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Sem açúcar nem afecto, em discurso directo
“Maior crime que roubar um banco, é fundar um banco”
Brecht
Sei que a raiva não é boa conselheira. Paciência. Aí vai.
Havia dantes no coração das cidades e das vilas umas colunas de pedra que tinham o nome de picotas ou pelourinhos. Aí eram expostos os sentenciados que a seguir eram punidos com vergastadas proporcionais à gravidade do seu crime. Essa exposição tinha também por fim o escárnio popular.
Era aí que eu te punha, meu glutão.
Atadinho com umas cordas para que não fugisses. Não te dava vergastadas. Vá lá, uns caldos de vez em quando. Mas exibia-te para que fosses visto pelas pessoas que ficaram sem casa e a entregaram ao teu banco. Terias de suportar o seu olhar, sendo que o chicote dos olhos é bem mais possante que a vergasta.
Terias, pois, de suportar o olhar daqueles a quem prometeste o paraíso a prestações e a quem depois serviste o inferno a pronto pagamento.
Daqueles que hoje vivem na rua.
Daqueles que, para não viverem na rua, vivem hoje aboletados em casa dos pais, dos avós, dos irmãos, assim a eito, atravancados nos móveis que deixaram vazias as casas que o teu banco, com a sofreguidão e a gulodice de todos os bancos, lhes papou sem um pingo de remorso.
Dizes com a maior lata que vivemos acima das nossas possibilidades. Mas não falas dos juros que cobraste. Não dizes, nessas ladainhas que andas sempre a vomitar, que quando não se pagava uma prestação, os juros do incumprimento inchavam de gordos, e era nesse inchaço que começava a desenhar-se a via-sacra do incumprimento definitivo.
Olha, meu estupor, sabes o que acontece às casas que as pessoas te entregam? Sabes, pois… São vendidas por tuta e meia, o que quer dizer que na maior parte dos casos, o pessoal apesar de te ter dado a casa fica também com a dívida. Não vale a pena falar-te do sofrimento, da vergonha, do vexame que integra a penhora de uma casa, porque tu não tens alma, banqueiro que és.
Tal como não vale a pena referir-te que os teus lucros vêm de crimes sucessivos. Furtos. Roubos. Gamanços. Comissões de manutenção. Juros moratórios. Juros compensatórios, arredondamentos, spreads, e mais juros de todas as cores. Cartões de crédito, de débito, telefonemas de financeiras a oferecerem empréstimos clausulados em letrinhas microscópicas, cobranças directas feitas por lumpen, vale tudo, meu tratante. Mesmo assim tiveste de ser resgatado para não ires ao fundo, tal foi a desbunda. E, é claro, quem pagou o resgate foram aqueles contra quem falas todo o santo dia.
Este país viveu décadas sucessivas a trabalhar para os bancos. Os portugueses levantavam-se de manhã e ainda de olhos fechados iam bulir, para pagar ao banco a prestação da casa. Vidas inteiras nisto. A grande aliança entre a banca e a construção civil tornavam inevitável, aí sim, verdadeiramente inevitável, a compra de uma casa para morar. Depois os juros aumentavam ou diminuíam conforme era decidido por criaturas que a gente não conhece. A seguir veio a farra. Os bancos eram só facilidades. Concediam empréstimos a toda a gente. Um carnaval completo, obsessivo, até davam prendas, pagavam viagens, ofereciam móveis. Sabiam bem o que faziam.
Na possante dramaturgia desta crise entram todos, a banca completa e enlouquecida, sendo que todos são um só. Depois veio a crise. A banca guinchou e ganiu de desamparo. Lançou-se mais uma vez nos braços do estado que a abraçou, mimou e a protegeu da queda.
Vens de uma família que se manteve gloriosamente ricalhaça à custa de alianças com outros da mesma laia. Viveram sempre patrocinados pelo estado, fosse ele ditadura ou democracia. Na ditadura tinham a pide a amparar-vos. Uma pide deferente auxiliava-vos no caminho. Depois veio a democracia. Passado o susto inicial, meu deus, que aflição, o povo na rua, a banca nacionalizada, viraram democratas convictos. E com razão. O estado, aquela coisa que tu dizes que não deve intervir na economia, têm-vos dado a mão todos os dias. Todos os dias, façam vocês o que fizerem.
Por isso falas que nem um bronco, com voz grossa, na ingente necessidade de cortes nos salários e pensões. Quanto é que tu ganhas, pá?
Peroras infindavelmente sobre a desejável liberalização dos despedimentos.
Discursas sem pejo sobre a crise de que a cambada a que pertences é a principal responsável.
Como tu, há muitos que falam. Aliás, já ninguém os ouve. Mas tu tinhas que sobressair. Depois do “ai aguenta, aguenta”, vens agora com aquela dos sem-abrigo. Se os sem-abrigo sobrevivem, o resto do povo sobreviverá igualmente.
Também houve sobreviventes em Auschwitz, meu nazi.
É isso que tu queres? Transformar este país num gigantesco campo de concentração?
Depois, pões a hipótese de também tu poderes vir a ser um sem-abrigo. Dizes isto no dia em que anuncias 249 milhões de lucros para o teu banco. É o que se chama um verdadeiro achincalhamento.
Por tudo isto te punha no pelourinho. Só para seres visto pelos milhares que ficaram sem casa. Sem vergastadas. Só um caldo de vez em quando. Podes dizer-me que é uma crueldade. Pois é. Por uma vez terás razão. Nada porém que se compare à infinita crueldade da rapina, da usura que tu defendes e exercitas.
És hoje um dos czares da finança. Vives na maior, cercado pelos sebosos Rasputines governamentais. Lembra-te do que aconteceu a uns e ao outro.
Comentários
Grande artigo, verdadeiro e
Grande artigo, verdadeiro e com "tomates", não viesse ele de uma Mulher.
Desde os "dourados" anos 90
Desde os "dourados" anos 90 que este senhor me espanta.
Gravei em VHS, a certa altura nesses anos, uma pequena entrevista na Sic em que esse senhor foi questionado acerca da loucura que se estava a viver com a agressiva oferta de créditos por parte dos bancos: o paraíso em prestações. Os financeiros perseguiam, literalmente, as pessoas.
O senhor explicou isto como a coisa mais natural... o pessoal só tinha que aproveitar, dada a conjuntura.
Num país sem qualquer cultura económica, o povo esbanjou crédito perante as "cantigas" e o olhar sem escrúpulos destes abutres (alguém tem dúvidas???).
Resolvi por o video a gravar pois achei que algo não batia certo naquela conversa de vendedor barato. Algo estava errado.
Espero encontrar este documento para divulgar, pois afinal eu estava certo na minha intuição.
Como já vi por aí escrito, por favor
PÁREM DE CHAMAR CRISE AO CAPITALISMO MAFIOSO!!!
Pura demagogia, este artigo.
Pura demagogia, este artigo. Mais uma vez, a esquerda habitua-nos à sua triste reclamação contra tudo e todos, sem dizer nada de concreto, apenas uma raiva insustentada e sem clareza.
Considero-me de esquerda, mas não desta esquerda inconsequente.
Cumprimentos
Treta meu caro. Tenha
Treta meu caro. Tenha juízo!
Inconsequente é o que o energúmeno do Ulrich disse.
Nota: Ah e o artigo não é contra tudo e contra todos é tem um alvo bem claro, ah e também é bem concreto. De raiva talvez, mas bem claro!
O José não sabe o que é
O José não sabe o que é demagogia. Ou sabe e finge que não sabe.
Definir este artigo como
Definir este artigo como "pura demagogia", no momento crucial que vivemos, sabendo todos o que sabemos, sentindo todos(?) o que sentimos face ao papel que a banca em geral tem em tudo o está a acontecer, definir este artigo como "pura demagogia" depois de ter suportado as afrontas do senhor em referência, definir etse artigo como "pura demagogia" e considerar-se "de esquerda mas não desta, inconsequente", significa que este senhor Guimarães não se sente indignado com o sucedido. Acha o Sr. Guimarães, então, que o sr. Ulrich não foi demagógico, mas a autora do artigo sim, será isso?
Gostaria ainda de saber com que se sente indignado este senhor, consequente, de esquerda, neste momento.
Provávelmente este Sr José
Provávelmente este Sr José Guimarães deverá pertencer ou sair beneficiado desta pandilha.
Diz-se de esquerda, mas até a esquerda, na sua grande maioria, nada tem de esquerda, sendo que o seu objectivo principal é a inveja e cobiça de quem tem alguma coisa.
Infelizmente os conceitos de democracia e socialismo, nos dias de hoje, estão totalmente deturpados, senão vejamos:
Democracia é uma forma de corruptos, inaptos e incompetentes, legalmente poderem praticar todo o tipo de irregularidades, em proveito próprio, alegando sempre que estão fazendo o melhor para o povo.
Socialismo nada mais é que invejar e querer roubar aqueles mais têm... vejam se alguma vez os sem terra defensores de uma reforma agrária, alguma vez ocuparam terrenos baldios de mato e foram desbravar e cultivar, sempre procuraram propriedades produtivas com maquinário, gado, instalações que logo destruiram.
Agora digam-me alguem viu algum Ditador ou seus colaboradores,à antiga, enriquecer e dobrarem seus patrimónios milhares de vezes.
Sou totalmente contrário a ditaduras , mas infelizmente constato que esses ditadores, comparativamente aos actuais democratas eram uns aprendizes.
Estou contigo.
Estou contigo.
Verdades nunca se gostam de
Verdades nunca se gostam de ouvir,e quando são ditas por uma grande MULHER ainda menos ..! os meus enormes parabéns pelo seu grandioso talento.Infelizmente tenho o sentimento que vivemos numa dictadura escondida...!!
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