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A verdadeira força poluidora
Enquanto a discussão se resume à mera moda do “verde” e do “desenvolvimento sustentável”, o debate está descentrado. As grandes multinacionais, que dependem diretamente de combustíveis fósseis, assobiam para o lado apontando o dedo ao indivíduo e aos nossos padrões de consumo. Instalaram o sentimento de culpa nas pessoas, responsabilizando-as do estado a que isto chegou, para aligeirar as suas responsabilidades.
Se pensarmos que apenas a 100 empresas são atribuídas 71% das emissões de carbono desde 1998, qual será realmente o resultado da palhinha de aço inoxidável ou o saco de pano? Não é que estas medidas sejam erradas, antes pelo contrário, mas não colocam o dedo na ferida que verdadeiramente faz mossa ao nosso planeta.
É claro que consumir menos, comprar produtos locais, apostar em objetos do dia-a-dia amigos do ambiente, reutilizar e reciclar, utilizar transportes públicos e mudar as lâmpadas lá de casa são tudo boas práticas que devem ser fomentadas. Contudo, será esse o objetivo final para derrotar o lobo que está à porta? Que sentido farão estas ações se as grandes empresas continuam a explorar um planeta como se existissem mais quatro iguais?
Desde a altura em que o real problema das alterações climáticas começou a estar na ordem do dia, deparamo-nos diariamente com campanhas de sensibilização nas escolas, nas televisões e nas redes sociais relativamente ao problema criado pelos nossos padrões de consumo. O problema aqui, contudo, está no alvo.
Para além da desregulamentação da economia, das políticas de privatizações e dos perdões fiscais, se há vitória que também devemos atribuir ao neoliberalismo é o de ter conseguido exacerbar no ser humano o sentimento individualista e despi-lo de qualquer solidariedade. Isto resultou em empresas que acumulam ridículas quantidades de mais-valia e atuam com uma impunidade violenta, quer com os trabalhadores, quer com o ambiente. Estas multinacionais conseguem assim os seus objetivos principais: uma carta branca para atuar como bem entendem e o estrangulamento das ferramentas do Estado que protegem os interesses comuns.
Numa altura em que é urgente passar à ação, os inimigos não são só as palhinhas ou os copos de plástico. O inimigo principal é o modelo capitalista de desenvolvimento e a maioria das empresas que continuam em contraciclo com uma verdadeira política de desenvolvimento ambiental e sustentável.
Vejamos qual era uma das principais bandeiras de Trump ou Bolsonaro. Ambos ameaçavam com a retirada dos seus países do Acordo de Paris. Trump já o fez. Bolsonaro certamente o fará. Este tipo de práticas e discursos devem fazer-nos pensar. A decisão destes líderes é ideológica e serve sempre o propósito do capital.
Se os transportes públicos não respondem com eficácia à rotina das pessoas, as pessoas vão utilizar o automóvel pessoal. Se produtos biológicos e sustentáveis são caros, automaticamente somos obrigados a recorrer a cadeias de hipermercados. Se os bens de consumo, baratos e produzidos em massa, inundam o mercado, a grande maioria da população, tantas vezes em situação de carência económica, vai comprar. O consumo sustentável poderá fazer a diferença na vida dos indivíduos, mas só o movimento de massas e a ação política irá ter o resultado desejado. As pessoas têm responsabilidade em assumir comportamentos e modos de vida ambientalmente sustentáveis, mas ignorar o sistema económico capitalista e a globalização é atirar ao lado.
A única forma de controlar as emissões de carbono e apostar em políticas sustentáveis que defendam eficazmente o meio ambiente é devolver à esfera pública os setores energéticos e os transportes de maneira a fomentar a responsabilização. A regulação das empresas de forma a, faseadamente, abandonar a dependência de combustíveis fósseis e a taxação adicional de forma a redirecionar esse dinheiro para investimentos em energias renováveis e respostas públicas sustentáveis são a única solução real. Só assim é possível começar a equacionar formas de todos nós, enquanto sociedade, dar uma resposta a nível local, mudando os nossos hábitos de consumo.
É inegável o sentimento individualista presente que o neoliberalismo deixou. É inegável que vivemos numa sociedade de consumo que opera a um ritmo alucinante. É também inegável que funcionamos quase como meros consumidores e não como cidadãos interdependentes, capazes de fazer a diferença. Mas, porém, é também inegável que a natureza humana nos faz trabalhar em conjunto na procura de soluções para os problemas urgentes. E este é, sem dúvida alguma, um problema urgente.
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