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Resgatar a Memória do 27 de maio de 1977 em Angola
Afinal o que foi o 27 de maio de 1977 em Angola? Foi uma tentativa de golpe de Estado, ou uma fração no seio do MPLA, como afirmou na altura Agostinho Neto? Foram manifestações pacíficas de massas, com algumas ações militares para libertar alguns presos partidários de Nito Alves, como refere a historiadora Dalila Mateus? Ou como lhe chamou o historiador inglês David Birmingham, terá sido uma insurreição desarmada das massas? Ou terá sido outra coisa?
O 27 de maio foi o primeiro dia de um dos períodos mais negros e macabros de Angola
O que é certo, é que o 27 de maio foi o primeiro dia de um dos períodos mais negros e macabros de Angola e que levou, durante alguns anos, à tortura e ao assassínio de milhares de angolanos e, até, de muitos portugueses.
Acusados de fracionismo, foram fuzilados sumariamente, grande parte ainda desaparecidos, Nito Alves, José Van Dunem, Sita Valles, Rui Coelho e muitos outros. E estas eram pessoas que ocupavam altos cargos no MPLA ou no Estado angolano.
Nito Alves, que de início era um fiel aliado de Agostinho Neto contra a corrente “Revolta Ativa”, estava à frente do Ministério da Administração Interna.
José Van Dunem, um outro herói da luta de libertação nacional angolana, assumiu o cargo de comissário político do Estado Maior das FAPLA.
Sita Valles, filha de pais goeses, nasceu em Cabinda e em 1971 mudou-se para Lisboa para prosseguir os estudos em medicina. Foi eleita para a direção da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, aderiu à UEC e participou ativamente na revolução portuguesa. Em 1975 resolveu regressar a Angola onde adere ao MPLA, passando a trabalhar no Departamento de Organização de Massas. Em 1976 foi expulsa do MPLA, casa-se depois com Van Dunem e em 1977 foi fuzilada, acusada de ser o cérebro do 27 de maio.
João Jacob Caetano, conhecido como o “Monstro Imortal”, foi uma figura lendária da luta anti-colonial e depois da independência ocupou o posto de Chefe do Estado-Maior das FAPLA. Barbaramente torturado, foi executado com o garrote aplicado na cabeça.
Rui de Matos Coelho, nasceu em Catumbela, estudou direito em Lisboa e em 1973 regressou a Angola. Depois da independência de Angola foi diretor do gabinete de Estudos no Ministério da Administração Interna. Foi preso e fuzilado quando regressava de uma visita à Argélia e foi um dos poucos em que a família, depois de muitas insistências, acabou por receber uma certidão de óbito.
Do lado dos vencedores temos Agostinho Neto, líder do MPLA e Presidente de Angola e que terá dito na altura: “Não vamos perder muito tempo com julgamentos, nós vamos ditar uma sentença”; Iko Carreira, considerado o “braço armado” de Agostinho Neto, foi ministro da Defesa de Angola entre 1975 e 1980; Lúcio Lara ocupou o cargo de secretário-geral do MPLA; Abelardo Colomé Ibarra era o chefe da Missão Militar Cubana e foi o responsável pela intervenção dos tanques cubanos, garantindo a vitória de Agostinho Neto no 27 de maio; Rafael Moracém Limonta chefiou o batalhão de tanques que retomou a Rádio nacional de Angola, ocupada pelos partidários de Nito Alves; Jorge Risquet chefiava a Missão Civil Cubana em Angola.
Afinal o que pretendiam Nito Alves, Van Dunem, Sita Valles e os seus apoiantes? Defendiam um objetivo diferente do curso da revolução angolana? Por que foram estes “filhos da revolução” devorados pela própria revolução? E por que motivo, mesmo depois de mortos, os seus nomes foram proscritos, proibidos, malditos em Angola e mesmo em Portugal? Até as suas famílias foram proibidas de chorar os seus mortos e, ainda hoje, os seus órfãos continuam impedidos de saber quem foram os seus progenitores.
Esses cidadãos, mortos, desaparecidos e esquecidos, têm direito à Memória e à História. Foram acontecimentos que marcaram profundamente e ainda perduram na sociedade angolana
Foi com a finalidade de procurar fazer alguma luz sobre os acontecimentos do 27 de maio de 1977 (e a repressão brutal que se seguiu), volvidos 40 anos, sobre os seus principais protagonistas e sobre os silêncios, as manipulações e os seus “esquecimentos”, que o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda decidiu realizar uma audição pública na Assembleia da República no passado dia 24 de maio. Esses cidadãos, mortos, desaparecidos e esquecidos, têm direito à Memória e à História. Foram acontecimentos que marcaram profundamente e ainda perduram na sociedade angolana.
Acima de tudo, torna-se imperioso saber a verdade, saber os porquês de todo este esquecimento conveniente, de todas as manipulações da história sobre o 27 de maio. Marc Ferro, na sua obra Falsificações da História diz-nos que “controlar o passado ajuda a dominar o presente, a legitimar ascendentes e contestações”. São os poderes estabelecidos como os Estados, as Igrejas, os partidos políticos ou os interesses privados que possuem e financiam os mass media ou aparelhos de reprodução. Desta forma, o passado é-nos apresentado não como ele realmente se passou, mas de modo uniforme, manipulado. Se isto se passa nas sociedades democráticas, imagine-se em regimes ditatoriais ou em regimes que convivem muito mal com a democracia, como tem sido o caso de Angola.
Para Marc Ferro, a história exerce uma dupla função – terapêutica e militante. Um dos primeiros exemplos poderá ser a história ensinada aos alunos do continente africano, tratando os problemas atuais desse continente, assim como as questões do seu passado. O esplendor dos grandes impérios do passado africano é colocado em paralelo com o declínio da Europa Medieval. Um dos exemplos da história militante terão sido as manipulações efetuadas pelo regime estalinista. Sem dúvida que a manipulação histórica do 27 de maio se enquadra perfeitamente neste tipo de exemplos. A subversão da história visa atingir determinados fins.
Ainda sobre as omissões, ou “esquecimentos” da história, para Marc Ferro podem assumir três tipos de categorias: aquela em que os historiadores, escritores ou outros atores servem uma causa, legitimando a ação do poder – aqui a história exerce uma função legitimadora, caso das manipulações na ex-URSS, ou no que respeita ao 27 de maio; uma outra que deriva da sociedade espontaneamente em cumplicidade com os seus historiadores, exercendo a história uma função de honra, como sejam os massacres esquecidos dos índios pelos americanos, ou o genocídio arménio pelos turcos; aquela que é o produto da arte e da ciência dos historiadores e escritores, em que a história exerce uma função de exorcismo, como por exemplo uma espécie de paradigma harmonioso que nos é transmitido por Shakespeare em Joana D’Arc, ou Eisenstein em O Couraçado Potemkine.
Sobre o esquecimento do passado, o controlo e o direito à memória, o antropólogo social Paul Connerton escreveu em Como as Sociedades Recordam que “o controlo da memória de uma sociedade condiciona largamente a hierarquia do poder”. Miguel Carvalho, jornalista que escreveu a obra Quando Portugal Ardeu, sobre a violência política no pós 25 de abril, refere que “quanto mais o presente instrumentalizar o passado unificando-o e manipulando-o, mais [se] deve (…) combater o esquecimento, a amnésia, sem que para tal [se] tenha de impor uma Verdade”.
Mexer no passado é contrariar este eterno presente em que vivemos. Hobsbawn chamou-lhe “presente contínuo” e François Hartog chamou a expressão de “presentismo”. Isto constitui a maior ameaça à pluralidade da memória e corporiza, segundo o historiador Fernando Rosas, “um quotidiano sem qualquer relação orgânica com o passado público da época atual”. A desmemória torna-se assim o resultado desse “apagão seletivo”, onde o presente é um lugar habitado apenas pelo imediato, sem passado e sem futuro.
Daí a importância de se resgatar a Memória do 27 de maio de 1977 em Angola. Resgatar a História desse período negro e conturbado, as pessoas têm direito a saber a verdade, têm direito a chorar os seus mortos, os órfãos têm direito a saber quem foram os seus pais. Foi o que mais se ouviu na referida audição parlamentar e em que foram convidados Edgar Valles, irmão da desaparecida Sita Valles, Conceição Coelho, irmã do desaparecido Rui Coelho, e José Reis, sobrevivente do 27 de maio. Também marcaram presença vária dezenas de pessoas, muitas delas familiares dos mortos e desaparecidos, e sobreviventes do 27 de maio.
Passados 40 anos de silêncios e esquecimento sobre os fatídicos acontecimentos do 27 de maio de 1977 em Angola (...) cidadãos angolanos e portugueses (...) reclamam pelo resgate e pelo direito à Memória e à História, e pela discussão pública desses acontecimentos
Foram muitas as intervenções e relatos muito duros e pungentes, que se ouviram no silêncio sepulcral da sala, tal a sua intensidade esmagadora. Passados 40 anos de silêncios e esquecimento sobre os fatídicos acontecimentos do 27 de maio de 1977 em Angola e da brutal repressão desencadeada pelo poder de então, cidadãos angolanos e portugueses, direta ou indiretamente atingidos pela barbárie que se prolongou no tempo, reclamam pelo resgate e pelo direito à Memória e à História, e pela discussão pública desses acontecimentos políticos e históricos. O Bloco de Esquerda deu um importante passo nesse sentido. Esperemos que mais iniciativas, no futuro próximo, tenham lugar para repor a Memória, a Verdade, a Justiça e a História no seu devido lugar.
Não deixa de ser muito estranho e incompreensível o silêncio comprometedor, ao longo de todo este tempo, de todas as outras forças políticas e de todos os sucessivos governos. À frente da defesa dos direitos humanos, gravemente violados, uns colocam os interesses políticos e económicos, outros põem à sua frente estapafúrdios interesses ideológicos. Todos “esquecem” que a condição humana tem de imperar acima da política, da economia e da ideologia.
Comentários
27 de MAIO DE 2017 VOLVIDOS
27 de MAIO DE 2017 VOLVIDOS 40 ANOS, O QUE SE PASSOU? PORQUÊ TANTA VIOLÊNCIA?
Porquê tanta violência sobre tanta gente, muitos nem sequer perceberam porque o seu querido MPLA lhes estava a fazer aquilo!!!!?
Recuando uns anitos talvez consigamos vislumbrar alguma luz ao fundo do túnel! E neste processo sempre as mesmas figuras Lúcio Lara+Esposa e Iko Carreira! Sempre estas duas figuras a capitanearem as hostes! E hoje, olhando para Angola e o estado em que o seu povo continua a viver talvez seja mais fácil chegar a conclusões! Primeiro Revolta Activa, depois Revolta Chipenda e finalmente, a cereja no topo do bolo, a machadada final nos Nitistas! O MPLA era um movimento com muitas sensibilidades! Ao contrário do que a história oficial proclama, Agostinho Neto não é o fundador do MPLA, o partido que liderava é que a dada altura se integrou no movimento e rapidamente Neto apoderou-se da liderença a qualquer custo! Considerava-se o "ungido" para levar o seu Povo para os "amanhãs que cantam" e conseguio, ao alinhar com essa clik e fez de Angola um paraíso, mas só para alguns, veja-se a situação actual em Angola! Muita gente conhece o processo da Revolta Activa, da Revolta Chipenda! Neto usou e abusou do Nitismo para reprimir principalmente a Revolta Activa! Não era por acaso que quando se falava de Nito Alves junto de gente afecta à Revolta Activa, falava-se do diabo! Depois vieram os CAC-Comités Amilcar Cabral (transformando-se mais tarde em OCA-Organização Comunista de Angola), insentivados até por Lúcio Lara+esposa, verificou-se depois, que era só para fazer sair os coelhos da toca! Finalmente era preciso espurgar Angola dos que queriam, insistiam em seguir a via do Socialismo! E a ala direitista do MPLA (sempre capitaneada por Lúcio Lara+esposa e Iko Carreira) engendrou a inventona do 27 de Maio! Lembremos antes a grande mestria do MPLA em criar inventonas! Quem não se lembra do comandante Juju, aos microfones da Rádio Nacional, à hora do jantar a dar notícias sobre a gloriosas FAPLA na luta contra o inimigo, um dia estavamos no Bocoio a lamber as feridas de um recuo desastrado do Balombo, onde tivemos de abandonar no terreno muito do material para tentar salvar a vida, ouvimos o comandante a dizer que as gloriosas FAPLA já tinham tomado o Balombo e avançavam sem quase resistência alguma sobre o Alto Hama a caminho do Huambo! Outro episódio que ilustra bem o assunto foi o de vísceras humanos supostamente encontradas nos quarteis da FNLA! Uma jovem médica estagiaria fez declarações aos jornais de que as caixas mostradas eram do bloco operatório do Hospital de S.Paulo e estando o estabelecimento controlado pelo MPLA... Alguém me sabe dizer onde para essa jovem? Eu sai de Angola em 1984 e ainda ninguém sabia dela!
Há episódios do suposto golpe de estado nitista, que no mínimo continuam mal contados! Para além da tomada da cadeia de S. Paulo por um pelotão com blindados de transporte de tropas, do Batalhão Feminino da 9ª Brigada, quais outras unidades desta Brigada de reserva em Luanda, todas as outras grandes unidades encontravam-se em combate no Norte e no Sul, vieram para a rua e tomaram pontos estratégicos? No assalto à cadeia de S. Paulo imputou-se também aos nitistas o assassinato de Helder Neto, alto quadro da polícia política, famoso pelo seus métodos de interrogatório, não usava a tortura para fazer falar os presos! Este ao sentir-se encurralado suicidou-se. Já agora, para além da Rádio Nacional que foi tomada por populares, que outros pontos estratégicos foram tomados pelas forças militares nitistas? Há no entanto um episódio neste processo que poderá ter sido decisivo na tomada de decisão de Neto quando afirmou "seremos implacáveis"! O massacre de vários Comandantes dentro de uma Gaz soviética (tipo VW pão de forma) que depois foi incendiada, supostamente perpretado por nitistas, que imediatamente foram capturados e passado pelas armas! Para não falarem? Não seria esto o pretexto ideal para o início do massacre e o imenso campo de concentração que de repente se transformou Angola? Aos históriadores cabe averiguar o curriculum dos Comandantes massacrados e talvez se encontre entre eles alguns que não seriam muito simpáticos para com a clik Lúcio Lara+esposa e Iko Carreira! Dois coelhos com uma cajadada? Neste episódio o comandante Gato, que mais tarde viria a ser o comandante da Força Aérea, conseguira escapar misteriosamente, lembre-se de dentro de uma viatura cravejada de balas de guerra e incendiada! Teria comandado a operação para culpar os nitistas e conseguir o pretexto que tanto queriam apresentar a Neto? Honra à memória de quem foi obrigado a partir, por acreditar que poderia fazer de Angola um mundo melhor!
Temos de acabar com a
Temos de acabar com a designação de "golpe" de Nito. Foi o grande golpe do Neto. Pena que a Amnistia Internacional nunca tenha pegado no "assunto". O assassino-poeta foi um dos seus fundadores. E a real política obrigou a que se mantivessem em silêncio. A frase do artigo "Um dos exemplos da história militante terão sido as manipulações efetuadas pelo regime estalinista." Está lá a fazer o quê? Deixem o ditador em paz. Afinal Neto não será mais parecido com Pinochet?
Tristeza a de um povo que se vê ultrajado pelo colonialistas e a seguir pelos seus falsos heróis.
Mas quando a investigação dos assassinatos daquele dia 27?
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