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Solidariedade internacionalista com os povos em luta

Agora que o povo chileno está a ser violentado pela sombra de Pinochet, que os generais ocupam as ruas de Santiago e Valparaíso, é tempo de refletirmos sobre como chegámos até aqui.

“Prefiro os países conquistados aos conquistadores. Prefiro guardar certa reserva. Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem”, escreveu Wislawa Szymborka no poema Possibilidades. Quando foi laureada com o Nobel da Literatura em 1996, o mundo e a economia capitalista, na sua expressão mais violenta e mais brutal, a da globalização neoliberal, já caminhava para o abismo. Estávamos numa época em que o liberalismo económico e político tinha triunfado e se tornara hegemónico em quase todo o globo. Era uma vez um tempo que alguns por ignorância e outros por cinismo resolveram chamar de Fim da História. Desde essa época já se passaram duas décadas e uma crise do capitalismo pelo meio. A constatação geral é taxativa e está à vista de todos: a História, que tanto liberais como pós-modernos quiseram meter na gaveta, regressou com estrondo e trouxe com ela o monstro do fascismo e a esperança dos movimentos sociais que varreram o mundo no pós-crise de 2008: o Occupy Wall Street, o movimento do Indignados em Espanha, a Primavera Árabe, e mais recentemente o Nuit Debout e o moviemento dos coletes amarelos na França das nossas vidas.

Em 2010, Warren Buffet afirmou que “existe uma guerra de classes e aliás, é a minha classe, a dos milionários, que a está a vencer”. A crise que roubou o emprego e o pão a milhões de trabalhadores, destruiu a chamada classe média e a proletarizou, demonstrou claramente a necessidade do proletariado moderno retomar a luta de classes, agora em condições muito mais difíceis que no passado, com uma falta de unidade dos explorados gritante, que deriva da destruição da solidariedade entre trabalhadores que o neoliberlismo conseguiu impor. Sabemos que a rutura do pacto social foi feita pela burguesia e não pelo nosso campo, sabemos do consenso entre sociais liberais e conservadores na Europa para desmantelar o Estado Social e as conquistas preciosas do pós-guerra e sabemos que não nos deixam alternativa senão resistir à nova vaga de terapia de choque que está a caminho, ainda mais dura, ainda mais brutal, com a nova crise do capitalismo que está para vir, mais cedo do que tarde, e que agitará as águas ao ponto de criar tsunamis, isto é, terá consequências imprevisíveis mas certamente fortes e impactantes que abalarão e marcarão as próximas décadas. Esses tsunamis podem fazer pender a balança para o campo da reação e do fascismo, como na década de 30, ou, pelo contrário, abrir caminho para a Revolução Socialista que ainda não vislumbramos no horizonte mas que não devemos perder de vista, sob pena da extrema direita deixar de conspirar na sombra e se lançar ao assalto do poder com ainda mais determinação.

Os surpreendentes acontecimentos políticos dos últimos dias reforçam a necessidade de solidariedade internacionalista para com todos os povos e para com os pobres do mundo. Agora que o povo chileno está a ser violentado pela sombra de Pinochet, que os generais ocupam as ruas de Santiago e Valparaíso, é tempo de refletirmos sobre como chegámos até aqui. O paraíso de Milton Friedom e de todos os facínoras liberais e conservadores, de Thatcher a Reagan, está finalmente a revelar-se como um verdadeiro inferno para quem trabalha. As vítimas do ultraliberalismo imposto a toque de caixa pelos donos do mundo e pelos seus lacaios petulantes está a dar o berro, agora que os povos despertam, e um evento fortuito, como o aumento do preço do bilhete de metro, é a gota de água, é o passo em falso, é demais para quem suportou 30 anos de políticas de direita, uma constituição e uma transição cozinhada pelos herdeiros da ditadura (no Chile como no Estado espanhol) . Também no Equador um enorme moviento de protestos pôs o país a ferro e fogo e conseguiu vencer o FMI, o seu pacote de medidas anti-populares e o seu presidente, o traidor Lenin Moreno, o mesmo que vendeu Assange, quer dizer, a nossa liberdade, a imprensa livre, aos Estados Unidos. Seria ingénuo da nossa parte pensar que perante tanta dor social as vítimas das crises e das troikas se portariam ordeiramente, manifestando-se pacificamente e de forma bem comportada. A insubmissão é a marca desta vaga de contestação que vai tomando forma, no Chile, no Equador, na Catalunha, no Líbano, na Argélia, tendo tendência a propagar-se e a ser contagiosa. Porque uma luta nunca vem só, e o denominador comum destes movimentos sociais é a luta pelos direitos, pela repartição da riqueza, pela justiça social, pela independência e pela autodeterminação dos povos.

Numa intervenção no parlamento francês, a deputada da França Insubmissa Mathilde Panot fez referência a estes países e ao estado de espírito dos franceses, asseverando que a esquerda, os trabalhadores e os sindicatos franceses não deixariam em paz o “Presidente dos Ricos”, expressão que acenta que nem uma luvra a Macron. A 5 de dezembro começa uma onda de greves que poderá desembocar numa greve geral ilimitada contra a desigualdade, a pobreza e as políticas destruidoras levadas a cabo pelo radical de mercado que ocupa o Eliseu no momento presente.

Este novo fôlego que o povo nos traz vem de longe e ajuda-nos no caminho que temos pela frente. Só retomando o fio vermelho das lutas pelo socialismo teremos hipótese de enfrentar e vencer o inimigo, invertendo a relação de forças e abrindo caminho para a construção de uma sociedade sem classes. O caminho pode ser estreito e sinuoso, mas temos a certeza funda de que, com memória histórica e compromisso com o futuro, com a força das conquistas que os cravos vermelhos que trazemos ao peito a cada 25 de abril tão bem simbolizam, saberemos como lá chegar. No instante ameaçado e prometido, a nossa solidariedade é com os pobres do mundo, que finalemente avançam. Louvamos a sua determinação e estamos ao seu lado para que os nossos sonhos sejam mais fortes do que a ditadura dos mercados. Porque somos os herdeiros de todos os que foram semente, também saberemos sair da sombra do vento e ganhar as ruas para construir o socialismo. E em dias de cinza e morte calculada, ainda que nos julguem derrotados, saberemos ser estátua firme contra a barbárie que cresce a cada dia que passa. Porque somos os filhos de abril, essa revolução que é nossa e que é do mundo inteiro, nós faremos cantar os amanhãs.

Sobre o/a autor(a)

Estudante universitário e dirigente concelhio do Bloco no Porto
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