Está aqui
A única boa ideia de Manuel Valls
Em 2009, o agora primeiro-ministro chegou a propor deixar cair o “socialista” do nome do partido. Por uma questão de coerência ideológica, claro. É provavelmente a única boa ideia que lhe alguma vez lhe conheceremos.
Em Outubro de 2013 um carro da polícia mandou parar um autocarro que levava uma excursão de alunos de uma escola francesa. Diante dos protestos da professora e dos olhares dos colegas, mandaram descer Leonarda Dibrani, uma estudante kosovar de 15 anos e etnia romena, e dois polícias prenderam-na. Poucas horas depois foi deportada com toda a família para Pristina. A sua família estava há quatro anos e dez meses em França, os seus irmãos mais novos tinham nascido no país e faltavam dois meses para conseguir a naturalização dos restantes.
Quem ordenou a expulsão, agiu por convicção. “Os ciganos têm vocação para voltar à Bulgária e à Roménia”. “A única solução é a expulsão”, afirmou Manuel Valls, Ministro do Interior do Partido Socialista.
A reação das forças políticas francesas a este homem a quem chamam “socialista de direita” e que expulsou mais imigrantes do que Sarkozy é reveladora: Marine Le Pen chamou-lhe “perigoso”, Hollande chamou-lhe “duro” e nomeou-o Primeiro-Ministro.
No discurso de sete minutos que se seguiu à confirmação da derrota eleitoral nas eleições municipais francesas, François Hollande disse ter compreendido bem a mensagem dos eleitores que impuseram a derrota ao PS em mais de 151 municípios e passaram para a direita vários dos bastiões socialistas. A nomeação de Manuel Valls para substituir a Jean-Marc Ayraut na chefia do Governo nasce dessa clarividência sobre o papel que o PS deve desempenhar na viragem política à direita que percorre a Europa e atingiu em cheio a França nestas eleições.
O desastre eleitoral do PS deixou claro que a sua estratégia para fazer frente ao crescimento da direita consiste em pôr-se à sua altura nas políticas de direita, em disputar a gestão da austeridade e os seus bodes expiatórios, confirmando a capitulação dos partidos socialistas europeus ao conservadorismo austeritário*.
O facto de Manuel Valls ter sido um acérrimo opositor de Miterrand no início dos anos 80 quando a social-democracia ainda o era e fazia nacionalizações é apenas uma ironia da história. Afinal, ele sempre esteve à direita. Foi o partido que lhe apanhou o passo, e não o contrário.
Entretanto, a agenda do novo Primeiro-Ministro para os dos próximos meses já foi definida. Ao mesmo tempo que Valls expulsava imigrantes, Berlim lembrou a Paris que as suas contas estão sob vigilância, que o déficit continua fora de controle e que os cortes e as reformas têm de acelerar. Mas uma coisa não está desligada da outra.
Enquanto os partidos do centro se confundem na sua participação neste processo de empobrecimento histórico a nível europeu (o PS chegou a propor à UMP uma coligação pré-eleitoral), a extrema-direita cavalga a miséria popular com as bandeiras da higienização política, do anti-bipartidarismo e da defesa do Estado Social para “franceses”. Para a acompanhar, o centro encosta à direita no discurso xenófobo e racista. É caso para perguntar: quem nasceu primeiro, o crescimento da extrema-direita ou a austeridade conservadora?
Uma coisa é certa. A nomeação de Manuel Valls clarifica (ainda mais) os campos. Em 2009, o agora primeiro-ministro chegou a propor deixar cair o “socialista” do nome do partido. Por uma questão de coerência ideológica, claro. É provavelmente a única boa ideia que lhe alguma vez lhe conheceremos.
* sobre a adesão do PS português a este movimento, se é que restavam dúvidas, deixemo-nos iluminar pelas palavras de Álvaro Beleza no “SOL” de ontem: “Foi uma ótima escolha de Hollande”. “é um líder de uma nova geração, que inclui o primeiro-ministro italiano e António José Seguro”.
Comentários
O esforço que as pessoas
O esforço que as pessoas fazem para encontrar explicações que apaziguem a ânsia gerada pela contradição de atitudes e decisões de quem governa e opiniões de quem não governa tem sido sempre tão prolífero como inconsequente. Não foi a realidade do Todo - que a ciência fatiou em disciplinas geográficas: física, botânica, mineral, zoológica, económica, comercial, politica e, enfim, histórica - que deu origem a sistemas sociais tão opostos como o nazi e o democrático? E o surgimento do democrático por acaso evitou os mesmíssimos problemas que pretendia sanar? Talvez por isso as tentativas de «retificar» os «sistemas» do sistema não resultem. É como se aplicação de remendos novos em saco velho garantisse o saco um dia vir a ser novo! Pura ilusão. O caminho deveria ser outro.
Adicionar novo comentário