A resposta urgente à crise orçamental

porFrancisco Louçã

29 de setembro 2010 - 16:02
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Portugal tem solução? A nossa economia sobreviverá? Há respostas urgentes para a crise imediata? Devemos desistir do país? Toda a política está submetida a esta obrigação de respostas claras. De medidas consistentes, já.

O PR recebeu hoje e ontem os partidos políticos e o conselho de ministros estará a aprovar por esta hora as suas novas propostas para mais impostos e menos salário, enquanto uma vaga de greves mobiliza a Europa contra o desemprego e se manifesta em Lisboa e no Porto. E, dentro de dias, o parlamento começará a discutir o orçamento.

Trago por isso ao parlamento, que é o primeiro lugar da decisão sobre a crise orçamental, a resposta clara do Bloco de Esquerda sobre as alternativas que fazem a diferença entre os dois caminhos que nos são propostos: à direita a continuação da degradação da economia, à esquerda a economia responsável.

Este é o debate fundamental. Portugal tem solução? A nossa economia sobreviverá? Há respostas urgentes para a crise imediata? Devemos desistir do país? Toda a política está submetida a esta obrigação de respostas claras. De medidas consistentes, já. De correcção das dívidas. De recuperação do emprego. De diminuição da pobreza. De investimento e qualificação. De inversão da desindustrialização galopante.

Nenhuma destas questões essenciais será respondida por jogos irresponsáveis. O país tem a consciência clara de que as encenações, pressões, desorientações, segredos, episódios, chantagens, são prova do colapso da política situacionista perante as dificuldades.

Olhemos por isso para o que crise nos impõe.

A economia portuguesa sofreu esta semana dois poderosos ataques.

Ontem, os mercados financeiros cobraram um juro de 6,6%, o mais alto da nossa história, aos títulos da dívida soberana. Bancos, incluindo bancos portugueses, são financiados pelo BCE a 1% para imporem à nossa dívida um preço sete vezes superior e para lucrarem com a diferença. Os contribuintes portugueses estão a pagar a economia da ganância.

Mas é o BCE, sob a batuta imperial da sra. Merkel, que favorece a especulação contra os Estados, não deixando de se ocupar, entretanto e com que desvelo, do visto prévio sobre os orçamentos nacionais, de uma caução e de demais sanções sobre as economias que vem prejudicando. Portugal deixou de ter uma palavra na Europa e a Comissão Europeia só tem uma política para responder à recessão: quanto pior melhor. Aqui está o essencial: a Europa fracassa como Europa se não houver uma resposta europeia à crise.

Mas o segundo ataque é ainda mais grave porque mais imediato: o relatório da OCDE sobre Portugal configura um plano de destruição da economia, dos serviços públicos e do emprego.

O relatório foi apresentado pelo ministro das finanças e logo desdobrado pelo secretário-geral da OCDE em entrevistas, conselhos e intimações. Não há registo de uma tão interveniente e tão prolixa acção da OCDE.

Entendamo-nos bem. Este relatório é uma mistificação.

O relatório não foi escrito pelos revisores constitucionais do PSD, embora imite bem. Nem foi escrito pelo ex-ministro do PS que aparece hoje a propor que se retire da Constituição o direito à saúde e à educação.

O relatório foi escrito por funcionários do governo português em colaboração com outros da OCDE, e vale unicamente pelas recomendações que o governo faz à OCDE para a OCDE fazer ao governo.

Naturalmente, ambos estão de acordo consigo mesmos: aumentar o IVA e outros impostos, reduzir os salários, desproteger o desempregado, descapitalizar a segurança social. Desistir. Continuar a política que agravou a crise.

Ao camuflar as suas propostas ao país com a voz da OCDE, dois dias antes de falar por si próprio, o governo usa a intimidação na falta da convicção. O relatório desta 2ªf é a agenda do conselho de ministros desta 4ªf.

Esta é a resposta do governo: a economia do medo. Medo do desemprego para que os trabalhadores aceitem mais desemprego. Medo da crise, para que a classe média aceite mais impostos. Medo da pobreza, para que todos aceitem menos apoio social a quem não tem nada. Medo do FMI, para que se apliquem já as soluções do FMI.

A economia do medo agrava a crise para continuar a tomar medidas que agravem a crise. Ela tem uma única razão: para a OCDE e para o governo, como para a direita, a única estratégia é baixar os rendimentos das pessoas.

Se os salários forem reduzidos, haverá mais rentabilidade, diz esta doutrina implacável. Quanto mais pobre for Portugal, melhor estará a sua economia, dizem os nossos salvadores.

É exactamente isso que Sócrates e Passos Coelho pactaram no PEC. É o que exigem o FMI, a OCDE, a Comissão Europeia, os especuladores: quanto pior melhor.

Dizem-nos agora que este pacto está em crise e que, tendo governado o Orçamento para 2010 e 2011, fica suspenso na indecisão dos seus signatários.

Mas há uma certeza na política portuguesa: é que o governo anunciará hoje novos aumentos do IVA e de outros impostos, diminuirá os salários dos funcionários públicos nos próximos três anos e cortará nos serviços sociais.

E sabemos o efeito certo desta política: uma recessão mais grave com mais desemprego.

Aumento de impostos e mais recessão é a receita da desistência.

O Bloco de Esquerda não aceita a desistência.

Há maioria no país para um Orçamento que proteja o Serviço Nacional de Saúde e fixe o objectivo grande de um médico de família para cada família. É o que proporemos aqui neste orçamento.

Há maioria no país para um Orçamento que cobre impostos a todas as transferências de capitais e às fortunas. É o que proporemos aqui neste Orçamento.

Há maioria no país para justiça fiscal com o fim de benefícios injustificados nos seguros privados de saúde, nos PPRs, ou para impor a obrigação de um pagamento mínimo no IRC em todos os sectores económicos. É o que proporemos aqui no Orçamento.

Há maioria no país para manter os CTT ou os monopólios naturais como serviços públicos, e é o que proporemos aqui no Orçamento.

O governo escolherá agora se quer responder a esta maioria do país ou se se quer virar para a direita para continuar a política do quanto pior melhor.

Declaração Política na Assembleia da República – 29 de Setembro de 2010

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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