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Vilar Formoso, esquecer não é possível
Em 2019 abriu um museu em Vilar Formoso cuja inauguração não foi assim tão noticiada e cuja existência e singularidade ainda o são menos. A escolha do lugar tem um significado profundo. Em 1940 chegavam a Vilar Formoso comboios cheios de refugiados, judeus ou não, que fugiam do regime hitleriano à data bem firme em toda a Europa continental. O horror da repressão nazi, as notícias sobre os campos de extermínio, a perseguição feroz sobre os grupos que o regime nazi decidira apagar da face da terra, a capacidade militar que se impunha e parecia imbatível, provocaram o êxodo daqueles que tinham a capacidade de enfrentar a fuga para o sul. A Espanha destruída pela Guerra Civil não era o objectivo. Portugal não seria o fim da jornada mas era o acesso mais directo e fiável a um qualquer transporte marítimo para o outro lado do Atlântico. Os comboios chegavam a Vilar Formoso, deparavam-se com um acolhimento por parte dos locais tão amigável quanto possível. Não havia muito a partilhar porque a pobreza era extrema mas sempre se arranjava um prato de sopa, algum pão. Enquanto aguardavam pelas formalidades, fosse por parte da polícia política fosse por parte das autoridades aduaneiras, esses refugiados tinham um primeiro contacto com um clima ameno, um céu azul como ficou registado, alguma tranquilidade, certamente a paz. Apesar do toque conservador, vale a pena reproduzir a citação de Suzanne Chantal (Deus não dorme, 1944) conforme folheto explicativo: “À sua frente, a estação é branca, dominada por telhas da cor das rosas, enfeitada com sardinheiras. Nas paredes, azulejos, nos quais passeiam personagens azuis, e rebanhos, e barcos de proa levantada…”.
O museu Vilar Formoso Fronteira da Paz memorial aos refugiados e ao cônsul Aristides de Sousa Mendes é um lugar de memória, sim. Construído em antigos armazéns da própria estação ferroviária, em muitos aspectos a lembrar os comboios que transportavam judeus, opositores ao regime nazi, minorias étnicas e outros para os campos de concentração e extermínio, o Museu é constituído por duas partes bem distintas. Na primeira, uma evocação sobre a ascensão do regime nazi assinalando os momentos mais marcantes da subida ao poder de Hitler, enquadrando de forma clara e pedagógica como o regime se foi auto fortalecendo perante o silêncio e estupefacção de uns e a incredulidade de outros. O vídeo com imagem dos comboios apinhados a caminho da morte termina de forma lapidar esta primeira parte. Depois, a movimentação dos refugiados em Vilar Formoso e o seu enquadramento no contexto socio-económico que vieram encontrar em Portugal. Contraste gritante. A chegada dos refugiados, a sua integração na sociedade portuguesa com o envio para locais com grande capacidade hoteleira apta a receber tantos milhares: Curia, Luso, Buçaco, Lisboa, Sintra, Ericeira, Figueira da Foz, Caldas da Rainha, Sintra, Estoril. Tudo bem documentado e explicado sobre a integração, o cruzamento com os locais, a constituição de novas famílias. Esta segunda parte do Museu é muitíssimo interessante. De repente, estamos nos nossos locais, os cafés e jardins , os hotéis, as praias. Coisas, pessoas, locais, tudo quanto podemos identificar. A guerra decorria lá longe, gozávamos de uma pseudo neutralidade, mas a guerra afinal também estava aqui.
É um local de memória, sim. Que nos fornece muitas dicas sobre o nosso relacionamento passado e presente com os refugiados, nem todos judeus, contribuindo para nos entendermos e preservarmos como sociedade aberta, inclusiva, uma verdadeira Fronteira da Paz.
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