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A revolução tranquila da Cultura

As alterações estruturais do consulado de Francisco José Viegas vão à raiz do papel do Estado para a Cultura.

Não há dinheiro. Declaração sumária de Francisco José Viegas, Secretário de Estado da Cultura, sobre os concursos de apoio às artes. A fórmula é eficaz, politicamente poderosa. Já o escrevi e volto a repetir, Viegas é um homem inteligente e ideologicamente coerente, todas as decisões que tomou têm correspondido a um pano ideológico de fundo que pretende alterar estruturalmente o setor e o país, uma revolução tranquila na qual Viegas é porventura mais papista que o papa. Relembro que em Novembro passado Viegas anunciou um novo corte dos apoios contratualizados por concurso da DGArtes, num corte total em dois anos de 38%. Várias estruturas fecharam já a sua atividade, muitas mais o irão fazer daqui para a frente.

Qualquer regime autoritário apreende instintivamente a necessidade de suprimir a criatividade artística, não por representar um foco de crítica mas por ser uma porta aberta à alternativa.

Viegas fuzilou silenciosamente a DGArtes e vai dedicar os próximos três anos a tornar o tecido cultural inoperante. E não é por não ter dinheiro, também não é apenas por achar que o estado não tem que ter intervenção no setor, vai mais longe. É um processo para suprimir qualquer heterogeneidade crítica ao setor, qualquer pluralidade passível de resistir à homogeneização cultural que a austeridade está a criar. É uma ideologia de terra queimada, fanática, que não deixa sobreviventes.

Dramatizo o assunto para deixar claro que não será possível voltar atrás no tempo caso Viegas seja bem sucedido. As alterações estruturais do seu consulado vão à raiz do papel do Estado para a Cultura. A relação Tutela/Criadores foi corrompida pela imposição forçada e a submissão humilhante; os Teatros Nacionais devem novamente vassalagem criativa ao Estado; o responsável do Estado pela Cultura divorciou-se politicamente de qualquer responsabilidade pela saúde cultural dos cidadãos. O ministro que vem a seguir vai trabalhar sobre um significado de Estado e Cultura radicalmente diferente.

A resistência a esta situação passa por respostas inteligentes, pela politização da Cultura. Não se trata apenas de falar alto contra a tutela, mas sim do próprio ato de persistir na Cultura. Em proteger as orquestras, os teatros, as escolas artísticas, do assalto concertado. Em garantir que há espaços onde se pode existir 'apesar de tudo'. Espaços onde o ato de fazer, tocar e interpretar se realiza 'apesar de tudo'. Onde a ação 'apesar de tudo' se torna a recusa em colaborar de toda e qualquer forma com a destruição deste governo porque 'apesar de tudo' existe mais do que aquilo que nos querem fazer crer.

E é por isso que neste dia mundial do Teatro, o CENA vai organizar uma destas ações em frente à Assembleia da República, às 15 horas, para mostrar que 'apesar de tudo' o governo tem obrigação em fazer mais.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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