Esta posição não é incoerente - é absolutamente incoerente. É um compromisso entre quem quer e quem não quer enviar soldados, pensando que adiar a decisão é acto de prudência. Entre os generais de sofá e os diplomatas deslumbrados com as bandeiras no mapa mundo, o governo ganha tempo antes de se encaminhar para a decisão anunciada de enviar tropas para uma guerra onde forças portuguesas nunca tiveram até hoje qualquer envolvimento.
É uma má forma de fazer política, fugindo às decisões e procurando agradar a todos, aos que sabem que aquele cessar fogo antecipa a próxima guerra e aos que querem participar na guerra precisamente porque acham que é assim que se ganham posições internacionais.
Mas é uma forma errada de fazer política porque as quatro condições do governo representam a sua paralisia: José Sócrates está perdido na questão libanesa.
Veja-se a primeira condição. O mandato actual da ONU não permite enviar tropas, diz o governo: é preciso um novo mandato. A ambiguidade da resolução é evidente. Não só o cessar fogo foi imposto tarde de mais, para permitir a Israel continuar os bombardeamentos, como foi já violado, com George Bush a aplaudir o ataque israelita. E, sobretudo, a resolução não define o que deve fazer a missão da ONU.
O problema é que uma nova definição do mandato é ainda mais difícil de determinar do que a actual.
De facto, a Casa Branca já anunciou que pretende uma nova resolução, para que esta imponha como missão para a ONU o desarmamento do Hezbollah. Esta é a missão que Israel queria impor, para que fossem os militares europeus a obter o que as forças israelitas não conseguiram. Mas a França ameaçou vetar a resolução anterior se incluísse esta missão, porque não queria ver os seus soldados envolvidos numa guerra libanesa. E já voltou a dizer, contra Bush, que não pretende que se faça uma nova resolução, embora a França também ache que a actual é insuficiente e por isso reduziu a sua disposição de envio de tropas a um contingente simbólico. Numa palavra, ou não há nova resolução ou há um mandato imposto por Bush para que as tropas europeias entrem em guerra dentro do Líbano.
Qual destes novos mandatos é preferido pelo Governo Sócrates? Em qual deles acha que se deve enviar a tropa portuguesa? O Governo fica silencioso e embaraçado, porque o que nunca pode definir é que tipo de mandato é que seria aceitável.
A razão é evidente. Sócrates sabe qual é o problema de fundo. É que uma força militar estrangeira tem de saber o que vai fazer. Se os aviões israelitas voltarem a bombardear o Líbano, a força da ONU vai atacá-los? Se o Hezbollah, no que já se viu que tem o acordo do Governo do Líbano, não entregar as armas, vai essa força fazer buscas casa a casa? A resolução actual da ONU não o diz.
E se Israel se contentar com a força europeia no sul do Líbano, mas continuar a manter sequestrados os membros do governo e parlamentares palestinianos, declarando guerra sem tréguas a todo o mundo árabe, o que farão os que até agora se mantiveram silenciosos sobre todos os abusos?
Participar nesta missão militar no Líbano é empenhar o apoio a uma guerra que nunca acaba.
Neste contexto, o envio de tropas portuguesas, com a actual resolução ou com um novo mandato para fazerem a guerra israelita por procuração, é um erro gravíssimo - é o resultado de um delírio imperial. E, no dia em que confirmar o envio, Sócrates terá esquecido as suas condições de hoje sobre o mandato da ONU.
