A última semana tem sido marcada pela irresponsável cacofonia de responsáveis europeus sobre o futuro da Grécia. A julgar pelas incendiárias ameaças do eixo da austeridade permanente, os problemas da Grécia parecem ter começado nas últimas eleições. Parece que os gregos insistem neste empecilho fora de moda de querer decidir o seu futuro, mas, como diz Durão Barroso, “as decisões democráticas da Zona Euro devem ser tidas em conta”.
Onde Durão Barroso fala das “decisões democráticas da zona euro”, deve ler-se o respeitinho que é devido às imposições alemãs sobre o destino de um país e de um povo da União. Foi assim quando Papandreu quis marcar um referendo sobre as medidas de austeridade, e acabou por sair entregando o poder a uma coligação não eleita; e foi assim quando, vez após vez, a chanceler alemã apareceu a querer ditar a agenda política da Grécia.
A principal revista alemã antecipa a saída da Grécia do Euro, um cenário admitido candidamente pela diretora do FMI, e as agências de notação falam em descidas massivas dos ratings dos países da União. A pressão sobre a Grécia é cada vez mais sufocante.
Quem quer que tenha chegado agora à Europa, e assista a este triste espetáculo, poderia até julgar que estava tudo a correr sobre rodas na Grécia, e que inesperadamente os relapsos dos gregos decidiram estragar a festa.
Não fosse o crescimento eleitoral dos partidos de esquerda e, com mais sacrifício ou menos sacrifício, tudo estava bem encaminhado. É verdade que, desde que o país ficou refém de um acordo suicidário com o FMI e a União Europeia, a produção do país caiu mais de 10 pontos, o desemprego já afeta 23 em cada 100 cidadãos e 1 em cada 2 jovens está desempregado. Mas isso agora não parece interessar nada.
Porque aos gregos não resta outro destino que não cumprir o acordado, ameaça o ministro das Finanças alemão. Um acordo que é inegociável, disse, em nome da suposta estabilidade do euro.
Não. Entendamo-nos: não são os gregos que ameaçam o euro. A ameaça ao euro é a intransigência de Merkel e dos seus clones, ao impor o sacrifício coletivo dos povos europeus para proteger os ativos do sistema financeiro. Como disse hoje mesmo o líder da coligação de esquerda grega, Syriza, “não é a resistência grega que está a ameaçar a zona euro, mas a austeridade da troika”.
Só há uma solução para a crise do euro: crescimento económico, criação de emprego. O que não é possível, nem viável, é manter países condenados a anos e anos a fio de recessão.
O que é assustador nos últimos três anos da história da Grécia é saber que todo este sofrimento podia ter sido evitado. À medida que os sucessivos pacotes de austeridade foram impostos aos gregos, à medida que se apertou o garrote e se fabricou a pobreza e o desespero, foram inúmeras as vozes, da política à ciência económica, que alertaram que a política seguida pela União Europeia só podia significar uma descida aos infernos da população grega, sem nenhuma perspetiva de resolução da crises da dívida, e sem nenhuma perspetiva de recomposição económica e recuperação. Os resultados sociais da política da troika na Grécia mostram que todas essas vozes tinham razão – não há qualquer inteligência na política de austeridade.
Ao longo desses anos, a União Europeia, refém da ortodoxia mais cega e perigosa, mostrou apenas a sua incompetência e negligência. Decisões tardias, erradas, socialmente cruéis. Que desembocaram agora num Tratado orçamental europeu, que é consagração da austeridade não apenas como política mas como valor moral. É um delírio perigoso das elites dirigentes da União Europeia – e um delírio a que todos os que acreditam na democracia europeia como espaço e direitos têm o dever de combater e derrotar.
O povo grego conhece, bem como ninguém, o resultado da chantagem da austeridade. É o desemprego galopante, uma economia parada, gerações sem futuro. Decidiu, contra todas as ameaças, fazer o que só à democracia compete: decidir, escolher e tomar a responsabilidade nas suas mãos.
Pretender terraplanar, como tem acontecido na última semana, a rejeição popular da austeridade da troika não é apenas um risco para a Grécia, mas a certeza do fracasso europeu. A ideia de que pode existir Europa onde a democracia é um ornamento, mas sem poder real de determinar as escolhas dos povos - esse sim, é o principal risco desta crise.
Por estes dias, o futuro da Europa joga-se na Grécia. É a primeira vez que um povo se levanta contra a obstinação recessiva do governo alemão. Os gregos rejeitaram a austeridade, que faz da expiação moral de um povo uma experiência social para toda a Europa.
E é por isso que a coligação dos partidos que, há 3 anos valia 80% dos votos, foi a grande perdedora das eleições. A austeridade implodiu a alternância bipartidária que, à vez, governou a Grécia nas últimas três décadas.
No contexto desta viragem, há uma força que emerge, que tem resistido a todas as pressões e mantém a sua palavra perante os gregos e a Europa. A lição que a coligação de esquerda Syriza nos tem dado é que é possível fazer frente ao eixo alemão e desenhar uma política de cooperação para o crescimento económico. Que essa vontade é a resposta democrática que a Europa tem que construir, que esse é o caminho de refundação da Zona Euro.
Os gregos inventaram a democracia há 2500 anos, agora estão a ajudar a reconstruir democraticamente a Europa contra a austeridade e desemprego. O Bloco de Esquerda manifesta a sua solidariedade com a democracia grega contra a chantagem da austeridade.
Declaração política na Assembleia da República a 17 de maio de 2012