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Tribunais sem amianto. E escolas?

Em relação à remoção de amianto de edifícios públicos, ou Tiago Brandão Rodrigues precisa de fazer um estágio intensivo com a sua colega da Justiça ou então há muito pouco (ou nada) planeado na Educação.

O caminho era inevitável, o longo silêncio do ministro Tiago Brandão Rodrigues e as ausências patentes na proposta de Orçamento do Estado para 2020 apresentada pelo super-ministro Mário Centeno não deixavam escolha: urgia recorrer a instâncias superiores. Face à teimosa falta de seriedade com que o Governo continua a encarar o problema do amianto nas escolas, parte da solução passa por juntar forças com outras entidades e elevar mais alto a voz da comunidade educativa.

Foi isso que o Movimento Escolas Sem Amianto (MESA) fez quando, no passado dia 19 de dezembro, entregou na delegação portuguesa da Comissão Europeia, juntamente com a Fenprof, a Zero, a Quercus e o Fapas, uma queixa contra o Estado português por inação na transposição e no cumprimento de várias diretivas comunitárias relativas ao amianto.

Porque, no que toca ao amianto, os portugueses continuam a ser europeus de segunda, nomeadamente os que frequentam escolas públicas e aí passam grande parte do seu dia-a-dia. Uma atitude lastimável, tendo em conta que se trata de um problema de saúde pública e que, para mais, envolve milhares de crianças de todo o país.

A ausência da lista atualizada e completa de edifícios públicos contendo amianto, sobretudo escolas, que serviria para definir prioridades e depois para calendarizar intervenções, é já demasiado gritante para passar incólume.

Outra obrigação decorrente da lei n.º 2/2011 que não é cumprida é a informação devida aos utentes sobre os resultados da monitorização dos edifícios públicos com materiais contendo amianto. Ou seja, a comunidade educativa tem o direito, segundo a lei, de saber os riscos que corre sempre que entra na escola. Só que o ministro Tiago Brandão Rodrigues acha que isso (cumprir a lei) poderia gerar o pânico e criar alarmismo social.

Já a sua colega do executivo, Francisca Van Dunem, não partilha da mesma opinião. E as divergências são tão profundas que a ministra da Justiça não se limitou a divulgar que, em 215 edifícios da tutela do ministério que dirige, 87 contêm amianto e que, desde 2016, foram intervencionados 21. E que essas intervenções tiveram um custo de 1,2 milhões de euros. Afinal, não é assim tão difícil. E não consta que tenham lavrado vagas de pânico na Justiça por causa deste “excesso de informação”.

Mas Van Dunem não ficou por aqui: explicou que, no âmbito do Orçamento do Estado para 2020, vão ainda ser efetuados trabalhos de remoção de amianto em depósitos de água, caldeiras, autoclismos e noutras estruturas em 36 tribunais, exemplificando com os palácios da Justiça de Estremoz e Figueira da Foz, onde estarão já em curso trabalhos de remoção de coberturas de fibrocimento ou de telas de impermeabilização.

Trabalhos similares aos que terão lugar no edificado do Ministério da Justiça em Oeiras, Peniche e Vila Viçosa, que estão já em fase de projeto.

Em relação à remoção de amianto de edifícios públicos, ou Tiago Brandão Rodrigues precisa de fazer um estágio intensivo com a sua colega da Justiça ou então há muito pouco (ou nada) planeado na Educação. É dos livros – daqueles que o ministro deveria conhecer de trás para a frente – que a falta de informação leva à desconfiança e… ao alarmismo social, esse mesmo que o governante tanto tenta evitar.

A União Europeia – para quem o amianto é um problema bem real e que urge resolver – estabeleceu o ano 2032 como meta para a erradicação total do amianto de todos os edifícios. Portugal corre o risco de ficar “na cauda da Europa” caso não arrepie caminho. O primeiro passo talvez seja começar por cumprir a lei nacional. Depois, talvez seja possível almejar alcançar os parceiros europeus, que, como em tantas outras matérias, vão anos-luz à nossa frente.

Muito se tem falado e escrito (e ainda bem), nos últimos meses, sobre o problema do amianto. Há quem defenda soluções tão bizarras como operações de crowdfunding ou inéditas como angariações de fundos para viagens de finalistas, como forma de resolver o problema do amianto nas escolas.

Uma coisa é certa: o Estado somos todos, mas não é com quermesses ou a vender bifanas que vamos remover o amianto do nosso parque escolar. Para isso, existem os impostos, que todos (aí sim) pagamos para que o Governo resolva os problemas reais do país. Basta que sejam empregues no que, efetivamente, é importante!

Artigo publicado no jornal “Público” a 20 de dezembro de 2019

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