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Rendimento Básico Incondicional: uma crítica
Que cada cidadão receba uma quantia do Estado, individualmente, incondicionalmente, independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional. Esta é a proposta que a “Iniciativa de Cidadania Europeia para o Rendimento Básico Incondicional1” tem promovido em abaixo-assinado nos últimos meses. Um milhão de assinaturas obrigam a Comissão Europeia a analisar a proposta e a promover a sua discussão no Parlamento Europeu. Num tempo em que a Europa se verga pela força da burguesia financeira, com a destruição do emprego a atingir um ritmo catastrófico, a ideia de garantir a cada cidadão um rendimento básico, que assegure os mínimos da sua sobrevivência e dignidade, tem, na sua aparência, o mérito de despertar a possibilidade de um modelo alternativo. Discuti-la é o que nos propomos a fazer de seguida.
Rendimento Básico e a luta pelo Pleno Emprego.
O Rendimento Básico Incondicional (RBI) é apresentado, em primeiro lugar, como uma defesa contra a armadilha da pobreza decorrente da ausência de emprego ou dos salários muito baixos2. O facto de todos, sem exceção, terem direito, eliminaria o constrangimento e o estigma social associados aos beneficiários de apoios sociais condicionais (como é o exemplo do RSI). A liberdade emanada do aumento de autonomia financeira resultaria ainda numa desmercadorização da força de trabalho, dotando os indivíduos de uma maior capacidade negocial em face ao patrão. O RBI seria então, duplamente, uma política ativa de consumo e uma arma política contra o mercado.
Acontece que, tal como concebido e assumido – os proponentes defendem um valor não inferior a 60% do rendimento médio mensal – o RBI teria um impacto mais significativo entre os pobres e os desempregados. Como afirma Mona Chollet3, “a primeira consequência de uma renda básica é eliminar o desemprego como um problema – tanto como questão social quanto como fonte de ansiedade do indivíduo –, seria possível economizar, de início, as somas envolvidas na busca do objetivo oficial do pleno emprego”. O argumento encerra toda uma concepção: o desemprego é a causa da exclusão que importa colmatar com um rendimento e não uma consequência das escolhas económicas e políticas, da desigualdade assente na exploração de classe.
A imbricação da proposta de RBI com as teses que advogam o fim do trabalho – ou da relação salarial se quisermos usar os termos de Jeremy Rifkin – torna-se assim evidente a partir da contraposição que os seus defensores estabelecem com as políticas de criação de emprego. Yoland Bresson, defensor de uma “renda de existência contra a exclusão”, sumariza a questão, "o pleno emprego salarial terminou; outro contrato social deve ser proposto; outro objetivo: a plena atividade". A extensão deste pensamento revela-se perigosa. Se a relação salarial se apaga inexoravelmente de que adianta organizar politicamente a sua defesa? Apresentar o RBI como solução estratégica para esta questão arrisca-se, uma vez mais, por resultar numa naturalização das relações laborais tal como nos são impostas, o que de resto se pode constatar por algumas referências dos seus defensores – “O RBI facilita a vida das pessoas que se sentem atraídas por trabalhos que são mal pagos ou que têm uma produtividade baixa4”.
Em suma, os proponentes do RBI recusam o caráter utópico da proposta, afirmando a sua plena aplicação como uma possibilidade real e efetiva, mas ao fazê-lo enredam-se numa narrativa que nega a mais imediata das possibilidades: a criação de emprego. Ora, o que a crise total deste último quinquénio (2008-2013) revela é que a urgência do emprego, da sua criação e da sua socialização, ressurge em força, confrontando os campos políticos em disputa. Ao contrário do afirmado pela crítica mais superficial, o sistema não fica incólume à destruição acelerada do «trabalho vivo»5, e nunca foi tão visível o facto de as vias de desmercadorização do trabalho diminuírem nas suas possibilidades políticas à medida que o desemprego aumenta e a política de austeridade se agudiza. A indagação que permanece, e que André Gorz mais seriamente realçou, é perceber até que ponto a noção de «trabalho abstrato»6 –pilar da teoria do valor-trabalho – terá de se atualizar de forma a providenciar uma análise mais acurada das novas formas de exploração laboral, num tempo em que «o custo social do trabalho se afasta, cada vez mais, da medida mercantil de seu custo imediato»7. A hipótese do desaparecimento do trabalho não se confunde, portanto, com a busca de uma melhor análise da sua crise sob a forma mercantil e capitalista dos nossos tempos.
A todos o que não é de todos.
Não abandonemos ainda a ideia. Falemos agora do seu modelo e dos seus resultados. O RBI pressuporia, numa segunda linha de argumento, o abandono dos apoios sociais condicionais (bolsas de ação social, subsídio de desemprego, complemento solidário para idosos, abono de família, RSI) mantendo-se, no entanto, o atual regime de pensões. Deste modo, a instauração do RBI como um direito universal resultaria num mesmo tratamento por parte do Estado quando comparado a outras áreas sob a sua responsabilidade, como é o caso da educação ou da saúde pública. Temos dúvidas que assim seja. Observar o Estado como um mero “distribuidor” de receitas e despesas encerra uma perigosa concepção liberal, primeiro porque recusa que é no trabalho e no salário direto que se decide a distribuição da riqueza e depois porque nega a relação de forças incrustada nos serviços públicos, num tempo em que o salário indireto socializado que sustenta estes serviços sofre o ataque austeritário. A quotização dos salários ainda é a mais forte das solidariedades no contexto atual, por isso se torna o alvo central do capital.
Mas onde essa diferença se torna patente é precisamente no modelo de financiamento do RBI. Assumindo a existência de várias propostas concentramo-nos em duas que nos parecem ser as dominantes entre os proponentes. A primeira, apresentada pelos autores do documentário suíço-alemão A renda básica, passaria por uma reforma do sistema fiscal que assentaria no aumento do IVA – trabalhadores e patrões unificados na figura do consumidor. Sendo o IVA um imposto indireto está claro de ver que o ônus desta solução recairia sobre os salários, sobretudo os mais baixos, pressionando os custos de produção e penalizando quem recebe menos.
A segunda solução, avançada por Philippe Van Parijs, um dos principais ideólogos do RBI, vai mais além. Segundo este, a sustentabilidade do RBI assentaria na reequação do imposto sobre o trabalho. Os muito pobres teriam de pagar menos e os muito ricos pagar mais, mas como estes últimos são minoritários na sociedade a solução só poderia passar, também, por um aumento do imposto sobre os menos pobres. Como o próprio explica: “Os trabalhadores que recebem salários modestos, cuja alíquota de imposto marginal precisaria ser aumentada, estão também entre os principais beneficiários da adoção de um sistema de renda básica, uma vez que a tributação maior de seus salários ficaria abaixo do nível da renda básica que eles passariam a receber.”8. Retira-se, portanto, ao salário o que se quer acrescentar em alocação universal. A pretensão igualitária do RBI esbarra no seu modelo politicamente regressivo: atacar os salários dos enfermeiros ou dos professores para submetê-los à dependência do Estado, repartindo esse valor com os mais ricos é uma forma de dar a todos o que não é de todos.
A política é feita de escolhas.
Num momento de crise do capitalismo e da ideologia que nega todas as outras possibilidades de produção e organização social, é importante que todos apresentem as suas propostas, mas é também necessário que se discutam as implicações de cada um desses caminhos. Desistir, como fazem os defensores do RBI, da exigência do pleno emprego é anunciar a morte do direito ao trabalho. E – tomemos Portugal como exemplo – quando vemos que mais de metade da população ativa está desempregada, precária ou emigrada e que, por esse motivo, vive desesperada, verificamos que quem vive do seu trabalho ainda e só através desse trabalho consegue ter uma vida digna.
Por isso, mais do que uma reinvindicação parcelar, devemos apresentar propostas que permitam unificar as lutas de trabalhadores, precários e desempregados, como o direito ao trabalho. Nesse campo, a redução do horário de trabalho sem redução dos salários como medida de combate ao desemprego permitiria melhorar no imediato a vida de quem não tem trabalho e distribuir a riqueza produzida. Um movimento popular pela redução dos horários do trabalho poderia unir lutas e atacar a mecânica da austeridade.
Neste momento, essa batalha pela defesa do emprego e dos salários está acesa e tem um nome: o combate à precariedade. Se a austeridade é o motor de criação de desemprego e precariedade para baixar os salários, a abertura de um campo político que a recusa é o que pode organizar uma alternativa de poder. O aumento do salário mínimo, proposta que conta com enorme maioria social, é outra luta que pode ser ganha e que teria reflexo imediato nas condições de vida de quem trabalha.
A regressão social que vivemos, com o desmantelamento do Estado Social e com a redução de salários e de direitos, faz aparecer alternativas que fogem ao confronto com o capitalismo e com a exploração do trabalho que o sustenta. A fraternidade que tecemos nas lutas diárias em que nos encontramos impõe-nos a exigência das escolhas: é melhor não irmos por aí.
Notas:
1 - http://www.rendimentobasico.pt/
2 - Entrevista a Roberto Merrill – Dinheiro Vivo, 16.11.2013
3 - Uma utopia ao alcance das mãos (Maio, 2013)
4 - Rendimento básico: incondicional?, Monde Diplomatique, ed. portuguesa, Abril 2013, p.10-12.
5 - Conceito usado pela análise marxista que busca separar o trabalho no tempo presente da produção (relação de assalariamento) do «trabalho morto», trabalho passado acumulado, incorporado à maquinaria e à técnica produtiva. Uma relação que Gorz limitou sob a noção de «composição orgánica do trabalho».
6 - Por trabalho abstrato entende-se o processo pelo qual o produto do trabalho adquire condição de permutabilidade, estebelecida de forma desligada do seu conteúdo específico como valor de uso, permitindo a objetificação do trabalho social num valor de troca universal e que, na moderna economia capitalista, está dependente da relação de assalariamento, na qual o produto é alienado do seu produtor.
7 - Daniel Bensaïd (1999), Trabalho e Emancipação. http://danielbensaid.org/Trabalho-e-Emancipacao?lang=fr
Comentários
Deixo aqui o meu desagrado
Deixo aqui o meu desagrado profundo, conhecendo-vos pessoalmente e andado na luta convosco há tanto tempo por não terem tido a decência de ao menos promoverem um debate com malta do RBI antes de se porem a concluir disparates como este "O RBI pressuporia, numa segunda linha de argumento, o abandono dos apoios sociais condicionais (bolsas de ação social, subsídio de desemprego, complemento solidário para idosos, abono de família, RSI) mantendo-se, no entanto, o actual regime de pensões."
Lamento profundamente que continuem a falar de direito ao trabalho, quando na realidade do que estão a falar é da obrigação a um trabalho remunerado,sabendo vocês que o trabalho não remunerado é uma realidade e existe. Acima de tudo lamento que coloquem o dito "direito ao trabalho", acima do direito à vida.
Fico ainda à espera que nos convidem para um debate.
Olá Mar O debate já começou e
Olá Mar
O debate já começou e nós queremos participar. Apresentamos uma discordância política e apresentamos os nossos argumentos. Todos os debates serão, com certeza, bem vindos, e continuaremos a nos encontrar nas lutas diárias. Quanto à questão que apontas, dos apoios condicionais, é uma proposta que está presente em boa parte dos textos que a iniciativa disponibiliza no seu site (Van Parijs), assim como no próprio texto do abaixo assinado, em que se pode ler o objectivo de terminar com "uma burocracia de controlo e inspeção superfluamente dispendiosa, repressiva e excludente." Se o objetivo é somar o RBI aos apoios condicionais seria interessante, para além dos efeitos orçamentais (um RBI a rondar os 60% do rendimento médio nacional equivaleria a 65 mil milhões de euros anuais, mais de um terço do PIB), perceber que impacto este teria na atribuição dos mesmos (um bolseiro de ação social obtém o direito através do escalão do rendimento familiar). Parece-nos que a iniciativa ganharia em clarificar estas questões.
Ó Esquerda.net, de que é que
Ó Esquerda.net, de que é que a Direita vos acusa? Não é de serem uns utopistas? Pelo menos é essa tentativa de enxovalho com que tentam denegrir as minhas ideias quando falo sobre a sociedade em que gostaria de viver. E digam-me lá, vocês consideram-se uns utópicos por acreditarem no que acreditam? Não! Vocês não se consideram utópicos. Ora meus caros é isso que acontece aqui no RBI, se dissermos que somos utópicos para o mundo inteiro, ninguém vai ouvir o que temos para dizer. Mas se querem que vos diga, no momento em que eu não acreditar em utopias passarei a andar aqui a vegetar. Sou antes, um utópico do c******! (* Para não ser malcriado).
Graza A discussão de
Graza
A discussão de modelos alternativos de organização social e político não deve ter limites à partida. A crítica que apontamos é ao facto de parte dos proponentes apresentarem o RBI como uma política alternativa à criação de emprego (o que é, a nosso ver, uma distopia regressiva). Num outro plano, se defendemos a aplicação imediata de uma medida, se a queremos transformar num tema político e mobilizador, ganhamos em explicitar as suas consequências.
Obrigado pelo artigo embora
Obrigado pelo artigo embora um pouco uma perca de tempo não terem tido en conta este que responde em boa parte a algumas das vossas objecções:Rendimento Básico Incondicional e pleno emprego. Objetivos complementares? http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO298179.html?page=0
PS: sobre Bensaid que citam, é bom que tenham en conta que ele em publicações mais recentes onde se mostra claramente a favor dum RBI.
Roberto Merril Não tivemos,
Roberto Merril
Não tivemos, de facto, acesso a este teu texto. Após a leitura do mesmo há respostas e divergências que permanecem. Apresentar o RBI como um fundo de greve não elimina a questão de fundo - um RBI a 60% do rendimento médio mensal não é uma pequena alteração, é uma gigantesca transformação: estamos a falar de mais de um terço do PIB (65 mil milhões€), que implicaria, como defendem boa parte dos proponentes, uma alocação dos salários ou uma brutal taxação sobre o consumo (com efeitos, uma vez mais, sobre os salários). Uma taxação sobre o lucro ou produtos de luxo ficaria muito aquém deste financiamento. Falamos, portanto de uma concentração dos salários sob o poder de Estado. Acontece que uma medida destas responderia, a todo o momento, à relação de forças instituída. Num tempo dominado pelos mercados e pela troika, a quotização dos salários continua a ser a mais fortes das solidariedades.
Parece-nos, também, que apresentar o RBI como solução para o precariado, contrapondo este grupo ao dos assalariados sindicalizados é incorrer num falso antagonismo, bem proveitoso, aliás, aos patrões e aos defensores da austeridade. Não foram os sindicatos que flexibilizaram, precarizaram e maximizaram a exploração a que hoje são submetidos os precários. À falta de organização e combatividade dos precários e desempregados devemos responder com organização e estratégia, não com alocações universais sob um pacto democrático que não existe na prática.
"Cada politico,
"Cada politico, independentemente da sua ideologia é fraudulento quando se nega a aceitar o facto de que não pode haver trabalho a tempo inteiro para todas as pessoas."
Andre Gorz
"Se o trabalho fosse alevante
"Se o trabalho fosse alevante e bom os ricos não o deixariam para os pobres." Paul Lafargue
"Cada politico,
"Cada politico, independentemente da sua ideologia é fraudulento quando se nega a aceitar o facto de que não pode haver trabalho a tempo inteiro para todas as pessoas."
Andre Gorz
As recorrentes respostas à
As recorrentes respostas à iniciativa do rbi nos últimos tempos, desde que começou esta discussão, tendem a fazer tábua rasa das discussões prévias. Parecem-me carecer de leituras menos apressadas e de alguma seriedade devotada à proposta. Vou evitar, portanto, a discussão académica sobre o assunto. Ainda assim, é importante estar a ser discutida e ver uma tentativa de resposta de acção; o que não tem sido comum. Falo da redução do horário de trabalho. Como táctica, tenho de facto dificuldade em poder considerar as duas acções em simultâneo (na realidade o rbi é a redução do horário de trabalho a zero) e, sendo assim, parece-me importante que esta alternativa proposta (a redução do horário), e considerando não parecer haver abertura suficiente para colocar o rbi na agenda, seja então devidamente fundamentada e concretizada nas acções e nos cadernos reinvidicativos das estruturas que têm assumido estas lutas mais organizadamente (sindicatos, movimentos, partidos). Se só para isso servir esta iniciativa do rbi neste tempo, terá já sido uma grande vitória. Em torno da proposta da redução do horário de trabalho será, efectivamente, possível juntar muita da massa crítica e dos números que o rbi já arregimentou. Não me parece desejável, aliás até é uma oportunidade importante, perder todas estas pessoas que se mostram disponíveis para apoiar e trabalhar sobre esta questão. Transformá-lo em uma prioridade pode trazer alguma vivacidade a uma esquerda meio perdida e com alguma falta de criatividade reinvidicativa.
O que é pleno
O que é pleno emprego?
http://www.youtube.com/watch?v=artBNieFmCw&list=PLFs9_MqEJLGQJ52KyQYjXMJ...
Para quê pleno emprego?
http://www.youtube.com/watch?v=YTSNT8ECkWU&list=PLFs9_MqEJLGQJ52KyQYjXMJ...
Lutar por um emprego ou por rendimento?
http://www.youtube.com/watch?v=DWc9V6PXbCo&list=PLFs9_MqEJLGQJ52KyQYjXMJ...
Uma nova capacidade de negociação.
http://www.youtube.com/watch?v=_KDpUvrXcJ4&list=PLFs9_MqEJLGQJ52KyQYjXMJ...
Márcio Discordamos das
Márcio
Discordamos das concepções de pleno emprego apresentadas no video da iniciativa e explicamos o porquê no texto. A assumpção do fim do trabalho assalariado tende a sobrevalorizar o factor da mecanização na produção capitalista, a produção é criação de valor de troca mas é também uma relação social de exploração - daí termos hoje uma péssima distribuição do trabalho disponível entre os trabalhadores ativos. Por outro lado, é uma visão que tende a negar as possibilidade políticas e económicas da expansão da produção a campos que nos são hoje interditas pela relação de forças (a cultura é apenas uma delas).
Mais uma vez afirmações
Mais uma vez afirmações injustificadas.
Diz que está sobrevalorizado a mecanização, mas como o prova? é uma convicção? nesse caso vale tanto como as outras, que afirmam o contrário.
E já agora, como conseguiria o milagre de absorver o desemprego através de empregos culturais? consegue quantificar a parte absorvida por essa nova produção?
Quando jovem, fiz parte de uma organização de juventude que realizou um inquérito a jovens. Uma das perguntas desse inquérito, era se o jovem estava à procura de emprego. Um jovem surpreendeu-nos com a resposta: não, ele é que me persegue!
Os autores parecem querer perpetuar a condenação ao trabalho, pois que não estamos a reivindicar outra coisa, do que libertação do mesmo, ainda que de forma parcial, ou não será que a inexistência de meios de sobrevivência que nos leva à obrigação do trabalho?
Eu nunca procurei trabalho mas sim rendimento, o que só obtive quando trabalhei.
Só libertando-me desse fardo, e tendo assegurado os meios básicos de vida, posso disfrutar do ócio e da cultura, e aí sim, esta atividade se desenvolverá plenamente, será um meio de complemento de rendimento porque terá consumidores assegurados (porque têm rendimento) e têm disponibilidade de tempo.
Salvem-nos dos libertadores que nos querem manter prisioneiros daquilo que nos queremos libertar.
Bom dia e obrigado pelo
Bom dia e obrigado pelo artigo. Pena não terem tido em conta este artigo, publicado no Dinheiro Vivo, que antecipa uma parte essencial da vossa muito pertinente crítica: Roberto Merrill, Rendimento Básico Incondicional e pleno emprego. Objetivos complementares?
Aproveito para recordar, caso não o saibam, que Bensaid, autor que citam, escreveu a favor dum RBI.
Há que debater e não que
Há que debater e não que assumir posições definitivas.
Este texto veicula a posição oficial do BE ou esta é a vossa opinião pessoal? Presumo que seja pessoal, certo?
Patrícia A posição
Patrícia
A posição defendida no texto apenas veicula os seus autores. Todas as discussões são necessárias e bem-vindas.
Gostei de ler o seu artigo,
Gostei de ler o seu artigo, mas não sei se posso concordar com a sua análise. É verdade que a situação de pleno emprego é desejável em qualquer sociedade. No entanto, esta situação pode ser impossível por duas razões, ambas impeditivas de concretização.
A primeira é pura e simplesmente existirem pessoas que não tenham quaisquer qualificações para desempenhar um papel activo na actual sociedade. Vou dar alguns exemplos típicos: as profissões de desenhador técnico, de operador de telégrafo, ou mesmo de fotógrafo profissional. Apesar de ser necessário um nível de qualificações e uma experiência razoáveis, estas profissões praticamente desapareceram, e, como tal, os indivíduos podem não ter nenhuma opção no mercado de trabalho. Alguns certamente poderão ser retreinados (mas isto depende de pessoa para pessoa!) e/ou optarem por profissões que não requerem qualificações — mas estas, por sua vez, já têm excesso de pessoal não qualificado.
À medida que as nossas sociedades se vão tornando mais sofisticadas, haverão profissões que desaparecem, qualificações que deixam de ser úteis, e novas profissões que requerem qualificações diferentes. Mas nem todas as pessoas têm essa capacidade de adaptação. De forma análoga, o número de empregos para os quais não é necessária qualquer qualificação tenderá a diminuir, especialmente porque são justamente este tipo de empregos que serão substituídos por processos industriais automáticos. Esta evolução social é inalterável. O único papel, pois, que um Estado pode desempenhar para lidar com esta situação é atribuir a estas pessoas todas, que deixaram de poder fazer parte da população activa (por não serem qualificadas para nenhuma profissão), é atribuir-lhes um subsídio. Para alguns, será possível uma bolsa de estudo para adquirirem novas competências; mas isto não é possível para todas as pessoas.
Estas considerações são independentes de qualquer ideologia.
A segunda situação é, sim, já plenamente ideológica. Temos um estado social-democrático cuja economia assenta em princípios keynesianos. Ora neste modelo, o Estado tem duas formas de intervir directamente na economia: através de impostos e da desvalorização da moeda. Como fazemos parte da União Europeia e aderimos ao Euro, esta segunda capacidade de intervenção económica está-nos vedada. Qualquer outra medida que o Estado queira efectuar para influenciar a economia será sempre indirecta.
Assim, neste modelo, o Estado só pode criar situações de pleno emprego se contratar directamente todos os desempregados. Caso contrário, o aumento de emprego passa sempre pelo sector privado. Aqui a intervenção do Estado é indirecta: aplica incentivos à contratação, estabelece parcerias, lança obras públicas, faz acordos internacionais para dar regalias a quem queira explorar a mão-de-obra em Portugal, etc. Mas nenhuma destas iniciativas é directa: os privados podem pura e simplesmente ignorar os esforços do Estado. Obviamente que quanto maior forem as iniciativas, maior é a probabilidade de haverem efectivamente empresas dispostas a contratar pessoas, mas a verdade é que esta relação não é directa e isenta de falhas. Há sempre um grau enorme de probabilidade que, apesar dos incentivos, não apareça nenhuma empresa interessada em contratar mais pessoas. Por isso, um Governo de um Estado de Direito social-democrata não pode afirmar — sem ser demagogo! — que vai «diminuir o desemprego». Isso é impossível — a não ser que contrate directamente pessoas para a função pública. Pode, sim, é anunciar um pacote de medidas indirectas que incentivem empresas a contratar mais pessoas, mas se o pacote é suficiente e eficaz, depende muito mais das empresas e da sua percepção do que necessitam, do que do Estado em si.
Numa situação de contenção de despesa pública, temos então esta hipótese vedada. Não é possível simultaneamente reduzir a despesa pública — cuja maior fatia são justamente os salários da função pública, as pensões, as reformas e os subsídios — e aumentar a contratação de funcionários públicos. As duas coisas são opostas. Pode-se racionalizar a despesa pública, mas em países como Portugal, em que apenas uma ligeira fracção do orçamento do estado NÃO vai para pagamento de salários e todo o tipo de subsídios, há uma margem de manobra reduzidíssima. Por outras palavras: se quiser aplicar o seu raciocínio ao caso português, incentivando o Estado a fornecer directamente emprego a todas as pessoas, sem aumentar a despesa pública, isso significa diminuir drasticamente os salários da função pública ao ponto do dinheiro chegar para as pagar a todas. NÃO é reduzir as PPPs, custos de manutenção, regalias, etc. que vai fazer uma diferença! Isto infelizmente escapa a muita gente que, por questões ideológicas, quer que o Estado abandone todos os seus compromissos e contratos, e espera que tenha dinheiro suficiente para empregar um milhão de desempregados. É uma questão de abrir o OE e ver que isso é impossível — a não ser que baixemos o salário mínimo na função pública para talvez uns €300...
Ora temos uma alternativa, que é o Rendimento Básico Incondicional. À partida, parece ser a mesma situação que a de contratação massiva de funcionários públicos, mas há uma diferença que é crucial: é que um posto de trabalho na função pública não é meramente um salário que se paga. O funcionário precisa de um posto de trabalho físico. Muitos postos de trabalho requerem instalações. As instalações requerem segurança, manutenção, custos fixos de operação. Mesmo que sejam criados institutos sem qualquer função meramente para tirar as pessoas do desemprego (veja-se a solução cavaquista que fez isso mesmo!), esses institutos passam a ter mais custos que aparecem no OE, e que são significativos, por mais que se tentem reduzir. As normas europeias definem claramente o espaço mínimo que um empregado deve ter no seu posto de trabalho e as condições mínimas de trabalho. Ou seja: não se pode meter essas pessoas todas num barracão, em pé, para diminuir os custos de operação!
Os proponentes do Rendimento Básico Incondicional propõem então uma alternativa. Em vez de se estar a contratar essas pessoas todas, e ter de suportar os custos das instalações e demais contrapartidas necessárias para a sua sustentação com dignidade, sugere-se então que as pessoas fiquem nas suas próprias casas e recebam um montante que lhes permita sobreviver. Dado que se poupam assim os custos inerentes à função de empregador, pode-se ou alargar o RBI a mais pessoas, ou aumentá-lo por pessoa (comparativamente ao custo de as empregar). Um exemplo típico: se o custo mensal de manter um posto de trabalho é de €500/pessoa (assumindo que recebe um salário médio de €1000), isto significaria que a mesma pessoa poderia receber €1500, mas o Estado não precisaria de ter mais edifícios, manutenção, custos com a SS, despesas inerentes com a limpeza e manutenção do gabinete/sala onde estaria o empregado, etc. O resultado, para o cidadão, é receber mais dinheiro. O resultado para o Estado é ter menos despesas fixas.
Em situação de igualdade de circunstâncias, optar pela contratação de todos os desempregados ou atribuir-lhes o RBI a todos, a primeira é muito mais cara para o Estado e obrigaria a pagar a cada um deles muito menos. Este, para mim, é o argumento crucial em favor do RBI.
Poderá argumentar que a minha resposta é ideológica. Estou de acordo. Não sou averso à ideologia que preconiza o pleno emprego para todos, mas reconheço que é uma utopia; prefiro a ideologia que garante a todos os cidadãos a capacidade de sobrevivência com dignidade, mesmo que não tenha fisicamente um posto de trabalho, pois pelo menos isso está ao alcance da nossa sociedade (não é, pois, uma utopia).
Depois, claro, poderemos argumentar em que sentido é que o RBI é efectivo. Os estudos feitos no Brasil, a título de exemplo — ainda não têm um RBI universal, mas caminham nesse sentido — mostram que, ao contrário do que se esperava, a população não se torna mais preguiçosa quando o Estado distribui riqueza desta forma. Em vez disso, o que se viu imediatamente a acontecer é que as pessoas beneficiando de um RBI passaram a alimentar-se melhor e começaram a estudar e a mandar os filhos também para a escola. O primeiro ponto passou a ter um impacto directo na saúde pública (e, indirectamente, também beneficiou o comércio de produtos alimentares, gerou emprego indirecto ao incentivar maior criação de mercearias e supermercados, incentivou a produção agrícola, etc. — deram-se até casos de escassez de produtos alimentares em certas zonas do Brasil onde subitamente a população passou a poder comprar muito mais comida e a que havia não chegava para todos!); o segundo ponto obviamente que permitiu essas pessoas auto-qualificarem-se para potenciais empregos, e preparar já as gerações seguintes para que tenham essas qualificações. Isto não quer dizer que o RBI imediatamente conduza a um aumento potencial de emprego, só porque as pessoas andam menos doentes, sem fome, e aprendendo novas qualificações. Mas pelo menos significa que, indirectamente, se deu a possibilidade de muitas pessoas poderem realmente melhorar a sua condição social. O resultado? Ao fim de uma década, 30 milhões de brasileiros saíram da pobreza para integrar a classe média. Isto é significativo, mesmo num país com mais de 190 milhões de pessoas.
Pessoalmente sou completamente a favor de instituir um RBI e de evitar a contratação desmesurada de funcionários públicos sem qualquer função apenas com o propósito de garantir «pleno emprego». Reconheço que a via do RBI pode levar mais tempo a produzir efeitos; mas a contratação maciça de funcionários públicos — como ocorreu em Portugal nos anos 90 — não só é mais onerosa para o Estado a curto prazo, como desequilibra as finanças públicas a longo prazo, justamente como estamos a observar agora.
O RBI tem, evidentemente, o problema de poder incentivar a preguiça — a «subsídio-dependência». No entanto temos de ter em conta muitos factores quando discutimos este aspecto. Normalmente, os meios de comunicação social focam-se em exemplos extremos, quando a esmagadora maioria das pessoas faz parte de uma «normalidade». Um exemplo típico: os jornais falam de crimes a acontecer todos os dias, o que poderá dar a entender que somos um país de criminosos. Na realidade, está mais do que provado cientificamente (ler Freakonomics) que a percentagem de indivíduos potencialmente desonestos não ultrapassa os 5% — e, mesmo assim, só serão desonestos se tiverem oportunidade para isso. Mas se lermos os jornais e ouvirmos as conversas de café, parece que a proporção é exactamente a inversa!
Assim, embora seja plausível que um RBI crie, realmente, 5% de pessoas preguiçosas que não farão nada senão levantar o cheque todos os meses, as restantes 95% verão no RBI a oportunidade que necessitam para refazer as suas vidas, para estudar, para arriscar montarem um pequeno negócio (como se viu acontecer no Brasil, Índia, Paquistão...), para, enfim, melhorarem a sua situação pessoal e profissional, sem que tenham de viver em constante ansiedade de falta de dinheiro para suprirem as suas necessidades básicas. É claro que os meios de comunicação social irão focar-se só nesses 5%! E vão esquecer-se dos restantes 95%! Mas isso não é um problema do RBI em si, mas sim da comunicação social!
Faltou no seu artigo (aliás, não é só o seu caso, claro) a demonstração de medidas práticas e concretizáveis para implementar um mecanismo de pleno emprego, com redução de horas de trabalho, e de aumento de salários. Apenas vejo o apelo à «luta social» — obter essas medidas através da força. Mas a pergunta que coloco sempre neste tipo de argumentação é a mesma: quem é que vai pagar isso tudo? De onde vem o dinheiro? Se as empresas são obrigadas a contratar mais pessoas, por salários mais elevados, e ainda por cima que querem trabalhar menos tempo, dado que já estão falidas ou na beira da falência, como serão pagas?
Poderá sugerir que aumentem os preços dos seus produtos e serviços para compensar. Mas não nos podemos esquecer que estamos numa economia global. O Japão, por exemplo, seguiu essa via: incentivou a contratação de mais e mais pessoas, por salários progressivamente mais elevados, obrigando as empresas a aumentar mais e mais os preços dos serviços e produtos — mas como os salários eram superiores, os japoneses não sentiram o seu nível de vida diminuir. Mas tinham um problema: a globalização dos mercados. A vizinha China produz produtos muito mais baratos com qualidade semelhante; as empresas japonesas não poderiam competir com salários elevados que obrigavam a preços de produtos altíssimos. Então o que fizeram? Fecharam o mercado japonês à importação. É ainda hoje um dos mercados para o qual é mais difícil de exportar, e praticamente só se consegue exportar produtos de luxo ou que sejam impossíveis de produzir em território japonês (como, por exemplo, petróleo...).
Ora nós vivemos num espaço europeu de comércio livre (e que se vai alargar ao mercado americano também). Um encarecimento substancial dos custos de produção em termos de salário significaria que ainda teríamos menor capacidade de exportação; e teríamos de lidar com produtos comparativamente muito mais baratos que inundam o nosso país. Isso só levaria a que as poucas empresas de sucesso que temos (e felizmente não são assim tão poucas!) a fechar, criando ainda mais desemprego — ou seja, precisamente o oposto do modelo do «pleno emprego» que preconiza.
Na sua argumentação, pois, faltou propôr o isolamento de Portugal do mundo, a saída da União Europeia e da OCDE, e a criação de uma espécie de «Cuba continental», na qual só existiriam os poucos produtos que ainda conseguimos produzir e vender no mercado interno, e em que tudo o resto — desde frigoríficos a automóveis — passariam a ser produtos de luxo, completamente inacessíveis à esmagadora maioria da população, por mais altos salários que tivessem (porque, nessa situação de isolamento económico, qualquer que fosse a moeda que Portugal adoptasse, não valeria um tostão — bom para as exportações, mas péssimo para as importações de tudo o que não temos capacidade de produzir).
Só concordaria com o seu argumento se passássemos a ser produtores de petróleo :) Aí, sim, poderíamos avançar para modelos sociais completamente diferentes. No entanto, faço notar que era justamente durante a ditadura da Líbia em que todos os cidadãos recebiam um RBI de €500, porque o Estado podia dar-se ao luxo de o fazer, e preferia isso ao «pleno emprego». Mas sem ir para exemplos extremos, é justamente num dos estados mais pobres dos Estados Unidos, o Alaska, em que não se produz quase nada para além de petróleo e gás natural, que o governo do Alaska divide os lucros com a exploração petrolífera com os seus cidadãos residentes, pagando-lhes um RBI que compensa largamente a ausência de empregos bem pagos no Alaska — dando aos residentes do Alaska um nível de vida e poder de compra semelhantes aos gozados pelos demais cidadãos americanos, apesar do estado do Alaska, por si só, não ser potencial gerador dessa riqueza artificial. Mas têm petróleo...
Estes exemplos são só para afirmar que a proposta de um RBI é isenta de ideologia. O RBI é utilizado por todo o tipo de países, desde os mais capitalistas, às ditaduras totalitárias, às social-democracias sólidas e ricas, aos países pobres e em desenvolvimento. Todos eles encontraram vantagens nesse modelo. Todos eles, apesar de poderem ter optado, em alternativa, por um modelo de «pleno emprego» com contratação directa pelo Estado, preferiram em vez disso atribuir um RBI. Penso que é legítimo de afirmar que a solução do RBI está mais que provado ser superior — em termos práticos, pragmáticos, não ideológico-filosóficos — do que a solução de contratação por parte do Estado de todos os desempregados.
Que prazer que tive em ler
Que prazer que tive em ler esta sua resposta Luís Miguel.
Obrigada!
Adriano Campos e Ricardo
Adriano Campos e Ricardo Moreira,
Vou tentar responder a alguns aspetos do artigo que cito entre comas:
“O argumento encerra toda uma concepção: o desemprego é a causa da exclusão que importa colmatar com um rendimento e não uma consequência das escolhas económicas e políticas, da desigualdade assente na exploração de classe.”
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O que se pretende colmatar não é o desemprego, mas sim a desigualdade na distribuição da riqueza. Uma das formas de acumulação de riqueza, é a acumulação de conhecimento e desta transformada em tecnologia, que permite produzir com crescente redução de custos laborais, dispensando mão de obra. A tecnologia empregue, é resultado de investimento coletivo na educação apropriada pelo capital.
A eliminação de emprego pelo conhecimento, inovação e pela tecnologia é em si, um objetivo comum da humanidade, já que o liberta da condição de assalariado, de mercadoria, condição que a ninguém deve honrar.
O RBI é assim uma forma de redistribuir esse capital de conhecimento acumulado pela humanidade ao longo de séculos e para o qual todos os cidadãos contribuíram através dos impostos para a escola pública, e que foi indevidamente apropriado por uma das partes, o capital em desfavor dos cidadãos trabalhadores.
Ou seja, o RBI é a consagração de um objetivo humano, do direito, não ao trabalho, mas à qualidade de vida, a qual só pode ser vivida de forma verdadeiramente livre, se escolhida sem o constrangimento e imposição, do trabalho a soldo para satisfazer apenas e só, as necessidades básicas.
“Mas onde essa diferença se torna patente é precisamente no modelo de financiamento do RBI. “
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O financiamento do RBI, para além da unificação de todos os subsídios existentes, é assegurado não por qualquer imposto dos existentes, mas por um imposto sobre a tecnologia, ou seja, pelo índice de intensidade tecnológica, obtido através da razão entre dividendos e número de trabalhadores. Um elevado rácio indicia elevada concentração de tecnologia e assim de apropriação de conhecimento coletivo, havendo lugar à retribuição à sociedade desse benefício coletivo.
“Desistir, como fazem os defensores do RBI, da exigência do pleno emprego é anunciar a morte do direito ao trabalho.”
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Desistir sim, da escravatura! O direito ao trabalho faz sentido sim, quando só através dele é possível sustentar a existência, mas isso foi assim na era industrial e pré-industrial. Hoje conseguimos produzir com reduzido número de trabalho humano e isso é um progresso imenso da humanidade. Hoje conquistamos o direito ao ócio e à qualidade de vida, através do progresso científico e tecnológico, a questão é de saber se lutamos pela nossa parte desse progresso, ou se o deixamos apropriado pelo capital.
O RBI não acaba com o trabalho infelizmente, acaba com parte dele porque essa parte é-nos devida. O salário teria assim duas componentes, uma básica devida pelo progresso da humanidade e outra que ainda viria da relação assalariada ou do trabalho independente, a diferença é que morria a fome, o desespero que facilita a chantagem negocial sobre o necessitado.
“Por isso, mais do que uma reinvindicação parcelar, devemos apresentar propostas que permitam unificar as lutas de trabalhadores, precários e desempregados, como o direito ao trabalho. Nesse campo, a redução do horário de trabalho sem redução dos salários como medida de combate ao desemprego permitiria melhorar no imediato a vida de quem não tem trabalho e distribuir a riqueza produzida. Um movimento popular pela redução dos horários do trabalho poderia unir lutas e atacar a mecânica da austeridade.”
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Mas o RBI não é senão um movimento popular pela redução do horário de trabalho.
Onde foram buscar o argumento de que é parcelar? é parcelar em quê? Essa adjetivação vem de onde? Há reivindicação mais universal e unificadora que um rendimento universal?
A grande diferença é que com o RBI a redução tende a ser à medida de cada um, no sentido de quem tem RBI está mais 'armado' para negociar o trabalho complementar que lhe oferecem ou que pretende candidatar-se, ao contrário do que acontece atualmente.
“A regressão social que vivemos, com o desmantelamento do Estado Social e com a redução de salários e de direitos, faz aparecer alternativas que fogem ao confronto com o capitalismo e com a exploração do trabalho que o sustenta. A fraternidade que tecemos nas lutas diárias em que nos encontramos impõe-nos a exigência das escolhas: é melhor não irmos por aí.”
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Mas o capitalismo já foi consultado acerca do RBI, alguém conhece a sua reação?
O capitalismo atual tem como base de enriquecimento já não num produtivismo de uso de mão de obra massiva e intensiva mas sim no conhecimento, tecnologia e inovação, dispensa mão de obra, e nessa dispensa radica em grande parte a grande desigualdade social, a falência dos apoios sociais, e do estado-social tal como existe(ia) no modelo passado, logo o estado social tem de ser reinventado, e como só pode ser distribuído o que existe, o trabalho não é seguramente, mas sim o capital que é produzido pela tecnologia.
É pois por aí que temos de ir, e não pelos caminhos do passado, esses sim, por já desajustados, nos trouxeram até aqui.
«O argumento encerra toda uma
«O argumento encerra toda uma concepção: o desemprego é a causa da exclusão que importa colmatar com um rendimento e não uma consequência das escolhas económicas e políticas, da desigualdade assente na exploração de classe.»
Esta frase, que é o eixo de todo o raciocínio exposto no texto, é uma falácia óbvia. O facto de o desemprego ser uma causa - repito, uma causa - da exclusão não é contraditório com o facto de ele ser uma consequência - repito, uma consequência - de escolhas económicas e políticas. A alternativa apresentada é falsa.
Mas é nesta falsa alternativa que se fundamenta a confusão entre "direito ao trabalho" e trabalho sob coacção - trabalho que só é feito porque a falta de uma alternativa de rendimento coage as pessoas a aceitá-lo em troca de qualquer salário e em quaisquer condições. O direito ao trabalho só pode ser outra coisa que não uma escravatura se for acompanhado pelo direito complementar ao não-trabalho.
Quem ainda acha que o
Quem ainda acha que o trabalho vai continuar a existir para todos é no mínimo distraído e tolo, não tarda e somente alguns humanos, altamente especializados em inteligência artificial, robótica, e actividades directamente e indirectamente ligadas ao turismo espacial e pouco mais terão acesso ao tal emprego como nós o conhecemos. Assim sendo, o porquê de se continuar a querer exigir emprego ou trabalho para todos, quando isso não passará de uma utopia dentro em breve? Não vejo evolução nenhuma na maioria dos comentários o que me deixa atónito com a falta de visão dos Portugueses, digo eu ...
Gostei de saber da iniciativa
Gostei de saber da iniciativa da dignificação do ser humano através deste rendimento Básico Incondicional. Já há algum tempo me venho a interrogar,tendo em conta a automatização/mecanização do trabalho, de como vai ser o futuro do ser humano dentro desse conceito da mecanização das tarefas relativas ao trabalho tal como o conhecemos hoje.Certamente que nada será no futuro como o é actualmente. Resta-me a consolação de saber que existem pessoas da sociedade civil preocupadas com o nosso futuro. É logico que este conceito irá também mexer com os políticos partidos e sindicatos, também estes, à luz desse conceito deverão ter as suas actividades alteradas.Do alto dos meus 50 e tantos anos,e actualmente no desemprego,vejo que mais do que uma utopia, um dia o rendimento Básico Incondicional tem de ser uma realidade sob pena da humanidade ficar condenada ao ostracismo à fome e à sua própria existência. Com os melhores cumprimentos....; Laura Ventura
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