é difícil numa freguesia em Lisboa, o processo é longo, implica uma entrega e disponibilidade por vezes difícil de encontrar.

É nesse processo que nos devemos focar enquanto militantes e ativistas de esquerda; capitalizar os resultados obtidos e, acima de tudo, a dinâmica criada nos últimos meses para dar continuidade ao trabalho e, aos poucos, levar à implementação de núcleos locais, que estejam na rua a passar a mensagem, que estejam nas assembleias de freguesia a dar voz às preocupações dos fregueses e freguesas, que se assumam enquanto fontes de pensamento político e pólos dinâmicos locais de atividade política.

É a esse trabalho que me parece que nos devemos dedicar com todas as forças que nos forem possíveis, aproveitando dinâmicas nacionais para atividades locais, chegar ao máximo de pessoas possível. Não tendo em mente como ultimo e único objetivo a eleição daqui a 4 anos, mas sim a aproximação às populações e, se tudo correr bem, ajudar a que a própria abstenção vá diminuindo (porque as pessoas sentem que há alternativa).

Como já foi dito, o caminho percorrido já foi longo e importante, mas há muito mais a percorrer, há muito mais pessoas a quem temos que passar a mensagem da alternativa à esquerda para as políticas nacionais e locais a que os vários governos PSD-CDS e PS (nos casos locais) votam as suas populações.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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