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A Rua dos Lagares mostra-nos que é possível travar os despejos

Esta vitória vai para além da Rua dos Lagares, ela ensina-nos que é possível travar os despejos. Que vale a pena nos organizarmos e lutar, que só assim conseguimos conquistar ou manter direitos e fazer valer a justiça social.

Na Rua dos Lagares nº 25, bairro da Mouraria, 16 famílias iam ser despejadas pelo novo proprietário do edifício, não lhes renovando os contratos. Estava a preparar-se para aumentar fortemente os seus rendimentos: subir drasticamente as rendas, fazer alojamento local para turismo ou vender eram as várias possibilidades que fazem com que hoje o investimento imobiliário-financeiro corra a Lisboa para, literalmente, fazer milhões, à custa do afastamento, da expulsão, do despejo dos moradores que já não têm poder de compra para um mercado que se tornou inacessível para a maioria da população trabalhadora em Portugal.

Esta bela história ainda não está acabada (é preciso ter os contratos na mão e cinco anos, são cinco anos...), mas é já uma grande vitória

Os moradores e, muito especialmente, as moradoras da Rua dos Lagares não se conformaram com a sua expulsão. Além de não quererem abandonar o bairro que as viu nascer ou em que passaram grande parte da sua vida, não tinham nenhuma alternativa de habitação a preços que conseguissem comportar, nem em Lisboa, nem fora. As rendas hoje ultrapassam largamente os baixos salários que, infelizmente, abundam.

As famílias organizaram-se, exigiram os seus direitos, direito à habitação e o direito a permanecer na cidade onde trabalham, para a qual contribuem diariamente; exigiram ter voz neste processo, recusando a sua saída e pressionando os poderes eleitos. Em vez de pedir ajuda – expressão contaminada por um assistencialismo desempoderador que tanto marca mentalidades no nosso país – as famílias organizaram-se para exigir os seus direitos e fazer ouvir a sua voz, como moradores/as, como cidadãos/ãs. E dirigiram-se aos poderes que têm obrigação, não de ajudar, mas de desenvolver políticas e processos que promovam a justiça social, a igualdade, o respeito pelos direitos.

A Câmara Municipal de Lisboa disse que não havia nada que pudesse fazer, que tal era um problema da lei das rendas (que o governo PS ainda não mudou no que é fundamental), dos proprietários e do mercado. Os moradores e, especialmente, as moradoras, não se conformaram e continuaram a sua luta de várias formas (Santo António Contra os Despejos, página de facebook, participação em reuniões de Câmara e Assembleias Municipais, elaboração de vídeos de denúncia e, se fosse preciso, manifestações, concentrações, etc). Elas estavam preparadas para tudo!

E assim, num repente, a CML – pela mão da Vereadora da Habitação Paula Marques – negoceia com o proprietário a renovação dos contratos para mais cinco anos sem aumento de rendas e a execução de obras há muito necessárias. Muito Bem! Agora falta fazer o mesmo para muitas outras famílias que estão sob ordem de saída.

Ensina-nos também que as autarquias e, especialmente, a Câmara de Lisboa, se quiserem, têm mecanismos para acabar com os despejos

Esta bela história ainda não está acabada (é preciso ter os contratos na mão e cinco anos, são cinco anos...), mas é já uma grande vitória. Esta vitória vai para além da Rua dos Lagares, ela ensina-nos que é possível travar os despejos. Que vale a pena nos organizarmos e lutar, que só assim conseguimos conquistar ou manter direitos e fazer valer a justiça social. Ensina-nos também que as autarquias e, especialmente, a Câmara de Lisboa, se quiserem, têm mecanismos para acabar com os despejos. Entre outros: exercer o direito de preferência, quando os prédios estão a ser vendidos, para aumentar o seu parque de arrendamento e evitar a expulsão; negociar com os proprietários a manutenção dos inquilinos em troca de licenciamentos e dos apoios à reabilitação; obrigar a quotas de arrendamento permanente e acessível a todos/as em cada projeto de construção nova ou reabilitação; utilizar as casas municipais do património disperso para realojar quem está a ser expulso dos seus lugares, garantindo que as pessoas permanecem nas suas comunidades; limitar fortemente o Alojamento Local; apertar a regulamentação e fiscalização de obras, etc. etc.

Há muitas mais famílias a serem despejadas neste momento em Lisboa, e em outras cidades do país. Também elas precisam de solução

Ainda faltam mudar a lei das rendas e a política de Estado e Municipal que incentivam, que premeiam, a especulação. Estes continuam a ser grandes desafios. Há muitas mais famílias a serem despejadas neste momento em Lisboa, e em outras cidades do país. Também elas precisam de solução. Para enfrentar tudo isto temos agora mais força.

Obrigada aos moradores e, especialmente, às moradoras da Rua dos Lagares.

Artigo publicado em habita.info a 8 de agosto de 2017

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e ativista na Associação Habita
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