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“Sex Education”, lá bem nos 80’s

Sex Education é uma boa série. Atores de uma nova geração, um argumento pedagógico e uma produção bem 80’s. Especificamente no nosso país, é mais do que isso: serve de serviço público que a Escola nunca teve na prática.

Sex Education é uma boa série, uma lufada de ar fresco num tempo de reacionarismo e escalada da(s) violência(s). Atores de uma nova geração, um argumento pedagógico e uma produção bem 80’s. Especificamente no nosso país, é mais do que isso: serve de serviço público que a Escola nunca teve na prática.

O extraordinário da série é que tudo nos pode e é comum. A descoberta do prazer da vida, o confronto social em defesa das liberdades individuais, o feminismo como arma contra o patriarcado, ou até a toxicodependência não acontecem só na cidade que nunca visitámos, ou na escola onde nunca estudámos. É o quotidiano do nosso mundo.

Tal como a série britânica, também nós somos bem 80’s. Não porque estejamos reféns de uma nostalgia pelo espetacular mundo da Pop, onde mas porque ficamos presos a um modelo educativo que pouco aprendeu com os estudantes e as suas novas necessidades e vivências. A primeira lei (Lei nº 3 / 84 de 24 de Março) que enquadrou a Educação Sexual como uma das matérias a ser lecionada na Escola Pública data, justamente, dos anos oitenta. Em 2020, falar sobre prazer sexual na sala de aula é, na maior parte das vezes, motivo para um recadinho para casa.

Conto-vos um episódio. Enquanto deputado, participo há cinco anos no programa “Parlamento dos Jovens”. Este ano o tema centra-se na violência doméstica e no namoro. Na última sessão escolar em que participei, arrisquei uma pergunta: “- Alguém daqui vê Sex Education?”. Toda a gente levantou o braço, talvez porque gostam muito, ou então porque não esperavam aquela pergunta. Ninguém perdeu um episódio e isso permitiu um mundo novo durante aqueles noventa minutos.

Foi uma conversa impressionante! De repente, várias alunas relatavam a sua dificuldade em aceitar os discursos paternalistas dos padrastos, os piropos que recebiam nos intervalos e o quanto isso as irritava, os problemas que sabiam existir com alguns casais de namorados. Foi mesmo impressionante, contudo, entristece-me que o debate, por vezes, aconteça por causa de uma produção comercial. Não devia ser assim, mas não podemos deixar que o travam mais uma vez – nem por essa razão nem por nenhuma. Não sei se por causa desta novidade audiovisual em particular, se por força de tudo o que nos trazem os novos tempos, esta alteração de paradigma pode significar a transformação que a Escola espera há décadas e, desta feita, pelas mãos dos estudantes.

A Escola não tem de ser o espaço da Educação Sexual porque é, institucionalmente, a responsável pela formação dos jovens. Insistir nessa ideia é garantir que vamos estar mais três décadas à espera que a Lei da Educação Sexual e Planeamento Familiar (ou qualquer outra) sejam implementadas, avaliadas e alteradas. Até podemos começar por separar o que é diferente e merece um tratamento enquanto tal. A Educação Sexual já não é mais um subcapítulo do Planeamento Familiar, deixou de ser, há muito tempo, uma formação sobre Biologia ou o funcionamento do corpo humano. No século XXI, ou é um curso prático de Direitos Humanos e Liberdades Individuais ou não é.

O mais revolucionário nisto tudo é que os jovens, à imagem da Maeve ou do Otis, tornaram-se novos tutores na Escola, para além dos professores. Isso não tem de ser encarado como um problema, mas sim como um progresso civilizacional.

Artigo publicado em Comunidade Cultura e Arte a 3 de fevereiro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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