Está aqui

Trump e os trumpinhos

Estamos a atravessar um momento extraordinário de manipulação irresponsável, que se revela no uso de armas de sedução massiva para apresentar a eleição de Donald Trump como business as usual.

Em alguns casos, os mesmos que escarneciam da sua grosseria e da ameaça contra adversários, do insulto contra algumas jornalistas e da gabarolice pelo assédio sexual, sugerindo que tal aberração não teria nunca lugar em Washington, esforçam-se hoje por garantir o amansamento da fera, que virá a deslumbrar-se com a Sala Oval, os conselheiros serenos e o peso dos factos.

Até agora, nada disso se confirma. Encontro com Farage, sugestão de que seja nomeado embaixador de Sua Majestade nos EUA, telefonema com a presidente de Taiwan, mensagem a Le Pen, investimento do seu principal conselheiro político no apoio à Frente Nacional de França e aos italianos 5 Estrelas e Liga do Norte, tudo jogos incendiários. Dirão os trumpólogos que são traquinices antes da tomada de posse.

Pois é, mas a versão tranquilizadora choca mais uma vez com a realidade. Trump mantém os seus negócios, criando uma cortina para os esconder. Anuncia mesmo, e talvez seja o mais revelador do mundo de aparências em que vivemos, que acumula a presidência com o cargo de produtor executivo de um programa de TV, “The New Apprentice”, com salário pago pela MGM.

E, se fosse preciso mais, a indicação dos nomes para o novo governo é a prova dos nove: temos um homem da Goldman Sachs e tubarão dos hedge funds à frente do Tesouro, temos um homem que quer destruir o ministério do Ambiente à sua frente e um magnate do petróleo e amigo de Putin como número dois do governo e chefe da diplomacia. Não há um único caso em que pudesse ser pior. Nunca houve tanto dinheiro na Casa Branca e esta casta de milionários apresenta-se com um programa, desmantelar a tímida regulação do sistema financeiro que foi imposta depois do crash do subprime, ou seja, elevar o neoliberalismo ao fanatismo.

Os efeitos desta viragem são profundos e é por isso que os discursos apaziguadores são tão irresponsáveis. Aponto um único por hoje: a política está mudar e a liberdade de imprensa é a sua primeira vítima. Trump não esconde a ameaça contra a comunicação social, entre ataques a jornalistas, perseguições e discursos sobre conspirações. A CNN, a Newsweek ou o Washington Post, entre outros, mostram-se aterrados.

Mas o significado da pós-política da pós-verdade é mais amplo do que o braço de ferro contra jornalistas: a vitória de Trump representa o triunfo da não-informação contra a democracia. Neste admirável novo mundo, o debate é substituído pela gestão de sinais escolhidos em análise de bigdata, as redes sociais são minas e não plataformas, as palavras servem para criar medo e não para comunicar, os candidatos são kamikazes, a violência mede-se pelo seu tempo. Isto produz uma geração de agentes do medo, a que chamarei carinhosamente trumpinhos, os escritores que se destacam pela fabricação, pela hipérbole, pelo grotesco, pela polémica persecutória, pelo apartheid ideológico, seguidos por uma nuvem de pseudónimos e de fanáticos robotizados na internet.

Pergunta-se porque é que metade da população americana acreditou em fantasias como a participação de Hillary Clinton em rituais satânicos? Pois a resposta é simples, o tempo vertiginoso da mentira é imbatível e é isso que valoriza os trumpinhos, quanto mais extravagantes melhor. Olhe à sua volta em Portugal e veja como eles estão tão deslumbrados com Trump, acham que chegou a sua hora.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 16 de dezembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)