O único debate público que se faz realmente em Portugal sobre o sistema prisional é o das suas condições de segurança. Só se fala de prisões quando há evasões ou quando interessa a alguém que se fale dos telemóveis ou das drogas que entram nas cadeias. Do que não se fala, nunca, é do estado calamitoso do edificado do parque prisional, é da inexistência de uma política de reinserção social minimamente séria e efetiva, é da precariedade da prestação de cuidados de saúde aos detidos e da precariedade de quem os presta, é das celas-camaratas, é do buraco negro de direitos e de legalidade que são as prisões em Portugal.
Há algo de decisivo a montante da discussão sobre o sistema prisional. É que, numa democracia adulta, as prisões deviam ser apenas uma componente – e certamente não a principal – de um sistema de execução de penas em que a privação da liberdade fosse a exceção e não a regra. Se a taxa de encarceramento em Portugal (121/100.000 habitantes) é um pouco superior à média europeia, somos o país do Conselho da Europa em que o tempo de prisão cumprida é mais longo (média de 30,6 meses), mais do dobro da média europeia. Estes números mostram o desinvestimento nas penas alternativas à privação da liberdade e a capitulação social e política perante as tendências de reforço do “músculo” carcerário e até da fragilização de garantias elementares do processo penal. As teses do Direito Penal do inimigo ou, mais genericamente, o senso comum vingativo perfilhado pelo populismo penal, foram fazendo caminho em Portugal e isso é um dos rostos da hegemonia dos ideários anti Estado Social.
Aquilo de que a excitação populista não quer que se fale tem autores. A fusão, decidida pelo governo de Passos Coelho, do Instituto da Reinserção Social com a estrutura responsável pelo desempenho do território punitivo tradicional – a Direção Geral dos Serviços Prisionais – e a inerente criação de uma estrutura única (a atual Direção-Geral da Reinserção e dos Serviços Prisionais) juntou à insuficiência e à profunda desmotivação dos recursos humanos a sua diluição, de facto, no protagonismo prático do subsistema prisional. Por outro lado, mesmo o Governo cujo programa apresentava compromissos mais precisos em matéria de política de execução de penas (2015-2019), se é certo que aprovou a extinção da prisão por dias livres e do regime de semidetenção e os substituiu por um regime de detenção na habitação com vigilância eletrónica para penas de prisão efetiva não superiores a dois anos, só residualmente tirou o plano para dez anos (2017-2027) para a qualificação e modernização do sistema prisional do papel.
Desinvestimento crónico, ausência de qualquer estratégia para combater o alheamento social generalizado face ao sistema penitenciário, não dotação dos meios humanos em quantidade e qualidade necessários a uma política efetivamente centrada na ressocialização, desqualificação das condições de trabalho e da motivação para o desempenho pretendido no território punitivo não prisional – são pasto fácil para a hegemonia do populismo carcerário.
Se quer combater com bravura a agenda da extrema-direita, a esquerda não pode cair nas armadilhas do punitivismo nem da securitização. Tem de se bater pela excecionalidade da pena de prisão no sistema de execução de penas e pela transformação das prisões em unidades de reinserção social efetiva.
