Está aqui

A Saraivada do Patronato

As recentes entrevistas que António Saraiva deu são uma chantagem a este governo e uma ameaça que nenhum trabalhador deve aceitar!

As recentes entrevistas que António Saraiva, o presidente da CIP deu à Antena1, Jornal de Negócios, ao Diário de Notícias e à TSF, são uma chantagem a este governo e uma ameaça que nenhum trabalhador deve aceitar! Embora o ataque ao salário mínimo nacional (SMN) seja recorrente por parte do patronato, tal como diz Saraiva “o SMN será aquilo que a economia, a situação das empresas puder pagar”, é do seu conhecimento (o que até vai ao encontro do seu desejo de estabilidade e previsibilidade) que existe um acordo entre o Bloco de Esquerda e o governo para subir o SMN 5% ao ano, até aos 600€ em 2019. Digno seria que o SMN fosse já os 600€, como defende a CGTP. No entanto, penso que se não houvesse este acordo para os 600€ em 2019, hoje perante este “uivar” dos patrões seria mais difícil conseguir estes aumentos. No ano passado quando se aumentou o SMN para 530€ Saraiva dizia que esse aumento iria criar desemprego porque as empresas não teriam capacidade de suportar esse aumento. Mas como se viu, Saraiva estava enganado porque como mostram os dados do INE o desemprego em 2016 tem prosseguido uma trajectória descendente ainda mais surpreendente pelo facto de a economia ter um crescimento anémico. Ora ainda diz Saraiva "As medidas que este Governo tomou quando entrou em funções, de imediatamente retirar os feriados que tinham sido escolhidos em sede de concertação, de fazer reversões nas privatizações, de anunciar que estava disponível para aumentar os dias de férias para 25 dias, falava-se nas 35 horas de trabalho, que já estão aplicadas na pública, e há rumores, que espero que essa tontearia nunca venha a ver a luz do dia, das 35 horas na privada, a questão do banco de horas individual”. E aqui está a questão central! Quando Saraiva fala em ser necessário previsibilidade e estabilidade, a previsibilidade que ele fala é a da redução de impostos às empresas e a diminuição de direitos laborais porque tem sido esta a previsibilidade (existente) com que estava acostumado a contar! E Saraiva contava com essa previsibilidade porque no parlamento tinha uma maioria que o apoiava. Sobre isto lamenta-se: “nós não somos deputados” leia-se os deputados que nos representam já não estão em maioria e aliás Saraiva diz: “conscientes da nova realidade parlamentar em que hoje nos encontramos, se não pudermos acautelar alguns aspetos onde sentimos ter alguma capacidade para o fazer” leia-se concertação social, só que a concertação social é um órgão pouco favorável e representativo dos trabalhadores, composto pelo governo, quatro confederações patronais e duas centrais sindicais, sendo que a UGT serve frequentemente para branquear acordos lesivos para os trabalhadores, e é também um órgão que serve para limitar a intervenção dos Sindicatos diminuindo-lhes capacidade de combate na defesa dos interesses dos trabalhadores. Saraiva também diz que as posições que defende não são posições ideológicas! Quanto a esta questão, quando Saraiva em 2010 propôs ao governo que se diminuísse o subsidio de desemprego ou obrigar um desempregado a apresentações quinzenais na Junta de Freguesia isto não é ideologia?! Preocupa-se Saraiva “se não salvarmos o tecido empresarial português que é quem cria riqueza, empregos, se não criar riqueza não a posso distribuir”. Vejamos! Primeiro não são os empresários que criam emprego. Quem cria emprego são os consumidores. Sem consumo não há vendas, sem vendas não há produção e sem produção não há emprego. Quanto à riqueza ser distribuída temos os vários indicadores a mostrar que as desigualdades se têm agravado, com uns poucos a acumularem muita riqueza, enquanto para outros que trabalham e criam essa riqueza sobra salários baixos, precariedade e desemprego! Combatendo estes fatores, estamos a promover o crescimento económico diminuindo as desigualdades que se agravaram brutalmente com a legislação laboral introduzida nos códigos de trabalho de 2009 e 2012, isto para não recuarmos até ao código de trabalho de 2003! São várias as medidas contidas nesta legislação que têm de ser revertidas, por muito que isso desagrade ao patronato! Desde logo acabar com a regra da caducidade das convenções coletivas; reposição do “princípio do tratamento mais favorável”; eliminação dos bancos de horas, reposição do pagamento do trabalho suplementar; reposição dos valores das indemnizações compensatórias em caso de despedimento; eliminação das normas facilitadoras dos despedimentos por inadaptação e extinção de posto de trabalho; revogação da mobilidade geográfica e funcional dos trabalhadores; eliminação ou novas regras dos contratos-emprego-inserção e dos estágios profissionais (de modo a que estas duas medidas sejam verdadeiras medidas de empregabilidade e não esquemas de trabalho forçado e gratuito).

Mas para além de algumas reposições que já foram feitas (4 feriados, 35 horas na função pública, eliminação das apresentações quinzenais dos desempregados, etc.) é necessário outras conquistas! É claro que houve uma muito importante (Lei 28/2016, de 23 de Agosto) que passou quase despercebida apesar do ruído dos patrões. Nós trabalhadores temos de exigir a este governo um combate sério e consequente contra a precariedade para garantir direitos a todos e para isso é necessário: Limitar os contratos a prazo; 35 horas de trabalho semanal para o privado; Alargamento da função inspetiva da ACT à função pública; Nova legislação que combata o assédio moral; Formação em direitos laborais como integrante da formação obrigatória contínua a que obriga o artigo 131º do código de trabalho; Tornar mais fácil o acesso à justiça do trabalho; Total independência dos serviços de medicina do trabalho das entidades empregadoras; Proibição dos despedimentos em empresas com resultados líquidos positivos; Ilegalizar a atividade das empresas de trabalho temporário; Nova legislação que proteja os/as trabalhadores/as em regime de turnos; Nova legislação que combata os falsos recibos verdes e todas as formas de trabalho não declarado, incluindo os falsos estágios e falso voluntariado; Introdução de leques salariais nas empresas (limitando as diferenças entre salário mais baixo e mais alto dentro da mesma empresa).

Este governo não pode ficar constrangido no sentido de equilibrar as relações de força/poder entre empregado e empregador e de repor alguma justiça na economia por via da relação laboral. Lutando pelo pleno emprego e impedindo que Portugal continue a ser um offshore laboral num combate pelo futuro com dignidade!

Esta nova solução governativa de maioria de esquerda, diferente do que existe no resto da Europa, tem uma responsabilidade acrescida e se quiser deixar uma marca, progressista, um legado para o futuro, terá de fazer mais do que repor rendimentos. Terá de conquistar direitos na área laboral; condição essencial para o combate à pobreza e à desigualdade, que será também um meio de promoção do crescimento económico.

Sobre o/a autor(a)

Operário especializado. Delegado sindical e membro da CT da Logoplaste Santa Iria
(...)