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A solução Nobel

Os factos comprovam uma ideia: a de que as soluções implementadas, porque estão concebidas com base nos mesmos pressupostos económicos que nos trouxeram à crise, só podem agravar o problema em vez de o resolver.

Uma rápida passagem pela imprensa destes últimos dias e fica-se com a clara ideia de que a economia mundial está mais frágil. Apenas uns dias antes do anúncio de mais um corte no rating da dívida soberana grega (o mais baixo do mundo ao momento), Nouriel Roubini1, alertava para a difícil recuperação da economia mundial, perante um cenário de estagnação da economia chinesa e japonesa, de crise orçamental nos EUA e de permanente adiamento da questão da dívida privada e pública na Europa.

Cada vez mais somos confrontados com os factos que comprovam uma ideia há muito defendida por alguns famosos (e muitos não famosos) economistas: a de que as soluções implementadas, porque estão concebidas com base nos mesmos pressupostos económicos que nos trouxeram à crise, só podem agravar o problema em vez de o resolver.

Nos EUA, Paul Krugman, Nobel da Economia, declarava num artigo intitulado “Governados por rentiers2” que está “cada vez mais convencido de que [a paralisia das políticas transatlânticas] é uma resposta à pressão dos grupos de interesse. Conscientemente ou não, os decisores estão a servir quase exclusivamente os interesses dos rentiers”.

Mas não só a paralisia política, no que diz respeito a políticas públicas, tem beneficiado a classe rentista, já que para isso também serviram as importantes acções governativas anti-crise. Escreve o Expresso3, com base nas declarações do economista Peter Cohan, acerca do destino das injecções de dinheiro público nos mercados americanos: “Para onde foi essa inundação de dinheiro? Não para a economia real. Os bancos aumentaram as suas reservas na Reserva Federal (FED) e embrenharam-se na especulação financeira uma vez mais.”

Na Europa a situação agrava-se, já que para além das poderosas injecções de capitais públicos no sistema financeiro, com os mesmos resultados práticos verificados nos EUA, a política tem sido a de combater o endividamento e a recessão com a mais dura austeridade, na esperança (tão católica) de que o castigo nos traga a merecida redenção. Mas também não parece estar a surtir efeito. Visivelmente são os mais países mais comprometidos com a austeridade que vêem a sua situação piorar, de dia para dia.

Nada que outro Nobel da Economia, Joseph Stiglitz, não tivesse previsto, quando afirmava que “a estratégia de austeridade é uma estratégia que vai condenar os EUA e a Europa à estagnação, ao baixo crescimento e, por sua vez, o défice não poderá melhorar muito.”

Mas não é o único. Voltemos a Paul Krugman: “Os defensores da austeridade previram que os cortes da despesa iriam dar dividendos rápidos ao restaurarem a confiança, e que existiriam poucos, se alguns, efeitos adversos no crescimento e emprego; mas estavam errados”.

O que fazer então para lidar com os problemas do endividamento sem comprometer o crescimento e o emprego? Uma primeira medida, entre muitas, afigura-se urgente e inevitável, tendo em conta a actual rota dos acontecimentos – a reestruturação da dívida pública, acompanhada (é claro) de uma auditoria séria e isenta sobre a natureza dessa mesma dívida.. E sobre esta ideia concordam os três Economistas (dois prémios Nobel), Krugman (http://aeiou.expresso.pt/grecia-portugal-e-irlanda-nao-vao-conseguir-pagar-a-divida-diz-krugman=f650756), Stiglitz (http://raivaescondida.wordpress.com/2011/06/07/stiglitz-a-austeridade-condena-a-europa-e-os-eua-a-estagnacao/)e Roubini (http://sicnoticias.sapo.pt/Lusa/2011/05/26/grecia-economista-roubini-defende-reestruturacao-ordenada-da-divida-grega).

Rejeição das injecções de dinheiro nos mercados financeiros, denúncia da austeridade enquanto falsa saída da crise e defesa de soluções alternativas para o endividamento e a recessão. Em relação a todos estes tópicos o Bloco de Esquerda tem sabido ler os sinais económicos e procurado apresentar soluções consistentes e responsáveis. As opiniões que cada vez mais se nos juntam (muitas improváveis até), e com as quais procuramos comunicar, deviam pelo menos fazer repensar os mais cépticos: a defesa obstinada, por teimosia ideológica, da austeridade enquanto solução não é a resposta responsável, bem pelo contrário.


1 Conhecido Economista, famoso por ter previsto a crise financeira de 2007

2 “Rentiers é a palavra, usada em economia, para os que vivem de rendas financeiras” (definição do Expresso)

3 Noticia do Expresso aqui

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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