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Uma auditoria sem respostas

A auditoria não acusa, mas também não iliba, limitando-se (salvo num caso de conflito de interesses relatado) a descrever os eventos tal e qual o Novo Banco faria.

A auditoria da Deloitte ao Novo Banco tinha um duplo propósito. Por um lado, detalhar as origens das perdas que remontam, como já sabemos, às operações do antigo BES. Por outro lado, esperava-se que este trabalho de investigação fosse capaz de analisar os atos da atual gestão sob os comandos do fundo Lone Star, que comprou o banco em 2017.

É evidente que, em 2014, o Banco de Portugal e o Governo de PSD/CDS não criaram um banco limpo, apesar de terem comprometido 3900 milhões de euros. E é verdade que o banco herdou ativos maus e que o Governo de António Costa se disponibilizou a garanti-los até 3890 milhões. Mas nada nos garante que a Lone Star não esteja a utilizar esta garantia do Estado para fazer vendas ao desbarato. Sobre este segundo aspeto, a auditoria não dá respostas.

Pior. Até agora, o seu caráter confidencial protegeu o Fundo de Resolução, o Lone Star e a Administração do Novo Banco, que assim se multiplicam em comunicados e conferências de Imprensa celebrando conclusões a que a investigação não chega e evitando qualquer contraditório. Ora, o problema está precisamente aqui: a auditoria não acusa, mas também não iliba, limitando-se (salvo num caso de conflito de interesses relatado) a descrever os eventos tal e qual o Novo Banco faria.

Quem esperava compreender os descontos nas carteiras de imóveis ou desvendar as relações que unem os fundos compradores desses imóveis a figuras do Lone Star fica na mesma. No máximo, o relatório deixa claro que o Novo Banco não tinha método ou vontade para avaliar os verdadeiros compradores, limitando-se a obter deles uma declaração, sem perguntar nomes ou beneficiários finais.

Bem mais longe tem ido o trabalho da investigação jornalística, que nos tem revelado nomes, valores e incoerências. A carteira Viriato, vendida com 70% de desconto a um fundo para onde transitou o vice-presidente da Lone Star; a carteira Sertorius, vendida com 68% de desconto ao fundo Cerberus de onde vem o chairman da Lone Star; ou a venda da seguradora GNB Vida, avaliada em 440 milhões em 2017, por 123 milhões a uma entidade que, não sendo formalmente do corrupto condenado Greg Lindberg (a quem esteve para ser vendida por 190 milhões), partilha morada e gestores com o seu grupo financeiro. Que a própria Deloitte tenha sido contratada pelo Novo Banco para assessorar a venda da GNB Vida não é um mero pormenor nesta enorme teia de conflitos de interesses.

Conhecida a auditoria, permanecem as perguntas e apenas uma certeza: este relatório não lhes dá resposta. De resto, feito como foi e por quem foi, nunca as poderia dar.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 8 de setembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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