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A RTP porta-se mal. Mudemos a RTP
Um dos truques da classe dominante é degradar de tal maneira os serviços públicos que o público acaba por preferir os serviços vendidos por essa mesma classe. E não, a classe dominante não é um senhor sentado numa poltrona de couro a afagar um gato branco com um sorriso maquiavélico. Está em todo o lado. É quem pode e quem manda. É quem, conscientemente, actua e exerce uma pressão activa ou passiva para, a todo o custo, manter o poder que adquiriu, mesmo que tal signifique a degradação, seja para que nível for, da vida de outros. A única maneira de lutar contra este fenómeno tão antigo com a Humanidade é, em primeiro lugar, termos consciência dele.
Vem isto a propósito de uma notícia sobre a situação precária de centenas de trabalhadores e trabalhadoras da RTP. É um relato recente de um facto que se verifica há muito: "Grupo de trabalhadores da RTP denuncia que às centenas de pessoas com contratos precários, a estação televisiva nega direitos de paternidade e a férias, recusa licenças de casamento e há trabalhadores que recebem menos que o salário mínimo.". Outras notícias dizem-nos que a desigualdade de tratamento é tremenda dentro da mesma organização. Como exemplo, o caso da recente contratação da jornalista e apresentadora Ana Lourenço, que, segundo a Comissão de Trabalhadores da RTP, parece ter sido "alvo de excepção às actuais regras que impedem a contratação de pessoal para os quadros".
Esta cultura empresarial, que cada vez mais parece naturalizar-se em tudo o que é instituição pública, leva a que, por um lado, se contrate estrelas pagas a peso de ouro, por outro, se recrute no exército do precariado, pagando a lentilhas.
Aprovisionada com metade do orçamento para a Cultura, mas cheia de maus hábitos, a lógica de gestão da chefia da RTP continua a ser a da concorrência mercantil com as estações privadas. Esta cultura empresarial, que cada vez mais parece naturalizar-se em tudo o que é instituição pública, leva a que, por um lado, se contrate estrelas pagas a peso de ouro, por outro, se recrute no exército do precariado, pagando a lentilhas. Quer? muito bem. Não quer? há lá fora muito quem queira.
Está claro de ver que este comportamento deprime e oprime quem lá trabalha, degrada irreversivelmente o serviço e desvirtua ainda mais a sua função (verdadeiramente nunca entendida pela gestão e pela tutela). Consequências? Nem a informação e cidadania são bem feitas nem o entretenimento vale a pena, é ridículo, na verdade. Mas tudo bem, opiniões. Já o que não são opiniões é tratar os trabalhadores desta forma. Uma vergonha, pura e simples. Grave ainda é sabermos que, em última análise, o Estado, através da tutela executada pelo(s) seu(s) Governo(s), é conivente. Sabendo-o, estamos confortáveis?
A RTP não é caso único na esfera pública, longe disso. No privado, nem falemos... Porém, que se saiba, temos representantes do povo que foram eleitos com a promessa de contrariar estas aberrações. É isso que agora lhes devemos exigir. Que cumpram as promessas. Isso é a democracia a funcionar. Se não o fizerem, sejam então substituídos por quem o faça. Isso é o poder do povo. Queremos um serviço público digno e que dignifique. Faça-se.
Comentários
E repete-se, e repete-se.
E repete-se, e repete-se.
Concordando em parte, na verdade com muita pouca, daquilo que o autor pensa que sabe sobre a empresa, e deixando de lado as apreciações sobre a qualidade do serviço que todos têm direito a fazer, cabe-me no entanto com alguma e crescente tristeza, corrigir parte desta crónica nomeadamente para fazer um esclarecimento.
É falso que a RTP seja aprovisionada com metade do Orçamento da Cultura, o que sucede é que para justificar a existência de um Ministério da Cultura, o actual governo decidiu contabilizar a Contribuição do Audiovisual (taxa de televisão) como se fosse uma receita do estado, contabilizada no orçamento como receita do Ministério da Cultura, esse valor é, e sempre foi, entregue pelas companhias de distribuição de electricidade directamente à RTP, até porque existe legislação nesse sentido que em nada difere do modelo europeu de cobrança desta taxa. Esta engenharia financeira procurou enganar os agentes culturais com uma suposta preocupação do partido socialista pela área cultural quando na verdade, retirando do orçamento a verba que é receita da RTP, o orçamento da cultura é inferior à da anterior secretaria de estado. A RTP não recebe qualquer verba da área cultural ou do orçamento de estado, antes pelo contrário, do seu orçamento saem financiamentos obrigatórios à produção de cinema.
Desde 2014 que a RTP não recebe qualquer verba do estado para o seu financiamento, vivendo da taxa e dos 6 minutos de publicidade por hora do seu canal generalista (RTP1) que é metade do tempo dado aos operadores privados, é das poucas empresas europeia em que isso acontece. A taxa de serviço, mesmo com os ajustamentos propostos pelo Bloco para compensar a tarifa social de energia é das baixas da europa, quer nominalmente quer ajustando os valores ao rendimento per capita, quer por ponto de audiência.
O que me causa alguma tristeza como militante desde partido e membro da Comissão de Trabalhadores da RTP é que esta questão foi por exemplo alvo do primeiro comunicado do mandato que se iniciou há bem pouco tempo. Que pode ser encontrado aqui (https://www.facebook.com/ct.rtp/photos/a.692239644252667.1073741830.6793...).
Esta informação que na verdade é um embaraço para a política cultural do país, para além de ter sido publicada erroneamente por um jornalismo mal preparado do "Público", foi depois alvo de apresentações públicas do meu próprio partido onde convidados lendo o orçamento sem o contextualizar espalharam por todo o sector cultural português a ideia de que o financiamento dos seus projectos estava a ser engolido pela despesista e ineficaz RTP, quando na verdade é o seu contrário.
Entretanto publicam-se notícias sobre a situação laboral da empresa baseadas em emails anónimos, com assuntos que a CT já tinha levantado - de forma correcta e factual - e crónicas que perpetuam mitos prejudiciais a um dos poucos serviços públicos de importância estratégica que ainda resta.
Tudo isto ocorre numa empresa que tem uma CT eleita onde muitos pagaram um preço alto por serem assumidamente bloquistas mas a quem pelos vistos ninguém pergunta nada, nem para fazer "cross-checking" dos factos que aqui se publicam.
Mas enfim é o meu partido.
Caro Sr. Paulo Mendes,
Caro Sr. Paulo Mendes,
Em primeiro lugar, queria referir que este texto reflecte somente a minha opinião. Não compromete mais ninguém nem nenhuma instituição com ele.
Em segundo, com o seu comentário, percebo que a ligação para o texto do jornal Público poderá ser mal interpretada. Era uma crítica irónica que carece possivelmente de uma nota explicativa suplementar. Por economia de texto, não foi feita. O intuito era precisamente o de demonstrar o contrário daquilo que interpretou. Em suma, mea culpa.
Concordo consigo quando refere que a "inclusão" da RTP na esfera orçamental do MC lance uma cortina de fumo e disfarce a miserável dotação que a área da Cultural continua a ter.
Porém, o aspecto mais importante que pretendi sublinhar é a forma desigual como são tratados os trabalhadores da RTP, tanto ao nível das autorizações de contratação como nas próprias remunerações e condições de trabalho. É o fulcro do escrito e assunto fundamentado que conheço pessoalmente, não por e-mails anónimos. Esse é um pelouro sobre o qual as diferentes chefias e respectiva tutela têm responsabilidade directa. A desorçamentação da RTP, como de outros serviços públicos, contribui nuclearmente para a degradação do serviço e deve convocar a nossa repulsa. A RTP merece que lutemos pela sua continuidade e financiamento adequado, ponto. O que não justifica é a desigualdade de tratamento dos trabalhadores e nem pode isentar quem não a sofre de defender quem é afectado por ela. Que se lute para que o financiamento seja adequado às necessidades de TODOS e TODAS. O que não podemos ter é um serviço público que promova a precariedade selectiva (nem nenhuma). Se não há dinheiro, então não se pode contratar uns e deixar outros de fora. Se não há dinheiro, então não pode haver trabalhadores a ganhar milhões e outros a ganharem tostões, há anos. Toda esta "balbúrdia" contribui imensamente para que, mais tarde ou mais cedo, os cidadãos venham a reclamar a extinção de um serviço no qual só vêem ou privilégio ou precariedade. Uma vez extinto, cá ficarão apenas os serviços de informação que têm como objectivo final o lucro e que praticamente não têm contas a prestar a não ser aos seus accionistas. Nessa altura, poderemos contar com alguma isenção? Essa é a questão. Essa e a conivência dos sucessivos governos.
Caro Victor Pinto, a opinião
Caro Victor Pinto, a opinião sobre a qualidade e nível de serviço da empresa pública de rádio e televisão é um direito de cada português que deve exercer em opinião singela ou artigo de opinião sempre que assim o entenda.
Estando esclarecido o factual na sua crónica, que, pela sua importância política, repito, a RTP NÃO recebe consome dinheiro do orçamento da cultura, pelo contrário financia a actividade cultural através da "Lei do Cinema".
Permita-me no entanto deixar uma visão um pouco diferenciada da sua, sobre a situação laboral na RTP.
Fruto de um plano de apelo às saídas da empresa de trabalhadores mais velhos e experientes, coincidindo com imposições legais que não permitem a entrada nos quadros, a RTP viu nos últimos dois anos mudar significativamente o rosto e normativo da precariedade, já antes existente, mas que se revestia essencialmente do recurso a empresas de fornecimento de pessoal externo para projectos ligados à área de produção de televisão, para uma prática de contratação directa através de recibo verde para áreas de apoio e informação, que constitui a maioria dos casos do presente.
Este tipo de contratos está a ser feito sem normativos salariais nenhuns, e sendo verdade que na sua maioria eles exploram os baixos salários, isso não ocorre em todos. Existe por exemplo um destes contratos a recibo verde que paga... 250 euros por hora.
Como sabe, a precariedade e o crime social que constitui, é hoje tão variada na prática e na criatividade jurídica, que hoje, para além das questões de estabilidade contratual, é a falta das mais básicas condições de trabalho com dignidade que na minha opinião mais define o que ela é, nesta análise incluem-se o salário baixo, a falta de perspetivas de carreira, o assédio moral, a falta de formação profissional, etc.
Assim, quando esta mudança na contratualização externa de trabalhadores ocorreu na empresa, ela na verdade não veio inaugural a era da precariedade na RTP, ela veio acrescentar precariedade à precariedade que já existia, a dos trabalhadores do quadro efectivo da RTP, cujos salários estão paralisados - está sentado - em média vai para mais de 10 anos, dado que haviam sido congelados muito antes da entrada da troika em Portugal, com alegada necessidade de contenção absoluta de custos, seguida denúncia do Acordo de Empresa, o stress e a degradação das condições de vida dos trabalhadores, causadas por duas tentativas de privatização da empresa pelo PSD (Uma vez por Morais Sarmento e outra por Miguel Relvas).
A esta situação acresce que, como sabe, a RTP devido à sua natureza global tem uma abrangência de especializações profissionais para a qual constitui o único mercado de trabalho em Portugal. Assim este colapso interno, provocado pelo empurrar de trabalhadores para a saída e reforma e a impossibilidade de contratar que, por sua vez, levou à predação do quadro de pessoal pelos concorrentes da empresa, levaram a que grande número de profissionais que eram essenciais ao serviço público a tivesse abandonado, deixando para trás profissionais excelentes mais em número insuficiente para assegurar o mínimo do serviço e um conjunto de trabalhadores ultra-especializados, demasiado novos para a reforma e demasiado velhos para se "reconverterem" reféns de uma empresa onde as perspetivas de recuperar valor salarial roubado pela inflação e pela troika durante a carreira que lhes resta, são quase nulas.
Estes trabalhadores não são os milionários que se pensa, não são contratações recentes e não são estrelas de televisão, são trabalhadores cujo salário livre de impostos está abaixo, ou pouco ultrapassa, os mil euros após 20 ou mais anos de serviço.
Estes trabalhadores caro Victor são tão precários como os outros que entraram há menos de dois anos na empresa e merecem um respeito que não estão a ter. E acho que é que existe um problema de análise da sua parte e quem está a ver a questão por fora, não existe um conflito entre trabalhadores do quadro e trabalhadores a recibo verde, e portanto nunca poderemos fazer uma análise sobre o que falta fazer para a "A RTP portar-se bem" reduzindo isto a uma questão de ter ou não contrato a termo certo, mas perceber que a luta dos trabalhadores do quadro e trabalhadores a recibo verde é a mesma, e reduz-se a uma frase. Trabalho com dignidade para todos.
O retomar essa dignidade começa desde logo por exigir ao governo que apoiamos que deixe de ser o pior e mais injusto patrão da república, dado que como sabe os trabalhadores da RTP - como todos os trabalhadores do sector empresarial do estado - estão englobados naquele sistema iníquo de dupla penalização em que lhe és aplicado o regime contratual do sector privado e os cortes do sector público, e isto acontece mesmo que as empresas onde trabalhem tenham lucros.
Os trabalhadores das empresas públicas nunca auferiram de aumentos ou progressões similares às da função pública e são-lhes aplicados todos os cortes dos funcionários públicos, porque em Portugal o acionista estado é tão déspota e ganancioso como todos os seus congéneres privados.
O respeito por estes trabalhadores começa por exigir à esquerda aquilo que ela se propôs quando aceitou apoiar este governo, que faça do estado "pessoa de bem", começando desde logo por fazer cumprir as convenções colectivas que estes trabalhadores subscreveram com as suas entidades patronais de boa fé e aceites pelas tutelas. E que o faça já em 2017, interrompendo assim mais de 10 anos de paralisia salarial. Exigindo também que um trabalhador da RTP não pague com o seu sustento o "premium" de impopularidade política do que nela se passa e os títulos que o Correio da Manhã faz diariamente com os dados públicos das suas contas que interpreta criativamente para dar a ideia de um paraíso despesista sem controlo.
Isto acontece também porque em Portugal, ao contrário das suas congéneres europeias, toda a gente pode dizer o que quiser da RTP ou de qualquer empresa pública, difamando-a ou aos seus trabalhadores sem que ninguém ofereça contraditório.
Como nós dizemos, a RTP não se defende, agacha-se!
A luta contra a precariedade faz-se com todos, com estes trabalhadores que tem contrato que nada vale, com os trabalhadores que passam recibo verde e com os que trabalham para "exploradores negreiros" de mão de obra, com as Comissões de Trabalhadores e com os Sindicatos. Não com emails anónimos, entrismo político ou engenharia orçamental.
A luta não se faz dividindo trabalhadores por tipo de contrato, faz-se juntando-os em plataformas reivindicativas comuns.
Para que a RTP cumpra a sua missão é também necessário que o estado português de uma vez por todas deixe de fazer pagar os trabalhadores pelo populismo e demagogia política em torno dela. 2017 é um bom ano para isso.
Decerto compreendeu.
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