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Sim, é necessária uma nova Lei de Bases da Saúde
No dia 19 de dezembro de 1978, António Arnaut apresentou o projeto de lei que viria a instituir o Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Adjetivava-o de humanista “porque visa libertar o homem do espectro da doença e o doente da angústia do desamparo; porque toma o homem como sujeito de direitos e elo da grande cadeia solidária da comunidade”.
A Lei de Bases de que o SNS necessita deve:
1) fazer separação entre público e privado;
2) promover carreiras dos profissionais;
3) acabar com taxas moderadoras;
4) garantir que o SNS tem financiamento adequado;
5) colocar a prevenção da doença e a promoção da saúde no centro das políticas públicas
O Serviço Nacional de Saúde é um fator de justiça social, de solidariedade, de redistribuição. É uma questão de direitos humanos ao ser o garante do acesso à Saúde.
Mas o SNS teve sempre os seus inimigos. O PSD e o CDS, por exemplo, votaram contra a sua criação porque queriam um modelo onde o Estado pagava, mas não prestava serviços. Sempre viram a saúde como um negócio e não abandonaram essa ideia. Tanto que em 1990 aprovaram uma Lei de Bases onde escancararam as portas do SNS ao saque dos privados.
Nessa lei diz-se que cabe ao Estado apoiar “o desenvolvimento do setor privado de prestação de cuidados de saúde (…) em concorrência com o setor público” e, mais do que isso, que “o apoio pode traduzir-se, nomeadamente, na facilitação da mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de Saúde que deseje trabalhar no setor privado, na criação de incentivos à criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos de internamento em cada região de saúde”.
A partir daqui vieram as PPP, veio a transferência de milhares de milhões de euros do Orçamento do SNS para privados, veio a falta de investimento no SNS para justificar a maior compra de serviços a convencionados.
A esta despudorada abertura ao negócio, a Direita acrescentou o ataque às carreiras e a degradação das condições de trabalho no SNS, promovendo a fuga de profissionais. Veio, mais recentemente, o aumento das chamadas taxas moderadoras para valores incomportáveis, orientando os utentes para a procura de soluções privadas de saúde.
A consequência de tudo isto está à vista: 40% do orçamento anual do SNS vai direitinho para fornecimentos e serviços externos. Traduzindo: são mais de €3.700 milhões anuais que são transferidos do SNS para privados.
Hoje em dia gastam-se quase €500 milhões por ano em PPP na Saúde, para depois faltar dinheiro aos hospitais públicos para contratar os profissionais que necessitam.
Gastam-se mais de €1.200 milhões em convencionados para meios complementares de diagnóstico e outros subcontratos, ao mesmo tempo que se deixa acumular a obsolescência dos equipamentos, obrigando a um recurso cada vez maior aos privados.
Gasta-se cada vez mais dinheiro em empresas e prestação de serviços, mas teima-se em não se investir nas carreiras e nas condições de trabalho. Resultado: listas de espera que colocam em causa o acesso à saúde.
Se queremos um SNS forte e capaz de dar resposta aos novos desafios de saúde, sejam eles demográficos, tecnológicos ou outros, então temos que o libertar do parasitismo que o está a sugar. Isso tem que ser feito com uma nova Lei de Bases da Saúde que revogue a Lei de Bases da Direita.
É preciso instituir um SNS geral, universal, gratuito e de gestão integralmente pública, num sistema onde os privados são meramente supletivos e nunca concorrenciais.
A Lei de Bases de que o SNS necessita deve: 1) fazer a separação entre o público e o privado; 2) promover as carreiras dos profissionais e incentivar a dedicação exclusiva ao SNS; 3) acabar com as taxas moderadoras; 4) garantir que o SNS tem ao seu dispor o financiamento adequado para uma prestação de serviços verdadeiramente geral; 5) colocar a prevenção da doença e a promoção da saúde no centro de todas as políticas públicas.
A discussão que importa ao SNS não é sobre como repartir o bolo entre os vários interesses que se alimentam da Saúde. É sobre como libertar o SNS desses interesses privados, de forma a que o interesse a prevalecer seja o do utente.
E desengane-se quem acha que pode fazer a luta por um SNS público e de qualidade sem fechar a porta da privatização e do negócio privado que a Lei de Bases de 1990 abriu.
O projeto de lei que o Bloco de Esquerda leva a discussão dia 22 de junho parte do importante trabalho de António Arnaut e João Semedo por uma Lei de Bases que salve o SNS, que feche definitivamente a porta do negócio e consagre a Saúde como um Direito. Alguém se oporá a tal princípio?
Artigo publicado no jornal “Público” de 16 de junho de 2018
Comentários
As PPP são úteis se
As PPP são úteis se correctamente se encaixarem na organização da saúde nacional, se forem correctamente adjudicadas e se forem correctamente inspeccionadas e fiscalizadas.
Para quê comprar um avião se não há dinheiro para a aquisição, para a operacionalidade e para a manutenção se é possível fazer viagens aéreas cómodas, seguras e a preços aceitáveis?!
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