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Solução Sócrates é a maior ameaça contra as pessoas e contra a economia

Se há desemprego, a solução Sócrates não é promover a criação de emprego mas sim facilitar o despedimento. Se há desempregados sem subsídio e atirados para a miséria, a solução Sócrates é diminuir a indemnização no momento do despedimento.

Há duas semanas, a greve geral promovida por todos os sindicatos paralisou o país. Há mais de vinte anos que não se erguia uma resposta social como esta, em nome do respeito pelo salários e pelas pensões, em nome do emprego e da dignidade. Esta foi a resposta necessária pela voz da maioria.

Nesse dia, o governo prometeu que ouviria os grevistas. No dia seguinte, garantiu que responderia à crise económica com um plano de crescimento para criar emprego. Agora ficamos a conhecer a sua resposta: José Sócrates quer facilitar os despedimentos através da redução das indemnizações às vítimas.

Se há desemprego, a solução Sócrates não é promover a criação de emprego mas sim facilitar o despedimento. Se há desempregados sem subsídio e atirados para a miséria, a solução Sócrates é diminuir a indemnização no momento do despedimento.

Os trabalhadores que fizeram a greve nos transportes, nos serviços públicos, no sector privado, ficam a saber que o governo não os ouviu porque quer persegui-los com a diminuição dos seus direitos. Os trabalhadores que não fizeram greve, porque têm emprego precário e contratos temporários, sabem que o governo os coloca na mira da facilitação do despedimento.

A solução Sócrates de promoção do despedimento é a maior ameaça contra as pessoas e contra a economia. E bem se verifica a convergência entusiasmada do PSD e do CDS com a solução Sócrates.

É essa ameaça que temos que vencer.

Uma semana depois da Comissão Europeia ter feito saber que entende que Portugal deve tornar mais fácil o despedimento, uma pretensão prontamente negada por José Sócrates e Helena André, eis que os mesmos José Sócrates e Helena André se preparam para diminuir as indemnizações de despedimento.

As declarações do primeiro-ministro tornaram-se no teste do algodão da política portuguesa. Quando José Sócrates aparece a negar ou repudiar uma iniciativa, sabemos que é uma questão de tempo até que o Governo apresente como seu o que antes criticava.

De resto, as declarações convictas e inflamadas do primeiro-ministro não começaram há uma semana. Sabemos o que disse no Verão passado. Na altura, José Sócrates e os principais dirigentes do PS passaram semanas e semanas a zurzir na flexibilização dos despedimentos. Há escassos meses, estamos lembrados, era uma proposta “radical” do PSD e uma medida “injusta” para os trabalhadores.

Quando faz sol, José Sócrates encarniça-se contra qualquer medida que facilite os despedimentos, quando vem a chuva já é uma medida para promover o crescimento. Como em tudo o resto neste Governo, tem dias.

O ministro das Finanças diz que a economia nacional ganhava se os privados seguissem o exemplo dos cortes salariais na função pública. Uma das medidas com maior impacto do primeiro PEC é a diminuição das prestações sociais aos desempregados. Agora é o Governo que apresenta uma suposta agenda para o crescimento que passa pela diminuição da indemnização dos despedimentos, facilitando-os quando o desemprego em Portugal nunca conheceu números tão altos. Em todas estas medidas o mesmo padrão: são os trabalhadores que estão a pagar o ajustamento das finanças públicas e os maus números da economia.

Acreditar que os problemas da competitividade nacional residem na massa salarial e nos custos do trabalho é persistir no erro que trouxe a economia até ao estado que conhecemos. Bem pode o Governo ocupar as semanas a elogiar a aposta na inovação e no conhecimento. Quando as coisas apertam, viram-se para os suspeitos do costume. Os trabalhadores.

Sabemos agora que os custos do trabalho em Portugal, muitas vezes utilizados para defender a flexibilização laboral e a diminuição dos direitos e salários, foram inflacionados durante anos por um erro do Banco de Portugal. Repare-se que não estamos a falar de um pequeno detalhe, mas de uma diferença de 11 pontos percentuais, diferença essa que justificou anos e anos de contenção salarial.

Fernando Ulrich, um dos responsáveis económicos que tem reclamado a prioridade da flexibilização dos despedimentos, declarou que, se a lei fosse alterada, despediria vinte trabalhadores. Numa empresa com mais de 9500 funcionários, estamos a falar de 0,2% da força de trabalho. O objectivo está longe de ser aumentar a eficiência empresarial, mas reforçar o autoritarismo por força do medo, tornando a instabilidade profissional uma constante no dia-a-dia das pessoas.

Entender que se reforça a competitividade nacional mexendo num factor tão marginal nos custos empresariais, ao mesmo tempo que se aumenta de forma absurda a factura energética, é o exemplo vivo da irracionalidade económica desta perseguição social.

Atentemos no exemplo da Groundforce, uma das últimas empresas a anunciar um despedimento colectivo. Um ano antes de demitir mais de 300 trabalhadores, alegando que o fazia para defender a viabilidade económica da empresa, distribuiu prémios aos seus administradores. A situação da empresa é boa para distribuir prémios e mordomias aos gestores, mas é má para os trabalhadores, que ficam sem o seu posto de trabalho. Os dois pesos e duas medidas no seu esplendor.

O que arrasta a economia nacional para baixo não são os trabalhadores, ou os salários baixíssimos, mas medidas como o brutal aumento da factura para as empresas, um acréscimo de dezenas de milhões de euros em algumas das maiores exportadoras nacionais, ou o aumento da carga fiscal. Qualquer uma delas tem maior efeito na competitividade das empresas do que qualquer hipotético avanço com as medidas que o Governo pretende aplicar.

Apesar dos números da economia, que tornam claro a irrelevância dos custos do trabalho no atraso económico nacional, instado a escolher entre a voz dos trabalhadores, que disse que iria escutar, e a agenda liberal da Comissão Durão Barroso, também defendida por Cavaco Silva, José Sócrates escolheu os seus parceiros. Porreiro, para quem, pá?

Declaração política do Bloco de Esquerda na Assembleia da República – 9 de Dezembro de 2010

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, funcionária pública.
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