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Televisão Digital Terrestre: menos rendas, mais e melhor serviço público

O aumento da oferta pública na TDT legitima o serviço público de televisão.

Portugal tem o pior registo europeu de oferta de Televisão Digital Terrestre (TDT). Dispomos apenas de quatros canais de acesso gratuito. De acordo com os padrões comunitários é pouco. Pouco e injusto. Até porque, no que diz respeito ao serviço público, todos pagamos uma rubrica na fatura mensal da eletricidade, denominada Contribuição para o Audiovisual (CAV), em função da qual nos assiste o direito de aceder ao conjunto dos serviços de programas da radiodifusão pública em antena aberta. Tal não acontece. Pior. Querendo aceder a esses serviços excluídos da TDT, os contribuintes pagam duas vezes: pagam a CAV e pagam os pacotes dos operadores privados de televisão por cabo onde atualmente se encontram.

A TDT é um monopólio da PT, a qual, por sua vez, é proprietária da MEO. Como é possível? O que faz a entidade reguladora, a Anacom? Não haverá aqui um conflito de interesses? Há muitas questões sem resposta. Daí a necessidade de desfazer uma situação opaca, introduzindo regras de transparência e acautelando, na medida do possível e de forma negociada, os interesses das partes. É fácil? Não. Por alguma razão o Estado está para redefinir o regime da TDT desde 2009. Mas, não sendo fácil, é possível.

Considerado um dos pilares da democracia, o serviço público de radiodifusão é universalmente aceite na União Europeia. É por isso financiado, podendo esse financiamento assumir diversas modalidades num contexto em que se lhe reconhece a obrigação de fazer a pedagogia da cidadania, em contraponto com a lógica da pedagogia do consumo prevalecente na televisão privada. No Contrato de Concessão do Serviço Público de Rádio e Televisão, são invocados diversos documentos legitimadores do serviço público. Por exemplo, recuando ao Protocolo anexo ao Tratado de Amesterdão, de 10 de novembro de 1997, reitera-se que a “radiodifusão de serviço público nos Estados-Membros se encontra diretamente associada às necessidades de natureza democrática, social e cultural de cada sociedade, bem como à necessidade de preservar o pluralismo nos meios de comunicação social”. Evoca-se, também, que o Conselho da União Europeia e dos Representantes dos Estados-Membro nele reunidos a 25 de Janeiro de 1999 reafirma aquele entendimento, acrescentando que “um amplo acesso ao público, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, a várias categorias de canais e serviços constitui um pré-condição necessária para o cumprimento das obrigações específicas do serviço público de televisão”. O texto diz mais: deve-se “manter e aumentar a capacidade do serviço público de radiodifusão para oferecer ao público uma programação e serviços de qualidade, nomeadamente através do desenvolvimento e da diversificação das atividades na era digital”.

A era digital teve, tem e terá consequências de vária ordem. Comparando dados, vemos que a Grécia, por exemplo, tem 28 canais em TDT, a Espanha tem 35 e a Itália tem 118. A transição do sinal analógico para a o sinal digital permitiu emitir, numa mesma frequência do espaço radioelétrico, um número muito superior de canais. Em Portugal, no continente, onde antes havia um canal, passou a ser possível a existência de sete. De imediato, há espaço para mais três. Mas é perfeitamente possível e desejável continuar a expandir a TDT para além das possibilidades atuais.

O Bloco de Esquerda apresentou um Projeto de Lei com o intuito de tornar claro o que enferma de intolerável opacidade. Visa três objetivos complementares: proteger os cidadãos, garantindo o acesso universal ao serviço público de televisão pelo qual já pagam; proteger os operadores públicos e privados face à imputação abusiva dos custos imposta pela MEO; e proteger o serviço público de televisão, garantindo a sua difusão universal e gratuita.

O aumento da oferta pública na TDT legitima o serviço público de televisão. Serve de alavanca para um novo recomeço da TDT em Portugal, assumindo os desafios de desenvolvimento que estão prestes a bater-nos à porta nesta área. Com isto, não se provoca qualquer violação do princípio da igualdade em relação aos operadores privados. Pelo contrário, reforça-se o setor de comunicação social a curto prazo, extinguem-se lógicas rentistas que travam o desenvolvimento da TDT e recoloca-se o debate político nos desafios do futuro digital.

Artigo publicado no jornal “Público” em 6 de fevereiro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário
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