Está aqui

#SchoolStrike4Climate: a lição dos estudantes

Obrigado por estarem a fazer a vossa parte. A alertar para a necessidade de respondermos à crise climática. A expandir o conceito de greve, reforçando e reinventando este repertório de luta.

“Não viemos pedir aos líderes que se preocupem. Ignoraram-nos no passado e ignorar-nos-ão de novo (...) A mudança está a chegar, quer queiram quer não”. As palavras de Greta Thunberg, a jovem sueca de 15 anos que iniciou o movimento da greve estudantil pelo clima, impressionam não apenas pelo seu conteúdo, mas pelos lugares onde foram proferidas. Diante dos mais poderosos do mundo, Greta nunca se acanhou nem deslumbrou, nunca recuou na sua mensagem nem nunca se intimidou com quem tinha à sua frente. Disse sempre o mesmo, com a mesma radicalidade: os jovens não vêm pedir licença a ninguém nem vêm pedir favores aos donos do mundo. Vêm desobedecer a quem os quer conformados e vêm fazer o que tem de ser feito, contra a irresponsabilidade dos dirigentes políticos que, em todo o mundo, têm colocado os interesses económicos, a lógica do lucro e do curto prazo à frente do combate às alterações climáticas e do bem comum.

“Aulas há muitas, planetas só temos este”, afirmavam alguns dos milhares de jovens que estiveram nas dezenas de manifestações que hoje [sexta-feira, 15 de março] varreram Portugal de uma ponta à outra. Os pais e mães, os professores ou diretores das escolas que, perante este alerta, estão mais preocupados com uma falta injustificada ou com uma nota, parecem não ter percebido a profundidade do que nos estão a dizer os e as adolescentes. Sem planeta não há notas, nem escola, nem sucesso individual. Mais valia, por isso, aprendermos com os miúdos e miúdas a lição que nos dão. Já é tempo de deixarmos de olhar só para nós e para o nosso umbigo. Já é tempo de pensarmos em comum e no nosso futuro. Ainda bem que há quem nos esteja a obrigar a fazer isso.

O desafio com que estamos confrontados é, de facto, radical. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (mais conhecido por IPCC), a organização da ONU para esta matéria, para que o planeta sobreviva precisamos de cortar para metade as emissões globais de gases com efeito de estufa até 2030. Isto implica uma mudança total de paradigma no modo de produção e de consumo, acabar com a exploração de petróleo, gás e carvão e com uma economia que funciona com base nos combustíveis fósseis, no plástico, na obsolescência programada e no descartável. Sem isso vamos continuar a assistir a catástrofes naturais provocadas pelos danos que estamos a infligir ao planeta, às migrações em massa de refugiados climáticos, a pessoas a quem faltam bens básicos como a água e a comida, ao agravamento das desigualdades e do sofrimento à escala mundial. Sim, estamos numa crise climática grave e ela não vai resolver-se apenas com pequenas mudanças individuais – é a própria lógica do sistema que tem de ser posta em causa. E esse sistema tem um nome: capitalismo.

Já sabemos que sobre esta manifestação, muitas coisas se dirão. Que “é uma causa bonita”, como se fosse apenas uma consensual e inconsequente causa bonita de uma juventude ingénua – e não um grito de alerta concreto sobre problemas candentes que vão desde os furos de petróleo (que ainda não foram cancelados em Portugal, por exemplo) às consequências das barragens, dos transportes públicos ao investimento em energias renováveis (será preciso lembrar que acabámos de deixar encerrar a maior fábrica de painéis solares do país?) ou à omnipresença dos plásticos. Para sacudir a água do capote, pode sempre enfatizar-se a necessidade de uma “mudança de comportamento individual por parte de quem hoje se está a manifestar”, como se o aquecimento global fosse sobretudo responsabilidade das decisões individuais de consumo e não consequência das regras globais de produção e das decisões políticas sobre o funcionamento da economia, que foram o que motivou o início deste movimento. Houve até quem já tivesse sugerido que os estudantes, por não serem trabalhadores, não têm legitimidade para fazer greve (como se não tivessem feito desde sempre...) e acusado a greve feminista do passado dia 8 e a greve estudantil de hoje de serem “um mero instrumento ao serviço de interesses que, em muitos casos, são estranhos aos interesses dos trabalhadores”.

Pela minha parte, só posso dizer isto a quem hoje se manifestou: obrigado por estarem a fazer a vossa parte. A alertar para a necessidade de respondermos à crise climática. A expandir o conceito de greve, reforçando e reinventando este repertório de luta, a provar que em Portugal o movimento feminista, o movimento estudantil, o movimento ecologista têm espaço, vão à raiz dos problemas e não pedem permissão para existir.

Já não há desculpas para continuarmos a agir como se não se passasse nada. Nem tempo.

Artigo publicado em expresso.pt a 15 de março de 2019

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
(...)