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Representem-nos, depressa e bem, e sejam amigos do FMI!

Havia alguma coisa para negociar entre cada partido e o FMI com a Comissão Europeia? A resposta honesta é não: o comunicado do Ecofin que determina o mandato desta “missão” estabelece que as medidas a impor são as do PEC4 e mais alguma coisa por acrescento.

Alguns comentários na minha página do Facebook insistem neste apelo ao Bloco de Esquerda: por favor, vão depressa ter com o FMI e negociar com eles o pacote da intervenção externa. Representem-nos, dizem os mais aterrorizados, sejam amigos uns dos outros.

Venho aqui responder directamente a este apelo: representar quem nos elegeu e quem quer uma alternativa para o país começa por esse elemento mínimo de decência e de respeito pelas pessoas que é não as enganar. Exige a capacidade de alternativas e nunca promover uma fraude sem soluções.

Por isso, escrevo com toda a clareza: os partidos que fingem que estão a “negociar” estão a enganar os portugueses. É uma desonestidade e uma baixeza. E isso é lastimável e condenável, porque substitui a política séria por uma farsa para mesquinhos efeitos eleitorais. No momento mais difícil, esses partidos – o PSD e o CDS – estão a fugir à responsabilidade e a propor uma encenação.

Perguntemos-lhe por isso que “negociação” é esta que anunciam com fanfarra.

Tiveram uma reunião. Vão ter mais alguma? Não.

Sabe-se o que propuseram? Não.

Sabe-se o que o FMI respondeu? Nada, presume-se: tomaram nota e despediram-se educadamente.

Esperam alguma resposta? Não.

Vão fazer novas propostas, procurar entendimentos? Não.

Há então três negociações paralelas em curso, uma de Sócrates, outra de Passos Coelho, outra de Portas? Cada uma dela com resultados, com um contrato final, com um acordo, com conclusões? Não há.

A negociação não existe nem podia existir.

Chamam a isto “sentido de Estado”, falando de si próprios. É simplesmente uma aldrabice. Esqueceram-se todos do mais importante: há eleições e é a democracia que vai decidir: ou aceitar o governo FMI e portanto desistir do país, ou levantar o povo por uma economia em que todos pagam o que devem. É no dia 5 de Junho que se decide, não é nesta operação de chantagem.

E a pergunta essencial é esta: havia alguma coisa para negociar entre cada partido e o FMI com a Comissão Europeia? A resposta honesta é não: o comunicado do Ecofin que determina o mandato desta “missão” estabelece que as medidas a impor são as do PEC4 e mais alguma coisa por acrescento. Aos homens do FMI e da Comissão Europeia é absolutamente indiferente o que diga este ou aquele partido, só lhes interessa que assinem as medidas que vão ser definidas, e nada mais.

É claro que, sabendo que vai aceitar a redução das pensões, Paulo Portas tem de fingir que influenciou alguma coisa no resultado e vai tentar apresentar como bom resultado o facto de todos os pensionistas perderem 10% em 3 anos, menos os mais pobres que vão só perder 7% em 3 anos – uma atenuação da pena que o governo já tinha aceite depois da pressão do Bloco de Esquerda em nome dos pensionistas. E o PSD vai fazer o mesmo: aceitar o aumento dos impostos, porque aliás deseja o aumento dos impostos, e fingir que influenciou alguma coisa nessa escolha. Mas é mesmo nessa farsa que os meus amigos do Facebook querem acreditar?

Os que me pedem que vá ter com o FMI acreditam mesmo que se disser àqueles homens que há dois milhões de pobres em Portugal eles caem em si, consternados, de mãos na cabeça, a dizer: vejam lá o que nós íamos fazer com o congelamento das pensões! Acreditam que eles se desfazem em lágrimas quando lhes disser que o seu mandato inclui a privatização de empresas que provocarão mais défice do Estado e portanto mais impostos no futuro, o que é o mesmo que dizer mais desemprego? Acham que quando lhes disser que 10 biliões de euros já estão destinados para os bancos que causaram esta crise, eles vão olhar para as contas para descobrir com espanto e indignação que é mesmo assim e que os impostos podem vir a pagar todos estes BPNs? Que me vão dar razão quando lhes disser que o que fizeram na Grécia está a destruir esse país – e que eles vão daqui a correr para Atenas para reparar o mal que estão a fazer?

Eu votei contra o PEC, este e os anteriores, e esse é o meu mandato dado pelos eleitores: defender os desempregados e precários e defender a economia. Avisei o primeiro-ministro: aplica as medidas do FMI e trará o FMI, contribui para a recessão e conseguirá a bancarrota. O mandato do Bloco de Esquerda é ser a esquerda que quer uma solução para o país, não é ser figurante de uma farsa que quer ocultar e entreter, enquanto os seus mandantes destroem a economia do país.

Sei que nos momentos difíceis é preciso ter coragem e se é criticado por não ceder à chantagem. Sei que é preciso ter clareza, mesmo contra a corrente. Eu serei claro nas soluções e nas propostas. Porque só assim a esquerda pode convocar o povo para a mais difícil das alternativas, a única que existe: salvar a economia e o país de se tornar um protectorado em que a democracia é um faz-de-conta.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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