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Telescola, inclusão e bom senso

O que o isolamento social tornou evidente é que já não é mais possível negar as desigualdades sociais na escola, que nem todos estão na mesma linha de partida, e que é necessário, melhorar, condignamente os apoios sociais às famílias que têm filhos a estudar.

As últimas duas semanas de aulas do segundo período tornaram evidentes, como acontece desde sempre, a capacidade de a escola, os docentes, os alunos e as alunas se ajustarem a diretivas impostas de cima para baixo, neste caso de urgência, e, ao contrário de muitas outras, totalmente justificadas. A pandemia gerada pela doença covid 19, altamente contagiosa, colocou a trabalhar em casa muitas pessoas, entre elas, docentes e alunos.

Como aconteceu noutros setores, constataram-se desde logo duas evidências: ninguém foi de férias e tudo se fez para manter as aprendizagens em ambientes mais ou menos digitais e em ensino à distância (EaD). Há muitos relatos de experiências que correram bem. Mas também se verificou que, em muitos casos, houve uma transposição literal do ensino presencial para o on-line e que, mais grave, muitos alunos e alunas desapareceram dos radares das escolas. Aqueles que são provenientes de meios socio-económicos menos favorecidos ou que têm necessidades educativas especiais (é preciso manter esta designação, apesar dos decretos anunciarem que não, sob pena de os tornar ainda mais invisíveis) estão sem nenhuma ligação ou contacto com a escola e totalmente afastados de qualquer atividade de aprendizagem.

Estes dois factos tornaram evidente aquilo que estava (mal) escondido: as desigualdades sociais e o facto de nem todos os alunos e alunas estarem no mesmo patamar das aprendizagens. A transição, ou melhor dito, a transposição para o EaD foi precipitada e desarticulada, o que se compreende. A pressa e a impreparação não permitiram que fosse de outro modo, apesar de se registarem experiências bem-sucedidas. A sobrecarga de trabalho para os alunos e respetivas famílias e para os professores e as professoras foi evidente, com exemplos caricatos, inimagináveis e de notória exclusão social – é caso de alunos que só têm telemóvel e que saem para apanhar uma qualquer rede wifi de que não dispõem em casa...

Por estas razões, o Bloco de Esquerda apresentou um projeto de resolução que recomenda ao governo que, por um lado, procure manter uma ligação à escola e às aprendizagens e, por outro, incluir todos os alunos e alunas.

As propostas visam a manutenção do EaD sempre que possível, a complementaridade com a transmissão de programas educativos via RTP2 e ARTV, a sinalização dos alunos em situação de exclusão e a disponibilização urgente de equipamento informático e de acesso à internet, começando pelos alunos com necessidades educativas especiais.

Neste sentido, é imperioso que o Ministério da Educação assuma as suas responsabilidades nestes processos e diligencie no sentido de proporcionar as condições de aprendizagem nesta situação de exceção e durante o terceiro período. Em concreto, a criação de uma plataforma para as escolas, alunos e professores de acesso simples e a pensar nos mais novos, a disponibilização dos dois canais de sinal aberto com conteúdos e atividades, a articulação com as autarquias e com a segurança social no sentido de garantir que o mais depressa possível os equipamentos cheguem aos alunos e às alunas que deles não dispõem.

Por parte do Ministério da Educação, espera-se assertividade no esclarecimento das dúvidas e no desenho de linhas orientadoras, simples e claras, às escolas e aos docentes, mas, sobretudo, na atribuição de autonomia e flexibilidade às escolas para responder às situações excecionais que ocorram, na gestão do contacto entre os alunos e a escola, de modo a que seja possível contactar e/ou sinalizar os alunos que permaneçam incontactáveis e em situação de exclusão. Exige-se assertividade e bom senso ainda no que diz respeito às dinâmicas do ensino profissional, de modo a que sejam menos burocráticas e rígidas; que a avaliação do terceiro período reflita o estado de exceção, o que implica a suspensão das provas de aferição e das provas finais do 9º ano; que assuma medidas extraordinárias de acesso ao ensino superior, no caso do 12º ano. Por último, que se baixe as expectativas quanto à aprendizagem de conteúdos novos, sobretudo junto dos mais novos, em particular nos primeiros dois ciclos.

Numa situação excecional de confinamento junto das famílias é altura de consolidar, de desafiar a curiosidade, o gosto por aprender, descobrir e pesquisar e não de inculcar e avaliar novos conteúdos em ambientes e processos on-line não ajustados, díspares e de valor pedagógico e didático duvidoso.

Sejamos claros. Ninguém gosta ou defende a telescola. Ninguém defende que o EaD substitui o ensino presencial. Têm o seu espaço, mas essa é outra discussão. A ideia é a da complementaridade, a da inclusão de todos, a da democracia quanto ao acesso e a de não deixar nenhum aluno ou aluna para trás. O que o isolamento social tornou evidente é que já não é mais possível negar as desigualdades sociais na escola, que nem todos estão na mesma linha de partida, e que é necessário, melhorar, condignamente os apoios sociais às famílias que têm filhos a estudar.

Sobre o/a autor(a)

Professora de História e Sociologia da Educação. Dirigente do Bloco de Esquerda
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