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Se o Novo Banco fosse um telemóvel
Imagine que aparece alguém e lhe propõe o seguinte: "Olhe, eu faço um carregamento de 100 euros, mas fico com o aparelho para mim. Você terá ainda de carregar com mais 300 euros quando estes 100 euros se gastarem. Em troca, fica com o direito de controlar algumas das minhas chamadas, para saber que eu não gastei tudo muito depressa". Parece-lhe um bom negócio? Pois foi, grosso modo, o negócio que o Lone Star fechou com o Governo para a compra do Novo Banco.
O banco desaparece para sempre em mãos privadas, neste caso de um fundo abutre, conhecido por lucrar com as economias desvalorizadas pela crise. O fundo injeta mil milhões de euros no banco que acabou de comprar (desses, 250 milhões só daqui a três anos). E depois há o resto. O Novo Banco tem uma carteira de ativos duvidosos que ronda os 8000 milhões, e a Lone Star não quer assumir essas eventuais perdas. Assim, negociou com o Governo que, após consumido o seu investimento, é o Estado português que arca com as perdas, que podem chegar aos 3890 milhões. O Estado fica com 25% do Banco mas com 80% das perdas potenciais, e não tem sequer plenos direitos de acionista. Sem falar nos despedimentos e encerramento de balcões.
O Governo tem-se escudado dizendo que todas as perdas com o Novo Banco recairão sobre o Fundo de Resolução, e que este é financiado pela banca. Mas na prática, todo o dinheiro que alimenta o Fundo de Resolução é dívida pública, paga pelos contribuintes.
Senão vejamos, até agora o Fundo de Resolução já injetou 4900 milhões no Novo Banco. Desses, 3900 milhões foram emprestados pelo Estado. Era suposto a banca pagar de volta esse valor em poucos anos, mas isso não vai acontecer. A dívida da banca ao Fundo de Resolução foi de tal forma reestruturada que se resume, afinal, à contribuição que já pagavam antes sequer da dívida existir (cerca de 200 milhões de euros anuais). Se o Fundo de Resolução tiver que arcar com perdas futuras de mais 4000 milhões, este valor será financiado com mais dívida pública, enquanto a prestação dos bancos se mantém.
Sem mais argumentos, resta a chantagem: o Novo Banco tem que ser vendido porque a alternativa é a liquidação. Mas porquê? Quem diz que o país está condenado a pagar para perder o controlo de um dos seus mais importantes bancos? No Banif as imposições europeias custaram ao país 3000 milhões de euros, ganhou o Santander.
A nacionalização do Novo Banco continua a ser uma alternativa. No curto prazo terá o custo da capitalização necessária, cerca de 750 milhões, se considerarmos o que a Lone Star vai pagar. Mas se, a partir daí, as perdas são de qualquer forma assumidas pelo Estado, não deve o Estado controlar a instituição? Parece uma boa alternativa ao atual modelo, que empurra com a barriga os problemas de hoje, atirando os prejuízos para quem vier a seguir.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 4 de abril de 2017
Comentários
Dizem que a venda do Novo
Dizem que a venda do Novo Banco à Lone Star é um "erro". Chamar-lhe erro é um eufemismo. Todo este processo é mais uma traição do interesse dos portugueses feita com a cumplicidade do PS, PSD e CDS (o que eles dizem no momento é irrelevante). Chamem os bois pelos nomes.
Somos forçados pelas "imposições europeias"? O que acontece se ignorarmos as "imposições"? Somos punidos? Quem o faz obtém esse poder como? Como se lhes tira esse poder?
Apoiar o governo PS como "mal menor" é importante para desmanchar o argumento do "voto útil", mas é preciso mais do que isso, é preciso convencer o eleitorado a punir o PS pela cumplicidade sistemática com estas jogadas que enfraquecem o país, e é preciso planear com outros partidos à esquerda do PS o modo como se vai resolver a situação do país no contexto europeu.
Simples como o DEVE e HAVER
Simples como o DEVE e HAVER
Bom dia Mariana,
Os numeros que todos os politicos apresentaram ate agora, em minha opiniao, nao sao suficientes para que os portugueses percebam este negocio. Enquanto esses numeros nao forem conhecidos do grande publico, ficamos sempre com a impressao de que esta venda nao e mais do que uma luta ideologica.
Tratem este assunto como um assunto de dinheiro e mais nada. Deem numeros as pessoas (nao so os numeros de sintese, como os 3900 milhoes, os 1000 milhoes, etc.). Se forem complicados, descompliquem. Quando se trata de numeros nada melhor que uns graficos circulares e umas tabelas a duas colunas. Mesmo as pessoas mais simples percebem de dinheiro.
A unica maneira de ganharem este combate e afastarem-se, neste momento, do dominio ideologico para o dominio do Deve e Haver. Aqui chegados, tenho a certeza que terao o apoio de todos os portugueses.
Saudacoes democraticas
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