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SNS: uma gralha no programa do governo

O programa do governo dedica 2051 palavras à política de saúde, melhor dizendo, ao sistema de saúde. O programa não é sobre os problemas do SNS e as medidas para a sua modernização e desenvolvimento mas sobre a redução de direitos e a privatização de centros de saúde e hospitais.

O programa do governo promete fazer implodir o estado social: a segurança social vai ficar na órbita dos grupos financeiros, as políticas sociais são substituídas pela caridade institucionalizada e o Serviço Nacional de Saúde vira negócio para os privados.

PSD e CDS falam de sistema nacional de saúde e não do serviço nacional de saúde, confundindo deliberadamente conceitos e realidades diferentes: o primeiro, inclui serviços públicos e privados; o segundo, aquilo que é público e da responsabilidade do Estado.

O programa do governo dedica 2051 palavras à política de saúde, melhor dizendo, ao sistema de saúde. O programa não é sobre os problemas do SNS e as medidas para a sua modernização e desenvolvimento mas sobre a redução de direitos e a privatização de centros de saúde e hospitais. Não admira pois que naquelas 2051 palavras apenas seis vezes apareça a sigla SNS, qual gralha no programa do governo.

O programa anuncia a privatização quer de cuidados primários de saúde (centros de saúde) quer da gestão hospitalar. Não há qualquer evidência que a privatização de serviços de saúde traga qualquer benefício no domínio da eficiência e da redução da despesa. Ao contrário, a prolongada experiência do Amadora-Sintra mostrou-se desastrosa para o Estado, desastre que se desenha nos hospitais de Cascais e de Braga, hospitais cuja gestão foi recentemente entregue aos privados pelo governo de Sócrates.

Só por preconceito ideológico se pode defender a superioridade dos privados na gestão hospitalar. Aliás, não deixa de ser significativo que, para dirigir os seus novos hospitais, os grandes grupos privados vão buscar os seus directores às administrações dos hospitais públicos…

A privatização quer de serviços quer da gestão de unidades do SNS não é para melhorar o SNS. É para alargar as sinergias com os hospitais privados, potenciando a rentabilidade da sua exploração pelos grupos financeiros que investiram forte e feio no negócio da saúde. É esse o objectivo.

O programa adianta mudanças no modelo de financiamento do SNS que, actualmente, é realizado através do orçamento de Estado. O programa fala em “financiamento de base solidária”, conceito equívoco e que esconde o que PSD e CDS pretendem fazer.

Mais solidário que o modelo em vigor não é possível. Os portugueses são solidários no financiamento do SNS através dos impostos que lhes são cobrados em função dos seus rendimentos: contribuem mais para o OE e para o SNS os cidadãos de maiores rendimentos e, ao contrário, os de menores rendimentos dão um contributo menor. E todos podem recorrer ao SNS em igualdade de condições.

Financiamento de base solidária, o que é? Um novo imposto para financiar o SNS? Pagamento dos cuidados prestados, em função dos rendimentos (doentes de 1ª, doentes de 2ª)? SNS suportado por um sistema de seguro de saúde meio público, meio privado, financiado em parte pelo estado e completado por contribuição (prémio) do beneficiário?

Uma coisa é certa e está muito clara no programa do governo: PSD e CDS preparam-se para reduzir o acesso aos cuidados de saúde a que hoje todos têm direito e fazer os portugueses pagar mais por esses cuidados. Não apenas porque vão reduzir a comparticipação nos medicamentos e no transporte dos doentes, entre outras prestações, mas porque vão reduzir e impor um limite ao recurso e à utilização dos serviços do SNS.

É esse o significado do anunciado Plano de Prestações Garantidas que o programa do governo refere mas não explica. Não pode ser outro o seu significado: para quê um plano de prestações garantidas se, hoje, todas elas são e estão garantidas para qualquer cidadão? O governo quer impedir o acesso universal aos cuidados de saúde, quer impor limites aos cuidados a que hoje qualquer cidadão pode aceder se deles necessitar. Que cuidados de saúde vão deixar de estar acessíveis a todos os portugueses? Que cuidados ficam garantidos e que cuidados deixam de ser garantidos? Qual é o critério para impor esses limites: a frequência de utilização dos serviços? Certas doenças? A idade do doente? O custo do tratamento?

Não tenhamos qualquer dúvida: PSD e CDS querem acabar com o SNS tal como ele é hoje. O sentido dessa intenção é muito claro: alargar o volume de negócios dos grupos privados na saúde, reduzir o direito e o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde e fazer os portugueses pagar mais pelos cuidados que recebem.

Com este governo, com a direita no poder, a defesa do SNS e do direito à saúde não podem deixar de estar na primeira linha da resposta da esquerda socialista.

Sobre o/a autor(a)

Médico. Aderente do Bloco de Esquerda.
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