Um choque de realidade, outro de ousadia

porJosé Manuel Pureza

13 de abril 2015 - 0:00
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A humilhação da Grécia, a punição da escolha democrática do seu povo são a evidência de que a preservação da democracia impõe agora um confronto claro com a ordem europeia vigente.

Há uma dura realidade mostrada à esquerda em cada dia que passa na Grécia. Essa realidade chama-se Europa. A dureza dessa realidade é a demonstração de que esta Europa é uma jaula de ferro para as democracias que o queiram ser por inteiro, ou seja, que queiram assumir o espaço todo das escolhas. “A Europa tem regras” – advertem-nos os guardiões da ordem europeia. Pois tem. A democracia também. O que eles nos querem dizer é que entre as regras da democracia e as regras europeias prevalecem as da Europa. Depois das monarquias limitadas do século XIX europeu, temos agora as democracias limitadas do século XXI europeu.

A humilhação da Grécia, a punição da escolha democrática do seu povo são a evidência de que a preservação da democracia impõe agora um confronto claro com a ordem europeia vigente e a derrota das forças políticas que, em escala nacional, são, acima de todo o resto, veículos convictos dessa ordem. É esse o principal desafio feito à esquerda nas próximas batalhas políticas em Portugal.

Há os que nos convidam a não ir além do essencial do que está, mudando-lhe apenas as esquinas. Agarram-se à convicção de que a Europa é um espaço de negociação. Essa convicção, desgraçadamente, é uma fantasia: como a Grécia mostra tão cruelmente, não há negociação nenhuma, só há imposição por uns e submissão pelos demais. O que os fiéis do ‘europeísmo convicto’ têm para ilustrar essa Europa de suposta negociação permanente é tão só a tibieza de Hollande, o seu alinhamento integral com o mando de Merkel e o seu cúmplice silêncio diante da subjugação da Grécia.

A esquerda que não cedeu diante da austeridade, que não transigiu com os diktats europeus, que deu voz – na rua e no parlamento – à resistência contra a descaracterização da democracia constitucional, essa só pode partir para as batalhas que aí vêm com a ambição de responder ao choque de realidade com um choque de ousadia. Menos que isso é pouco face à agressão feita nos últimos quatro anos à vida de tanta gente.

A ousadia exigida agora é dupla. Em primeiro lugar, ousadia programática: a esquerda não pode deixar de ir aos próximos debates eleitorais com propostas claras e concretas de alternativa à austeridade e de demonstração que a rutura com o Tratado Orçamental não tem que ser o caos ameaçado pelos ‘europeístas convictos’. Em segundo lugar, ousadia organizativa: a esquerda não pode deixar de ter o arrojo de aceitar que agora é a hora para juntar as forças que não perdem tempo a olhar para o centro e criar um pólo político que tenha grandeza suficiente para galvanizar, para dar esperança concreta, para mudar a corrente do jogo.

José Manuel Pureza
Sobre o/a autor(a)

José Manuel Pureza

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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