“O patriarcado é um juiz que nos julga por nascermos, e o nosso castigo é a violência que tu não vês’’: Dia 25 de novembro foi assinalado o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, um dia que deveria ser uma referência o ano inteiro.
Segundo dados do Observatório das Mulheres Assassinadas, da UMAR, apresentados esta semana, desde 2004, em Portugal, foram assassinadas 564 mulheres e registadas 663 tentativas de assassinato. Todas estas mulheres representam mais do que um número para as estatísticas: representam a luta que ainda temos pela frente, a resistência que ainda é necessária, as mudanças que precisam de ser aplicadas com urgência na nossa sociedade e no nosso sistema judicial e, acima de tudo, representam vidas humanas, levadas pelas mãos do machismo e da violência contra as mulheres. Para além desses números, os dados do ano de 2020 mostram que 10 dos 16 femicídios refletem situações de violência prévia que já tinham sido reportadas às autoridades. Estas situações abrem um debate importantíssimo relativamente ao papel do nosso sistema judicial como defensor dos direitos e da segurança das mulheres, ou como conivente com a violência machista.
Com o confinamento, derivado do agravamento do desenvolvimento da pandemia da covid-19, os números em contexto de violência doméstica agravaram-se. Em maio, a OMS alertou para um aumento do número de casos de violência doméstica, durante o confinamento, superior a 60% em países europeus. Já na América Latina, segundo a Red Nacional de Refugios, estima-se que tenham ocorrido cerca de 292 casos de femicídios durante o período de confinamento, o que equivale a 10 mulheres assassinadas por dia, em contexto de intimidade.
Em Portugal, com o início do confinamento em março, houve menos 26% de queixas de violência doméstica apresentadas à GNR, no entanto, estes dados não refletem uma melhoria da situação, mas sim o contrário. O confinamento fez com que as vítimas, na sua maioria, se vissem obrigadas a ficar em casa, confinadas 24 horas por dia e 7 dias por semana, com o seu agressor, não tendo qualquer espaço ou tempo, para procurar ajuda em segurança. A pandemia proporcionou condições ideais aos agressores: estes ganharam mais controlo sobre as suas vítimas, as vítimas viram-se impossibilitadas de abandonar o seu lar e o seu parceiro, as casas de acolhimento relacionadas com este tipo de violência atingiram a sua lotação máxima e estas mulheres deixaram de ter contacto com amigas ou colegas de trabalho, com quem poderiam falar, sendo incentivadas, muitas das vezes, a pedir ajuda. Um dado preocupante nas várias estatísticas sobre o tema, é o facto de as agressões surgirem no meio de uma crise pessoal do agressor, como a perda do seu emprego ou de rendimentos, situações que se verificam com regularidade, e em grande número, nesta pandemia.
A resposta a esta pandemia tem de passar pela proteção de mulheres e crianças expostas a todo o tipo de violências, todas e todos nós temos um papel importante para que não morra nem mais uma, para que nem mais uma voz seja calada e para que estas mulheres sintam que têm alguém que, na hora da denúncia, acredite nelas e que as acompanhe.