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Sobre a Dualidade Ideológica Inerente às Ciências Sociais

Numa época em que vemos “liberais” a pregar falsos dogmas e a gritar “doutrinação!” quando algo não é da cor que lhes agrada, é urgente acentuar a dualidade ideológica presente em muito do que é o conhecimento produzido.

Quando tomei a decisão de me inscrever no Bloco de Esquerda, uma das questões que me colocaram foi se achava que, estudando economia, havia alguma contradição inerente entre o que aprendia - os modelos e os seus resultados – e as minhas ideias políticas. A minha resposta era e é, sempre, um assertivo “não”.

Numa época em que vemos “liberais” a pregar falsos dogmas e a gritar “doutrinação!” quando algo não é da cor que lhes agrada, é urgente acentuar a dualidade ideológica presente em muito do que é o conhecimento produzido. Voltando à economia: dizer que esta é de qualquer forma uma ciência completamente exata será tão desonesto como mal intencionado. Se os modelos económicos estão assentes em premissas a qualquer altura falíveis e as próprias fontes de dados das análises empíricas muitas vezes já têm um pendor ideológico, qualquer pretensa a uma verdade técnica e universal deve ser desconfiável. Resta-nos concluir que a economia é, como qualquer outra ciência social, ideológica e, por vezes, bastante.

O que se passa hoje em muitas faculdades de economia, depois de décadas de um subfinanciamento público crónico à escala global - cortesia de um modelo neoliberal de redução dos “tentáculos opressores” do estado – a investigação é cada vez mais financiada por bolsas e donações de entidades privadas: fundações, empresas ou não-tão-inocentes filantropos. Necessariamente isto cria um pendor ideológico que se apresenta ao exterior como um falso consenso científico.

O problema chega-nos, efetivamente, quando este falso consenso consegue influenciar diretamente o poder de decisão político: ainda se lembram do “choque fiscal” de Durão Barroso? O mesmo conceito que funcionou tão bem para a economia americana durante a administração Reagan… E com isto assistimos a um desfile de más políticas económicas para a maioria da população, desde a desregulação dos mercados financeiros à sucessiva redução do peso do estado na economia. Passando sempre, claro, pela perceção não tão correta de que um estado deve incorrer em superavits – uma ideia que ainda esta semana o PR repetiu idioticamente.

Todo este ecossistema contribuiu, direta ou indiretamente, para a crise financeira de 2008. A resposta de muitas faculdades de economia pelo mundo fora? Implementar nos seus currículos disciplinas de ética ou responsabilidade social. Mas quando, pelo menos em Portugal, muitas dessas disciplinas são lecionadas por fundamentalistas conservadores, o seu resultado fica, naturalmente, muito aquém do esperado.

Então qual será a solução? Serão várias: entre resolver o problema de subfinanciamento crónico que o estado tem descuidado ao emprego científico – veja-se as reivindicações do recém-formado Movimento 8%; a reconhecer que, no caso das ciências sociais, estas devem ter uma dualidade ideológica reconhecida uma vez que são manifestações da própria maneira de encarar a sociedade e todas as suas especificidades (ao invés de satisfazer as aspirações apenas de uma reduzida porção da mesma).

Esperava um dia ver muitos dos novos ditos “liberais” a não tentar limitar o pensamento critico dos outros, especialmente no que toca ao ensino de ciências sociais, muito menos quando isso se traduz numa forma de perseguição aos professores. Convém não esquecer que das crónicas ocas em jornais de mecenato de direita até à “Escola sem Partido” de Bolsonaro é um saltinho.

Sobre o/a autor(a)

20 anos. Aluno do 3º ano da licenciatura em Economia da Nova SBE. Membro do Bloco de Esquerda
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