Está aqui

A última COP

De hoje em diante o movimento pela justiça climática tem de olhar para a COP como o movimento antiglobalização olhava para a Organização Mundial do Comércio ou para o G20.

Chega ao fim a 26ª edição da Conferência das Partes da Conferência-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. A conclusão é semelhante a tantas anteriores, um adiamento permanente da única medida que pode resolver a crise climática – o fim da produção e combustão de petróleo, gás e carvão – e a promoção de negócios vestidos de acção climática – offsets de carbono, captura de carbono, novos produtos “inovadores”. A notícia relevante é que as próximas COPs vão ser no Egipto e nos Emirados Árabes Unidos, enterrando de vez a ficção de que virão daí quaisquer soluções para a crise climática. Em Glasgow realizou-se, então, a última COP.

São duas escolhas criteriosas e finais. A COP 27 no resort de luxo de Sharm-El-Sheik, Egipto, em 2023, legitimando a ditadura assassina de Abdel Fattah el-Sisi, general que afogou em sangue os revolucionários da Praça de Tahrir e a COP 28 em 2024 nos Emirados Árabes Unidos, um petro-estado governado por uma cleptocracia real. Significa a ruptura absoluta com a sociedade civil mundial. Finalmente. Nem as elites do capitalismo global continuam a fingir que ligam o mínimo aos países mais pobres, aos movimentos sociais e à sociedade, nem estes movimentos podem fingir continuar a acreditar que influenciam as decisões suicidas do capitalismo global.

De hoje em diante o movimento pela justiça climática tem de olhar para a COP como o movimento antiglobalização olhava para a Organização Mundial do Comércio ou para o G20: a única interacção útil para o movimento é impedir a sua realização, porque é nesses espaços que se organiza a destruição do que falta, a expansão das novas fronteiras de exploração capitalista, a organização da próxima ronda de acumulação dos 1%, a materialização do colapso climático.

A COP de Glasgow foi portanto a última enquanto processo de ilusões. Porque ainda as havia. Porque ainda havia muita gente que falava da COP – já com muitas reticências - como lugar onde se influenciavam decisores e decisões. Sob as ditaduras de ferro e aço de Sisi e dos sete xeques sob Al Nahyan não haverá sequer espaço para simbólicas contra-cimeiras e protestos.

Isso significa que o movimento pode finalmente libertar-se da ilusão do institucionalismo e vai necessariamente deixar de seguir a agenda capitalista global para a crise climática. No ano passado foi lançado o Acordo de Glasgow – Compromisso Climático dos Povos - exactamente com esse objectivo, de dar ao movimento novas ferramentas. O movimento pela justiça climática tem neste momento nas suas mãos a melhor chance de conseguir travar esta crise. Com o seu próprio programa, a sua própria organização e sem ter medo do seu próprio poder.

 

Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)