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Sentença do “Prestige”: não há crimes ambientais?

A sentença do Tribunal Superior de Justiça da Galiza, onze anos após a catástrofe, provocou justa indignação. E coloca uma interrogação: afinal não há crimes contra o ambiente?

63.000 toneladas de fuel foram derramadas. Quase 3.000 kms. de litoral afetados, mais de 1.000 praias contaminadas, mais de 500 toneladas de petróleo ainda nos fundos da plataforma continental, mais de 100.000 aves mortas, não podem ficar impunes. Os prejuízos causados foram brutais: quase dois mil milhões de euros de gastos e danos ambientais em Espanha, 86 milhões em França…

É verdade que qualificar como crimes as agressões ao ambiente (contaminação da água ou dos solos e danos contra as espécies e habitats naturais) é posição recente. O dano ecológico não tem sequer dez anos. Durante muito tempo, o direito apenas reconheceu as ofensas causados às pessoas e à propriedade, a natureza era entendida como elemento do processo produtivo e de realização do lucro. Depois de muitas tragédias, como a de Sevezo na Itália, cresceu a consciência ambiental, as coimas e outras sanções acessórias passaram a ser o instrumento privilegiado de proteção às ofensas ao ambiente. Mas não é ainda admitida a responsabilidade criminal das empresas.

Pela costa galega passam todos os anos 40.000 navios, 1/3 dos quais com cargas perigosas para o meio ambiente. Mas há dez anos atrás não havia qualquer rebocador das autoridades marítimas, só de empresas privadas. O então ministro das pescas Miguel Cañete dizia, quando o petróleo já conspurcava quilómetros da costa, que “a rápida atuação das autoridades tinha evitado uma maré negra”… É agora ministro da agricultura e pescas da Espanha. E no parlamento europeu, o Partido Popular Europeu por proposta do então eurodeputado da direita Kostis Hatzidakis conseguiu adiar, a pedido dos proprietários dos petroleiros, a proibição de navios com as caraterísticas do “Prestige” circularem nas águas europeias a partir de 1 de Setembro de 2002. É agora ministro dos transportes da Grécia.

A sentença agora conhecida considerou não provada a acusação de crime contra o meio ambiente previsto no artigo 325º do código penal espanhol. Na catástrofe do “Prestige” faltou apreciar a responsabilidade do poder político. Mas esse julgamento, porque trata do exercício da decisão política, de opções e escolhas incertas, está mais nas mãos dos povos do que no mundo da justiça criminal.

As sociedades continuam desarmadas perante o imenso poder do negócio sujo do petróleo. O armador do navio, a Universe Maritime, tinha sede em Atenas, mas o “Prestige” era propriedade de Mare Shipping, empresa com sede na Libéria. A carga de fuel era da Crown Ressources, uma sociedade da Alfa Group do magnata russo Mikhail Fridman, próximo de Vladimir Putin. O petroleiro “Prestige”, com bandeira das Bahamas, já navegava há 26 anos, tinha substituído parte do casco nos estaleiros de Guangzhou na China e sofria de corrosão. Mas tinha certificado de navegabilidade atribuído pela sociedade classificadora ABS com sede em Houston no Texas.

Pode assim dizer-se que o naufrágio em Novembro de 2002 do “Prestige” (um navio que naquela data já não poderia navegar no espaço marítimo dos EUA, por não possuir requisitos mínimos de segurança), é uma espécie de crónica dum desastre anunciado. Desta vez, também sem culpados. Não há crimes ambientais?

Sobre o/a autor(a)

Jurista. Membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda
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