Está aqui

Se é tão evidente, não seria de resolver o assunto?

O Governo encheu o peito e garantiu que vai arrasar com as suas 64 propostas de mexidas nas leis laborais. Entretanto, a ministra exibiu dados sobre a precariedade, confirmando que metade dos jovens não tem contrato permanente. É uma tragédia geracional.

O Governo encheu o peito e garantiu que vai arrasar com as suas 64 propostas de mexidas nas leis laborais, tudo exatamente nesta prometedora sexta-feira. Pelo caminho, houve o estranho episódio das reuniões bilaterais que sim e não, breves e mal explicadas consultas que irritaram toda a gente. Mas hoje é que vai ser.

Entretanto, a ministra exibiu dados sobre a precariedade, confirmando que metade dos jovens não tem contrato permanente. Como o desemprego nesta faixa continua acima de 20%, só um em cada três jovens tem trabalho com contrato estável. É uma tragédia geracional. Por isso, seria de aplaudir se, conhecido o problema, o Governo propusesse respostas. O imbróglio é que o ministério propõe a consagração da precariedade em dois domínios chave: para os que estão acorrentados a serviços para plataformas digitais manter-se-á a Lei Uber, que responsabiliza os intermediários e assim protege a empresa beneficiária, evitando que tenha de assinar um contrato, mesmo à revelia das mudanças nas legislações europeias, como agora na Holanda; para os que são sorvidos pelo prolongamento do período experimental, que o Tribunal Constitucional quis reduzir, à procura do primeiro emprego, o Governo oferece um truque, passando a ser definido como tal mesmo quem tiver trabalhado 47 meses em várias empresas ou 23 meses numa só. Apesar disso, estará “à procura do primeiro emprego”.

Além do mais, facilitando os estágios sucessivos em vez de um posto de trabalho, ou mantendo a incapacidade da inspeção, o mapa das 64 propostas congela as leis neste triste apodrecimento da vida de quem trabalha. Essa é a razão pela qual as associações patronais estão tão seguras do compromisso que o Governo com elas estabeleceu, sabendo que rejeitará propostas, mesmo que simbólicas, que alterem o padrão das relações de submissão na empresa ou ainda que aproveitará cada oportunidade para retalhar o princípio da contratação coletiva, o alfa e o ómega da questão, e para aceitar a regra da precarização dos jovens. Se o Governo ignorasse a crise geracional que a precariedade está a provocar, teria pelo menos um álibi; mas, reconhecendo-a, desta artimanha só se pode concluir que as suas propostas não resultam de defeito, mas de feitio.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 17 de setembro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)